O que era para inglês ver, não colou na Europa
24 de junho de 2005
Rússia não pretende aumentar cota para Brasil
28 de junho de 2005

Efeitos da marinação na qualidade da carne

Por Angélica Simone Cravo Pereira1

A maciez da carne é um dos fatores mais importantes que altera a aceitação da carne cozida. Contudo, existem muitas características envolvidas no processo de maciez, tais como, idade, sexo, raça, manejo pré-abate, gordura, manejo pós-abate, método de cozimento, dentre outras.

Desse modo, torna-se cada vez mais importante para a indústria da carne a diferenciação de alguns cortes, menos valorizados, facilitando o seu preparo, a fim de torná-los mais macios.

Nesse contexto, muitas técnicas têm sido utilizadas para melhorar a qualidade dos produtos cárneos. Dentre algumas empregadas no amaciamento da carne está a utilização da marinação.

A marinação consiste de um processo utilizado há muitos anos, tendo em vista, que a imersão da carne em salmoura adicionada a simples ingredientes melhora o sabor da mesma, além de mascarar alguns odores indesejáveis. Inicialmente, o processo era utilizado como prática culinária, entretanto, com o avanço das indústrias a prática da marinação de carnes tornou-se amplamente difundida.

Resumidamente, ocorre aumento da capacidade de retenção de água durante o cozimento, com conseqüente aumento na suculência, relaxamento das fibras musculares, proporcionando a obtenção de produtos macios, adição uniforme de sal e sabores específicos nos cortes.

Portanto, a marinação da carne permite alterar a textura da carne rapidamente, podendo ser aplicada de duas formas diferentes: estaticamente (imersão) ou dinamicamente (injeção e massageamento) (Rocha, 2000, citado por Harada, 2004).

Especificamente, por meio de imersão, há a passagem de ingredientes por difusão. Todavia, não é um método muito utilizado, devido às irregularidades na distribuição dos ingredientes, além da possibilidade do aumento de riscos de contaminação microbiana. Já, a técnica por injeção é mais empregada, pois permite a distribuição uniforme dos ingredientes na carne. Em geral, os dois procedimentos são seguidos de massageamento.

Contudo, alguns fatores podem alterar algumas características do produto final marinado, tais como, a idade do animal, raça, estado de maturação da carne e pH. Além destes fatores, algumas variáveis devem ser controladas no processo de marinação (matéria-prima, temperatura de processo, manutenção, equipamentos, higiene, sanitização e porcentual de injeção 5%-25% dependendo do tipo de animal e músculo).

Dentre as vantagens do emprego da marinação destacam-se o efeito positivo na palatabilidade e a extensão de vida de prateleira da carne. O processo consiste da adição de uma solução alcalina, ou ácida na carne, (adição de sais, fosfatos, aromatizantes e outros) a fim de alterar o pH. Aumentando e reduzindo os valores de pH há uma melhora na capacidade de retenção da água para mover o pH da carne, afastando-o do ponto isoelétrico (ao redor de 5,2 e 5,3 em carnes vermelhas) (Önenç et al., 2004).

À medida que o pH desloca-se se distanciando do ponto isoelétrico, há um aumento da capacidade de retenção da água, devido um aumento da quantidade de mudanças nas proteínas da carne. Esses autores observaram que amostras do m. Longissimus dorsi marinadas com 2% de NaCl + 0,5% de ácido cítrico (AC) foram mais macias em relação aos músculos controle. Porém as amostras (AC) apresentaram problemas de coloração e maiores perdas no cozimento.

Atualmente, o tratamento com cloreto de cálcio tem se tornado um método popular no amaciamento de carnes. Além disso, o cloreto de cálcio já é aprovado pelo USDA para uso em concentrações de até 3% de uma solução 8M para amaciamento de carnes. Entretanto, injeções de 10% a uma solução 0,3M tiveram um efeito adverso na palatabilidade, resultando em sabores metálicos e amargos em produtos cozidos (Eilers et al., 1994; Morris et al., 1997, citados por Scanga et al., 2000). Portanto, alguns atributos de qualidade, tais como, cor e sabor podem ser alterados nos produtos cárneos.

Harada (2004) avaliou a forma de desossa a quente e a frio e o efeito da salmoura de marinação, uma contendo 1,6% (250mM) de cloreto de cálcio (CaCl2) e 2,4% de cloreto de sódio (NaCl) e outra com 1,8% de tripolifosfato de sódio e 2,4% de cloreto de sódio (NaCl) em músculos do coxão duro (Bíceps femoris) de bovinos Nelore. Foram avaliadas características de textura objetiva, perda de peso no cozimento, avaliação da maciez (painel sensorial), suculência, cor, dentre outras.

Os resultados permitiram concluir que a marinação reduziu a força de cisalhamento (músculos marinados foram mais macios), aumentou a maciez e a suculência avaliadas pela equipe sensorial. Por outro lado, a cor foi o atributo mais afetado negativamente pelo processo de marinação, os valores de a* e b* foram reduzidos, indicando escurecimento do vermelho, em especial com a salmoura contendo CaCl2.

Quanto à utilização dos equipamentos, no caso da injeção, são utilizadas bombas para pressurização da salmoura, de forma que esta atravesse os orifícios das agulhas, que geralmente apresentam 1 mm. Neste processo, forma-se um depósito de salmoura na zona de penetração da agulha.

Ainda, nas injetoras tipo spray, que utilizam bombas com maior pressão e agulhas com orifícios menores (0,6 mm), não ocorre este depósito localizado de salmoura, o que preserva a estrutura do músculo (Harada, 2004). Ainda, de acordo com a mesma autora, as vantagens desse processo, dentre outras já citadas, são a uniformidade do produto marinado, fácil aplicação em grandes volumes de produção, redução de mão-de-obra, rápido cozimento e melhora da maciez e suculência da carne.

Por outro lado, algumas desvantagens, como o custo inicial alto com equipamentos, não podem ser utilizadas para produtos cominuídos (como lingüiças e salsichas) e formados; não é recomendado para injeção de salmouras com ingredientes cujas partículas obstruam agulhas; em alguns produtos, a exsudação é maior se comparada a outros processos de marinação, pois pode acarretar patógenos para o interior da carne (Lemos et al., 1999, citado por Harada, 2004).

Aceitação do consumidor em relação a produtos marinados com cloreto de cálcio

Consumidores de restaurantes americanos avaliaram cortes injetados com CaCl2 e observaram melhor maciez nas carnes tratadas não relatando a presença de odores estranhos na carne. Porém em relação à aceitabilidade total, atributos, tais como sabor e suculência podem alterar a aceitabilidade total dos consumidores no varejo. (Figura 01) (Miller et al., 1995). Posteriormente, Miller et al. (2001) avaliaram 734 consumidores americanos de carne e reportaram que esses consumidores diferenciaram a maciez do m. Longissimus e que pagariam mais por cortes diferenciados para o atributo maciez.

Figura 01 – Porcentagens da aceitação de amostras injetadas com CaCl2 e controle aceitáveis para os atributos de maciez e aceitabilidade total (sabor, aroma e palatabilidade).


Fonte: Miller et al. (1995).

Outro estudo conduzido por Carr et al. (2004) relacionou a aceitação dos consumidores americanos entre carnes marinadas (tratadas) e não marinadas (controle). Foram injetados 200mM a 5% (wtwt) de cloreto de cálcio em amostras (m. Longissimus lumborum) 72 horas após o abate (grupo tratado). Todas as amostras, incluindo um grupo controle, foram embaladas a vácuo, maturadas por até 7 dias a 2ºC, para análises de força de cisalhamento, painel treinado ou avaliação realizada por consumidores. Foram observados melhores escores para os atributos de suculência e sabor, realizados por painel treinado ou por consumidores, indicando que consumidores diferenciaram níveis de maciez e ainda estavam dispostos a pagar a mais por carnes contendo CaCl2.

Além disso, foram determinados valores para as amostras controle ($11,99/kg) e marinadas ($12,94/kg). Os valores atribuídos pelos consumidores mostraram um incentivo de ($ 0,95/kg) para os bifes marinados com CaCl2, de carcaças não estimuladas, “select”, maturadas por períodos inferiores a 10 dias.

Outras substâncias, tais como fosfatos têm sido utilizados extensivamente em produtos cárneos, primeiramente por melhorar a retenção das misturas. A adição dessas substâncias aumenta o pH, a capacidade de retenção de água e o rendimento dos produtos. Polifosfatos podem ainda seqüestrar íons metálicos, dissociar o complexo da actomiosina, aumentando a maciez e a suculência da carne. Além disso, esses elementos apresentam efeito sinérgico com o NaCl (Sheard et al., 1999).

Um outro exemplo, o trifosfato de sódio, aditivo comum, também pode ser utilizado em produtos cárneos para melhorar a suculência e a textura. O mecanismo de ação em relação à maciez consiste na ruptura de estruturas, aumento da proteólise através de catepsinas e da conversão de colágeno à gelatina a um pH baixo durante a cocção da carne (Figura 02).

Os autores relataram alterações após a injeção de ácido láctico na carne, demonstrando a eficiência do tratamento na redução da dureza de músculos ricos em colágeno (M. pectoralis profundus). Porém, esse efeito não depende somente da dureza intrínseca dos músculos, mas também da concentração do ácido utilizada (Berge et al., 2001).

Os aditivos e/ou ingredientes utilizados na formulação das salmouras para marinação dependem de um determinado objetivo para obtenção dos produtos. Ainda, a seleção destes aditivos e/ou ingredientes baseia-se na funcionalidade destes, em especial na capacidade de aumentar a retenção de água, alterando de modo direto a suculência e a textura da carne (Xargayo et al., 2004).

Figura 02 – (A) Seção controle do músculo fixado 2 dias pós-morte. (B) Seção do músculo injetado com 0,5M de solução de ác. láctico (10% ww) 14 dias pós-morte. Foi observado um enfraquecimento da linha M com o período pós-morte, levando a uma extensiva ruptura, assim como enfraquecimento das bandas I com rupturas ocasionais da linha Z e em suas fendas.

center>
Fonte: Berge et al. (2001).

Congelamento e efeitos da marinação com cloreto de cálcio na maciez da carne e atividade da calpastatina

Sabe-se que a aplicação de Ca+2 melhora a maciez, como já relatado. Esta melhora na maciez ocorre principalmente através da ativação do sistema proteolítico das calpaínas que hidroliza a rede das proteínas estruturais miofibrilares durante o período pós-morte.

Embora a µ-capaína seja normalmente ativada neste período, concentrações exógenas de Ca+2 ativam também a m-calpaína e ambas (m e µ-capaína) hidrolisam as proteínas alterando a maciez da carne. Ainda, a atividade da calpastatina (inibidora endógena específica) pode, particularmente, retardar a proteólise quando se utiliza Ca+2 na carne (Goll et al., 1983). Devido ao fato da calpastatina ser suscetível à inativação pelo congelamento, Whipple et al. (1992) determinaram se o congelamento da carne poderia aumentar os efeitos da marinação com CaCl2 na maciez da carne. Como esperado, os resultados indicaram que a atividade da calpastatina foi significantemente reduzida com o congelamento.

O congelamento melhorou a eficiência da marinação (indicado pelos menores valores de força de cisalhamento) comparados com bifes marinados frescos e não marinados congelados. Portanto, a melhora da maciez, pela marinação com CaCl2, aparentemente, foi devido ao aumento da proteólise das calpaínas, devido à adição de Ca+2 exógeno, ativando a calpaína presente, que se reflete por uma redução da atividade da calpastatina. Assim, a atividade da calpastatina é reduzida com o congelamento, que aumenta o efeito da marinação na maciez da carne. É possível ainda, que o congelamento cause rompimento das membranas celulares, permitindo a entrada facilitada de Ca+2 nas membranas musculares (Whipple et al., 1992).

Considerações finais

A qualidade da carne influencia de forma direta as características qualitativas do produto final marinado. Dessa forma, a carne deve ser a mais fresca possível com condições higiênico-sanitárias adequadas, pois a marinação não é um processo para melhorar a qualidade de uma carne em más condições, ou de tornar aceitável uma carne de má qualidade, mas sim para melhorar a qualidade da carne de forma global, especialmente seus atributos sensoriais.

A utilização de cloretos é conhecida devido à melhora de algumas propriedades sensoriais, avaliadas através de painéis treinados. Porém, em alguns trabalhos citados, pode haver alterações negativas da marinação sobre a cor da carne, tornando-a mais escura e menos vermelha.

Consumidores podem diferenciar carnes mais macias e suculentas, quando injetado cloreto de cálcio. Esta prática poderia ser utilizada para melhorar a qualidade gustativa (em particular a maciez) da carne, já que os consumidores pagariam um preço adicional por produtos diferenciados.

Marinados contendo cálcio melhoram a maciez da carne, através da ativação do sistema proteolítico das calpaínas. O pré-congelamento melhora a maciez da carne, através da redução da atividade da calpastatina. Além disso, restaurantes poderiam utilizar produtos marinados contendo cálcio, pois se trata de uma técnica praticável a fim de aumentar os efeitos da maciez em carnes. Assim, a marinação de produtos cárneos, em especial aqueles com agentes aromatizantes, é uma prática efetiva na tentativa de melhorar a palatabilidade da carne cozida.

Trata-se, portanto, de outra ferramenta, que a indústria da carne disponibiliza, com a finalidade de agregar valor a cortes menos valorizados, diferenciando o produto final e criando dessa forma, novas oportunidades para os mercados. Cabe ao consumidor aceitá-la.

Referências Bibliográficas

BERGE, P. et al. Tenderization of beef by lactic acid injected at different times post mortem. Meat. Sci., v.57, p.347-357, 2001.

CARR, M.A.et al. Consumer acceptance of calcium choride-marinates top loin steaks. J.Anim.Sci., v.82, p.1471-1474, 2004.

GOLL, D.E. et al. Role of muscle proteinases in maintenance of muscle integrity and mass. J.Food Biochem., v.7, p.137-146, 1983.

HARADA, M.M. Efeito da desossa e da marinação sobre as características de processamento, físico-químicas e sensoriais do músculo Bíceps femoris. Piracicaba, SP. 2004. 78 f. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2004.

MILLER, M.F. et al. Retail consumer acceptance of beef tenderized with calcium chloride. J.Anim. Sci., v. 73, p. 2308-2314, 1995.

MILLER, M.F. et al. Consumer thresholds for establishing the value of beef tenderness. J.Anim. Sci., v. 79, p. 3062-3068, 2001.

ÖNENÇ, A.; SERDAROGLU, M.; ABDRAIMOV, K. Effect of various additives to marinating on some properties of cattle meat. Eur Food Res Technol., v.218, p.114-117, 2004.

SCANGA, J.A. .et al. Palatability of beef steaks marinated with solutions of calcium chloride, phosphate, and (or) beef-flavoring. Meat Sci., v.55, p.397-401, 2000.

SHEARD, P.R.; NUTE, G.R.; RICHARDSON, R,I. Injection of water and polyphosphate into pork to improve juiciness and tenderness after cooking . Meat. Sci., v.51, n.4, p.371-376, 1999.

XARGAYO, M.; LAGARES, J.; FERNÁNDEZ, E.; BORRELL, D.; JUNCÁ, G. Solution for improving meat texture. Influence of spray injection on the organoleptica and sensory characteristics. Fleischwirtschaft International, p.68-74, 2004.

WHIPPLE, G.; KOOHMARAIE, M. Freezing and Calcium Chloride Marination Effects on Beef Tenderness and Calpastatin Activity. J.Anim.Sci., v.70, p.3081-3085, 1992.

____________________________________________________________________
1Angélica Simone Cravo Pereira é pós-graduanda na FZEA/USP

Os comentários estão encerrados.

plugins premium WordPress