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Encontros e desencontros da crise

Volto a afirmar uma vez mais: "não há crise de demanda para o agronegócio brasileiro, o que se observa é uma alta taxa de demanda reprimida, seja em função da crise creditícia, seja pelo efeito psicológico que essa crise causa nos consumidores dos nossos produtos de consumo direto".

Interpretações, análises e medidas equivocadas exercem – por vezes – pressões muito mais relevantes e negativas do que a realidade dos fatos nos impõe. O fato é que premissas falsas distorcem a realidade. E é sobre os encontros e desencontros da crise financeira que pretendo discorrer.

Ela servirá de exemplo para demonstrar o descompasso temporal da ação governamental ao redor do mundo que marcou e alargou a crise e seus efeitos sobre a economia global.

As ações governamentais, primeiro desencontro a ser tratado neste texto, tendem a ser dilatadas, sejam elas tomadas em países mais avançados ou menos desenvolvidos. O Brasil, neste aspecto particular, não é soberano. Exemplo disso é a ausência do papel do Estado em regular a onda de securitizações e outras modalidades de crédito que se multiplicaram no setor financeiro, ao longo da última década, particularmente nos Estados Unidos e na Europa.

Por outro lado, há que se reconhecer, o Brasil realizou importantes ajustes no seu sistema financeiro por meio da venda de instituições, mudanças na legislação, supervisão bancária e a criação do – naquele momento polêmico – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer).

Todo este esforço foi fundamental para o saneamento do sistema do setor bancário e de intermediação. Foram socorridos à época o banco Econômico, o Nacional e o Bamerindus.

O Brasil, no entanto, mesmo com toda a habilidade e capacidade de programar mudanças estruturais no sistema financeiro, se mostra, até hoje, incapaz de constituir capacidade doméstica de poupança para financiar, entre outras, suas atividades de exportação sem depender tão exageradamente de investimentos externos diretos e financiamentos de bancos internacionais.

Nunca é demais lembrar que o Brasil carece de poupança doméstica robusta o que torna os recursos do Estado inferiores à demanda, em momentos de crise como o que vivemos hoje. É aqui que passo a tratar do segundo desencontro que assola o setor produtivo exportador brasileiro: a limitação de crédito.

Volto a afirmar uma vez mais: “não há crise de demanda para o agronegócio brasileiro, o que se observa é uma alta taxa de demanda reprimida, seja em função da crise creditícia, seja pelo efeito psicológico que essa crise causa nos consumidores dos nossos produtos de consumo direto”.

A crise de crédito causada pela completa ausência de regulação dos mercados financeiros europeu e norte-americano é agravada pela incapacidade brasileira em gerar poupança interna.

Um primeiro e importante encontro que se constata nesta crise é a ansiedade das instituições financeiras por liquidez e as dificuldades dos bancos centrais em injetar recursos nos bancos comerciais que se recusam a utilizar qualquer instrumento que atinja o objetivo de aquecer a economia.

Dois outros importantes encontros ao longo da crise foram que, a despeito da injeção de liquidez, a crise se recusou a ceder e os “spreads” de crédito continuaram a aumentar. Além disso, a crescente procura de empresas e instituições financeiras americanas pelo “Chapter 11” e no Brasil pela Lei de Falências, que disciplina a recuperação judicial, mostrou-se comum no Brasil e nos Estados Unidos. Mais uma vez o Brasil não impera sozinho nessa matéria.

O maior descompasso e o maior desencontro ao analisarmos o comportamento dos governos na tentativa de amenizar a crise estão no foco e na agilidade com que as medidas são adotadas e, de fato, passam a surtir resultado.

Todas as medidas governamentais tendem à lentidão. Inegável reconhecer que a ação do Governo americano foi largamente refratária. Inegável, também, reconhecer que o foco – tão logo iniciadas as intervenções – foi acertado: o setor financeiro.

Ao contrário, o caso brasileiro é de se surpreender. Não agimos com a rapidez necessária e, muito menos, socorremos o setor que merecia com legitimidade o apoio de instituições públicas. Gostaria de acentuar que, no Brasil, o foco e a lentidão das medidas contra-cíclicas não têm ocupado parte importante da agenda para uma recuperação mais acelerada da crise pelo setor produtivo e exportador.

Ao contrário de outras economias, o mercado financeiro no Brasil não entrou em colapso e, portanto não está no foco do Governo Federal. Por outro lado, os setores produtivo e exportador brasileiro que caminhavam, antes da crise, em rota de crescimento, gerando emprego, renda e saldo na balança comercial, precisam contar agora com a sensibilidade do Estado que antes da crise foi um dos que mais se beneficiou com o aumento da atividade econômicas por eles produzida.

O Brasil ainda vacila muito para tomar decisões firmes quando se trata da defesa do interesse nacional. O Brasil é o país dos conflitos, onde a identidade pessoal se sobrepõe à institucional, um País que, apesar de possuir instituições fortes, ainda se diminui à personificação de agentes públicos, e por isso oscila muito as suas políticas que necessariamente não refletem os anseios do setor produtivo e exportador, nem tampouco de um Estado bem estruturado.

0 Comments

  1. Nelson Pineda disse:

    Otávio,

    Parabéns pela sua analise. Valeria a pena publicar como carta aberta ao presidente, aos ministros da área economica e ao presidente do Banco Central, em toda a imprensa nacional.

    Atenciosamente,
    Nelson Pineda

  2. Vantuil Caneiro Sobrinho disse:

    Mais uma vez o bravo Diretor Executivo da ABIEC, Otavio Cançado , bota o dedo na ferida.

    A análise suscinta que ele faz mostra claramente e sem que haja sombra de dúvidas que o mercado financeiro do Brasil tirou de letra a “crise” mundial, o que não aconteceu nas grandes economias do planeta.

    Ao mesmo tempo evidencia a irritante lentidão na tomada de decisões governamentais necessárias para setores que realmente necessitam, ou seja o setor produtivo e exportador, os quais não estão tendo a consideração que lhes é devida pelas instituições governamentais, embora, continuem pagando a conta.

    Faço minhas as palavras do Dr. Pineda, carta aberta para quem de direito.

  3. Otávio Hermont Cançado disse:

    Prezado Nelson Pineda,

    Obrigado pelas gentis palavras. Meus pensamentos e convicções estão sendo expostos aos Ministros da área econômica, mas até o momento não tive a reação esperada. Tanto eu quanto o Presidente da ABIEC temos trabalhado incansavelmente na defesa do setor produtivo.

    Precisamos da ajuda de vocês.Nunca antes tivemos oportunidade tão favorável para alinharmos os discursos entre indústria e pecuaristas.

    Pineda, não tenha dúvidas, superada a crise a relação entre estes dois elos nunca mais será a mesma. Veremos uma melhora substancial, por uma única razão: amadurecimento do setor.

    Forte abraço e obrigado do,

    Otávio

  4. Luiz A.M.Villela disse:

    Excelente artigo, principalmente pela objetividade utilizada nos ultimos 3 paragrafos.

    Enquanto isso, o nosso governo financia maciçamente o governo e o caixa dos EUA.

    Abraço

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