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Estratégia de proteção da Minerva ao dólar vai além do hedge natural

“O hedge natural é bonito no livro-texto, mas na prática há muitas variáveis que você não controla”. A frase é de Edison Ticle, diretor financeiro da Minerva Foods, uma das maiores exportadoras de carne bovina da América do Sul. Em tese, a receita em dólar oriunda das vendas externas compensaria, no médio prazo, o efeito negativo do salto da divisa americana sobre o endividamento e as despesas com juros, mas a realidade é mais difícil.

Desde meados de 2018, a Minerva mantém em torno de 50% da exposição de longo prazo ao dólar protegida por meio de instrumentos derivativos – basicamente NDFs, que equivalem à compra de dólar futuro no mercado de balcão.

Em 31 dezembro, último dado disponível, a Minerva tinha uma posição comprada em dólar, por meio de NDFs, de pouco mais de US$ 1 bilhão. Desse total, US$ 850 milhões se referiam aos instrumentos para proteger a dívida em dólar de longo prazo (que vence em mais de um ano), e que no fim do ano passado somava US$ 1,7 bilhão, segundo Ticle.

Com isso, a companhia julga estar a salvo das piores tormentas provocadas pelo valorização do dólar. Em 2020, a moeda americana se apreciou 24,5% ante o real, passando de R$ 4,03 para R$ 5,02. Grosso modo, a variação cambial teria feito a dívida da Minerva em moeda estrangeira que vence no longo prazo aumentar de R$ 6,5 bilhões para R$ 8,5 bilhões.

Sem o hedge cambial, inevitavelmente o indicador de endividamento (relação entre dívida líquida e Ebitda) da Minerva dispararia. Em dezembro, esse indicador estava em 2,8 vezes. Do ponto de vista de receita em dólar, que poderia suavizar o aumento da dívida, é preciso ter em conta que o resultado – positivo – do dólar valorizado não aparecerá imediatamente.

Isso ocorre, entre outros motivos, porque o primeiro trimestre é, sazonalmente, mais fraco para as exportações de carne bovina. Afora isso, a desaceleração econômica global pode ter reflexos negativos sobre o fluxo das exportações nos próximos meses, conjecturou o diretor da Minerva, ao defender sua posição contra o “hedge natural”.

Na entrevista ao Valor, o executivo da Minerva não fez comentários sobre as exportações do grupo neste trimestre, mas é fato que as perspectivas para o ano são piores, mesmo com atenuantes como a escassez de proteína na China – que ainda sofre com os efeitos da epidemia de peste suína africana e deve continuar absorvendo carne importada.

Na semana passada, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Antonio Camardelli, disse que as exportações à Europa sofreram grande abalo em razão do coronavírus. Além disso, a recuperação da demanda chinesa enfrenta problemas logísticos, como a falta de contêineres. Dados preliminares da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que, nas duas primeiras semanas de março, o volume médio diário de exportações de carne bovina do Brasil caiu 4,4% ante o mesmo mês do último ano.

Nesse ambiente, a Minerva anunciou na terça-feira férias coletivas em quatro de seus nove frigoríficos no Brasil. Em nota, a companhia disse que é uma forma de ajudar no combate à propagação do coronavírus e também um reflexo da “piora dos cenários doméstico e global, que inclui queda na demanda no segmento de food service e limitações logísticas em diversas partes do mundo”.

Para a Minerva, as vendas estão concentradas no exterior – mais de 65% do faturamento de R$ 18,1 bilhões de 2019. No Brasil, a companhia sempre dedicou os esforços para o pequeno e médio varejo e para o food service, que costumam ter maior rentabilidade. Agora, com o isolamento da população nas residências, este último segmento está bastante desafiado. Há relatos de frigoríficos que reduziram as vendas para food service em 40% na semana passada. Na bolsa, a crise do coronavírus representou queda de 39,2% no valor das ações da Minerva, atualmente avaliada em R$ 3,75 bilhões na B3.

Nessa conjuntura, a proteção financeira da Minerva poderá render um alívio. Mas isso só é possível porque o custo para montar posições de hedge caiu sensivelmente. Quando a taxa de juros no Brasil era alta, a estratégia de hedge da Minerva era mais ativa, montando e desfazendo posições ao sabor do risco econômico e político. No auge da recessão brasileira, em 2016, a Minerva chegou a pagar 14% por ano. Mas a expressiva redução do diferencial entre os juros brasileiros e os americanos fez o custo do hedge cair para menos de 4%. Com essas mudanças, a Minerva pode manter a proteção cambial por longos períodos sem que a despesa financeira tenha peso excessivo.

Embora há tempos advogue a necessidade de proteger o balanço das companhias contra os solavancos cambiais, Ticle admite que, no passado recente, o custo para proteger a exposição em dólar era impeditivo, o que tornava operações do tipo episódicas e, não raro, mal recebidas pelos analistas de bancos – estimar as despesas financeiras era como apostar na loteria.

Agora, afirmou Ticle, o custo de proteger o balanço contra a valorização do dólar, somado ao custo de dívida do grupo, é inferior ao Retorno sobre o Capital Investido (ROIC). Essa não era a realidade no passado de juros altos no Brasil. Do ponto de vista econômico, a soma entre o custo de hedge e o de dívida já chegou a ser superior ao ROIC, o que poderia fazer da companhia uma “renda fixa negativa”.

Fonte: Valor Econômico.

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