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Efeitos comparativos de alguns métodos de suspensão da carcaça na qualidade da carne

Muito da variação na qualidade gustativa da carne pode vir da maneira em que os músculos são tratados no início do rigor mortis. No interior dos músculos ocorrem mudanças no pH e na temperatura, que resultam em variação na contração muscular, estas transformações podem alterar a maciez da carne, tornando-a mais dura ou macia. Nesse sentido, a adoção de técnicas a fim de manter, ou ainda elevar os níveis de qualidade, em especial a maciez, tornam-se cada vez mais importantes.

Para o consumidor, a maciez é uma das mais importantes propriedades da carne.

Muito da variação na qualidade gustativa da carne pode vir da maneira em que os músculos (cortes individuais ou carcaça) são tratados no início do rigor mortis. Até este período, as carcaças são, em geral, consideradas um conjunto. No entanto, no interior dos músculos ocorrem mudanças no pH e na temperatura, que resultam em variação na contração muscular, proteólise, liberação de cálcio e desnaturação de proteínas. Estas transformações podem alterar a maciez da carne, tornando-a mais dura ou macia. Portanto, a obtenção de carcaças com características de qualidade desejável depende de um controle total desses fatores.

Nesse sentido, a adoção de técnicas a fim de manter, ou ainda elevar os níveis de qualidade, em especial a maciez, tornam-se cada vez mais importantes. Pesquisadores, desde a década de 60 têm verificado que as formas de suspender carcaças nas câmaras de resfriamento influenciavam a qualidade e a maciez de alguns músculos da carcaça (LOCKER, 1960; HOSTETLER et al., 1972; BOUTON et al., 1973 e HERRING et al., 1967).

De acordo com Locker (1960) e Herring et al. (1965), o método de suspender as carcaças durante o resfriamento altera os resultados de maciez de vários cortes cárneos. Carcaças suspensas exercem sobre os músculos tensão maior, resultando em carnes mais macias. Por outro lado, músculos submetidos a uma menor tensão tendem ser mais duros. Isso pode ocorrer devido ao encurtamento que esses músculos podem sofrer durante o estabelecimento do rigor mortis.

Locker (1960) observou também que o grau de contração em que os músculos iniciam o estado de rigor é muito variável entre os músculos, influenciando na qualidade final dos produtos cárneos. A contração do músculo é dependente da temperatura durante o rigor mortis, aproximadamente 15ºC no estado inicial. Porém, essa contração aumenta em temperaturas baixas (encurtamento das fibras pelo frio).

Posteriormente, Herring et al. (1967) estiraram o m. Semitendinosus aproximadamente 50% do seu comprimento normal. Esses autores observaram um aumento do comprimento do sarcômero (quanto maior o comprimento de sarcômero, mais macios os músculos), à medida que o m. Semitendinosus foi estirado e o sarcômero foi considerado duas vezes maior, como grau máximo, quando comparado à máxima contração desse músculo.

Em um trabalho de Hostetler et al. (1972) pendurou-se por cinco métodos cada meia carcaça e os lados suspensos (forame obturador) não resultaram em encurtamento dos músculos. Houve um aumento do comprimento do sarcômero no período pós-morte, com redução da força de cisalhamento, portanto, carnes mais macias foram observadas neste estudo.

Posteriormente, Hostetler et al. (1973) avaliaram a maciez (painel sensorial) de músculos de carcaças suspensas por vários métodos. Cada lado foi suspenso por um dos cinco métodos: pendura convencional pelo membro pélvico (vertical); posicionando um dos lados sobre uma mesa, com o lado da espinha dorsal para baixo, com os membros perpendiculares às vértebras (horizontal); suspensão da vértebra cervical com os membros ligados, com o membro pélvico perpendicular à vértebra (presos ao pescoço); suspensos pelo forame obturador com os membros livres (quadril livre) e suspensos pelo forame obturador, com os membros presos junto aos membros torácicos, perpendiculares à coluna vertebral (quadril amarrado).

Foi retirado cada um dos nove músculos e separados: Longissimus dorsi (LG), Semimembranosus (SM), Tríceps brachii (TB). O segundo grupo compreendeu seis músculos: Semitendinosus (ST), Aductor (AD), Gluteus medius, (GM) Psoas major (PM), Bíceps femoris (BF) e Rectus femoris (RF). Não foram verificadas diferenças na maciez entre os métodos testados para os músculos ST e BF.

Ao analisarem em dois músculos a combinação dos efeitos da suspensão pélvica e a temperatura de cozimento na textura da carne maturada, Eikelenboom et al. (1998), observaram uma contribuição do colágeno e dos componentes miofibrilares, na avaliação mecânica da maciez, tanto quanto, o efeito da suspensão pélvica foi dependente de músculos, temperatura de cozimento e aplicação do teste mecânico.

Também, Owens & Gardner (1999) relataram que posicionando a carcaça em diferentes posições, durante o resfriamento, alguns músculos permaneceram estirados e outros relaxados, sugerindo que àqueles estirados seriam mais macios em relação àqueles que foram mantidos relaxados.

Com o objetivo de comparar a suspensão pélvica das carcaças com o processo de maturação Bastien e Laspiere (2003) identificaram também, que os m. Rectus femuralis e Semitendinosus não foram afetados pelo método de suspensão da carcaça. Além disso, a suspensão pélvica, melhorou a maciez, no mesmo nível que a maturação por 9 dias, com a suspensão pelo tendão de Aquiles, para os m. Semimembranosus, Adductor e Gluteobíceps. Para o m. Longissimus dorsi e Gluteus medius esse efeito foi duas vezes mais importante. Além disso, a suspensão pélvica de carcaças, associada a uma semana de maturação dos cortes, resultou, neste trabalho, em um efeito na maciez de alguns músculos.

Um estudo investigando o efeito da suspensão pélvica e da suspensão pelo tendão de Aquiles na percepção sensorial e na maciez da carne de 4 diferentes músculos de carcaças bovinas estimuladas eletricamente foi realizado por Ahnström et al. (2003). Esses autores concluíram que a suspensão pélvica reduziu a força de cisalhamento em todos os músculos de machos inteiros (22-28 meses de idade). Desse modo, esses músculos apresentaram valores baixos de força de cisalhamento, quando foram comparados aos músculos das novilhas (24-28 meses de idade). Ainda, todos os músculos das novilhas estudadas apresentaram valores de força de cisalhamento (kg) equivalente ao m. Psoas Major (filé mignon) de bovinos inteiros, independente do método de suspensão utilizado.

Já, Luchiari et al. (2004), alternando os lados das carcaças resfriadas penduradas pelo tendão de Aquiles do traseiro especial (TA) ou pelo tendão do dianteiro (DA), de 40 novilhos Nelore, 30 meses, observaram que os lados pendurados pelo dianteiro apresentaram uma melhora na maciez do m. Longissiums (contra-filé), sem causar efeito indesejável no m. Bíceps femoris (picanha).

Recentemente, Mücke (2006) também alternou lados de carcaças de 10 bovinos Nelore, 36 meses. Os lados foram resfriados pelo sistema tradicional, tendão de Aquiles do traseiro especial (TA), ou na forma horizontal (HO). As carcaças foram resfriadas por 48 horas, entre 0-2ºC. Foi avaliada a área de olho de lombo (AOL) e espessura de gordura subcutânea (EGS). Em seguida, foram retiradas amostras dos músculos Longissimus – contra-filé (LD), Quadríceps femoris – patinho (QF), Supraspinatus – peixinho (SU), Psoas major – filé mignon (PM) e Semitendinosus- lagarto (ST), embaladas a vácuo, maturadas por 5 dias em câmara de resfriamento. A autora observou que não houve diferença entre a EGS e a AOL para o LD dos tratamentos TA e HO. Não houve diferença na maciez dos músculos SU, PM e ST, independente do tratamento. Porém, a força de cisalhamento do QF foi menor para o HO (5,13 kg) do que para o TA (6,24 kg). O mesmo foi observado para o músculo LD, com valores de força de cisalhamento de 6,38 kg para HO e 7,73 kg para TA. O LD e QF de carcaças mantidas na posição horizontal foram mais macios (Tabela 1).

Tabela 1 – Médias e erros-padrão da espessura de gordura subcutânea (EGS), área de olho de lombo (AOL) e força de cisalhamento do contra-filé (LD), patinho (QF), peixinho (SU), filé mignon (PM) e lagarto (ST)


Considerações finais

O método de suspensão pode melhorar a maciez da carne, especialmente de bovinos inteiros. De acordo com os trabalhos estudados, o método de pendura e posicionamento das carcaças nas câmaras frias pode melhorar a qualidade da carne, com atenção à maciez dos músculos.

É importante considerar a individualidade de cada músculo avaliado ao utilizar qualquer que seja o método de suspensão ou posicionamento de carcaças durante o resfriamento. Além disso, vale ressaltar o grau de tensão pelos quais os músculos são submetidos, durante esses processos, pois isso pode influenciar no encurtamento provocado pelo rigor mortis.

Sugere-se ainda, que o modo de posicionar ou suspender carcaças beneficia, segundo as pesquisas, alguns músculos e podem prejudicar outros, que permanecem relaxados e podem se contrair no início do rigor mortis.

Há necessidade de obter um ponto ideal para a utilização desses métodos, pois fatores como estresse pré-abate, estimulação elétrica da carcaça, podem alterar os resultados.

Finalmente, essas estratégias estão disponíveis para a indústria e para a realização de mais pesquisas na área, que será de grande valia para toda a cadeia.

Referências bibliográficas

AHNSTRÖM, M.L. et al. Effect of pelvic suspension on sensory and instrumental evaluation on four beef muscles in heifers and young bulls. In: 49th International Congress of Meat Sience amd Technology. Anais. Brasil, Campinas, 2003.

BASTIEN, D.; LASPIERE, P.T. Comparative effects of suspension and ageing on bovine meat quality. In: 49th International Congress of Meat Sience amd Technology. Anais. Brasil, Campinas, 2003.

BOUTON, P.E. et al. Influence of pH and fibre contraction state upon factors affecting the tenderness of bovine muscle. J. Food Sci., Chicago, v.38, p.404-407, 1973.

EIKELENBOOM, G. et al. Effect of Pelvic Suspension and Cooking Temperature on the Tenderness of Electrically Stimulated and Aged Beef, Assessed with Shear and Compression Tests. Meat Sci., Barking, v.49, p.89-99, 1998.

LOCKER, R.H. Degree of muscular contraction as a factor in tenderness of beef. Food Res., Chicago, v.25, p.304-307, 1960.

HOSTETLER, B.A. et al. Effect of carcass suspension method on sensory panel scores for some major bovine muscles. J. Food Sci., Chicago, v.38, p.264-267, 1973.

HOSTETLER,R.L. et al. Effect of carcass suspension on sarcomere lengh and shear force of some bovine muscles. J. Food Sci., v.37, p.132-135, 1972.

HERRING, K.K. et al. Tenderness and associated characteristics of stretched and contracted bovine muscles. J. Food Sci., Chicago, v.32, p.317-323, 1967.

LUCHIARI FILHO, A. et al. Hanging the Beef Carcass by the Forequarter to Improve Tenderness of the Longissimus Dorsi Muscle. In: ADSA-ASAS-PSA, 2004, Saint Louis-Missouri. Anais.Saint Louis, 2004.

MUCKE, D. Efeitos da posição da carcaça durante o resfriamento na qualidade da carne bovina. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, Universidade de São Paulo, Pirassununga, 2006.

OWENS, F.N.; GARDNER, B.A. Ruminant nutrition and meat quality: In: Of the Annual Reciprocal Meat Conference, Anais. v.52, p.25-36, 1999.

0 Comments

  1. Humberto de Freitas Tavares disse:

    Nossos cumprimentos à autora, por trazer à tona um assunto que deveria merecer a mais cuidadosa atenção da parte de nossas indústrias abatedoras.

    Explico por que: Um ponto que tem sido pouco divulgado é que (Shackelford et alii, 1995) a maior diferença de maciez entre a carne de taurinos e a de mestiços zebuínos é no contrafilé, justamente o corte em que tradicionalmente se fazem os estudos comparativos.

    Talvez seja este o motivo de, no Brasil, o contrafilé não ter a mesma preferência observada na Argentina ou nos EUA. E por quê o contrafilé foi escolhido, há muitos anos, como a base para medida de maciez? Porque, ao lado do filet mignon, este é considerado pelos mercados mais exigentes como o mais nobre dos cortes de carne bovina.

    Dos dez cortes analisados, Shackelford e colaboradores verificaram que cinco se mostraram mais duros (miolo da paleta, peixinho, coxão duro, patinho e contrafilé), enquanto outros cinco, no geral carnes mais nobres, não tiveram alteração significativa da maciez por efeito da mestiçagem com gado indiano (filé mignon, miolo da alcatra, lagarto, coxão mole e parte da paleta – a oyster blade).

    De tudo isso se conclui ser necessária uma reabilitação da imagem da carne do zebu. Tem-se aqui claramente um caso em que diversas assertivas corretas levam a uma conclusão que, embora falsa, é tida como verdade incontestável.

    As assertivas corretas são:

    – Boa parte da carne brasileira endurece por resfriamento excessivamente rápido.
    – A maior parte do rebanho brasileiro é zebu.
    – Alguns cortes do zebu são mais duros que os de seus mestiços.
    – Eu já comi carne muito dura.

    A conclusão falsa: Todos os cortes da carne de zebu são sempre mais duros que os de seus mestiços.

    Mas, voltando ao assunto da suspensão pélvica, são muito eloquentes os dados trazidos pela Dra. Angélica, relativos ao aumento da maciez do contrafilé e de diversos outros cortes.

    Custo: quase zero, bastando rever o projeto das câmaras frias e fazer a mudança do ponto de suspensao após a pesagem e lavagem da carcaça.

    Atenção frigoríficos exportadores: 80% da nossa carne provém do zebu puro, e do resto, 80 % tem meio-sangue zebu!

    (*) Shackelford, S. D., Wheeler, T. L. & Koohmaraie, M., Relationship Between Shear Force and Trained Sensory Panel Tenderness Ratings of 10 Major Muscles from Bos indicus and Bos taurus Cattle, J. Anim. Sci., 1995, vol. 73, pp. 3333-3340.

  2. Otavio Cabral Neto disse:

    Realmente algumas tecnologias podem ser utilizadas para melhorar a qualidade da carne bovina que chega ao consumidor, mas não é só o processo dentro do abatedouro/frigorífico que influencia para essa qualidade. Vários outros pontos de crivo existem para que essa ´´qualidade´´ possa acontecer. Dentre esses posso citar a genética, manejo pré-abate, a concentração das enzimas proteolíticas (digo calpaina e catepsina), e manejo e processamento da própria carne (resfriamento, maturação, congelamento), entre outros, onde o conjunto destes fatores vem gerar carne macia e de qualidade. O cuidado deve estar em todas as partes do fluxograma da carne bovina, lembrando que qualquer erro em qualquer ponto desse fluxograma compromete todo o sistema.

    Parabéns a autora por trazer assunto tão pertinente e que requer melhor discussão tendo em vista o quantitativo de recursos perdidos do ponto de vista do aumento da exportação ser travado pela baixa qualidade da carne produzida.

    Pensamento:”O Brasil já é suficiente em quantitativo, porém o qualitativo ainda peca e isso torna-se um entrave ao aumento da exportação brasileira!

    Abraço a todos

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