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DEPs: de que lado você está?

Receio que as DEPs tenham se transformado num mero instrumento de marketing. É como já tivesse se materializado o "monstro em potencial", do qual falava já em 2002 Wayne Vanderwert no seu artigo "How much performance?", publicado revista Beef Magazine. Sim, um monstro anda rondando, também sorrateiro, os atuais programas de melhoramento genético do gado de corte no Brasil.

Quando os programas de melhoramento genético de gado de corte começaram no Brasil, pesquisadores e associações de criadores organizaram simpósios e workshops para convencer os criadores a utilizar as Diferenças Esperadas na Progênie (DEPs) durante o processo de escolha dos touros para os seus respectivos esquemas de acasalamento. Desde então, alguns reprodutores passaram a ser evidenciados em publicações e sumários por apresentar boas DEPs para desempenho em crescimento.

Essa estratégia de comunicação foi eficaz e as DEPs se tornaram um instrumento decisório nos acasalamentos promovidos no Brasil. Fato este que se comprova ao olhar os anúncios e catálogos de leilões: as DEPs quase que obrigatoriamente estão ali expostas.

Agora, passado esse primeiro período de entusiasmo, receio que as DEPs tenham se transformado num mero instrumento de marketing. É como já tivesse se materializado o “monstro em potencial”, do qual falava já em 2002 Wayne Vanderwert no seu artigo “How much performance?”, publicado revista Beef Magazine. Sim, um monstro anda rondando, também sorrateiro, os atuais programas de melhoramento genético do gado de corte no Brasil.

Parece-me conveniente expor aqui, desde logo, uma advertência que não é apenas minha, já que também partilhada por outros criadores (não muitos, é verdade), que expressa a seguinte idéia: a seleção por um única diferença, no caso concreto a seleção por DEPs, pode ser perigosa. O risco está na possibilidade de essa ferramenta forçar o estabelecimento de um mesmo e único tipo de competição entre criadores de gado, a competição por “quantidade de números”.

Buscar o melhor desempenho em gado de corte é bom, isso não se discute. Mas o resultado “extremo” em desempenho pode acabar sendo ruim e insatisfatório. E mais, como adverte Vanderwert, o risco de perdas é maior quando a teoria que origina receitas de lucratividade encontra-se baseada em conceitos que ainda estão no meio do caminho. Nada de precipitações, portanto, até porque as ciências, inclusive a que gera as DEPs, estão calcadas em hipóteses que podem, por definição, ser revistas e até refutadas posteriormente.

Quem é criador sabe que o melhoramento genético está cheio de antagonismos. Em termos de seleção do gado de corte, por exemplo, promover um grande desempenho em crescimento pode significar também produzir um animal com um tipo biológico muito distante daquele que se pretende alcançar como eficiente produtor de carne, inclusive porque o animal de estrutura maior tende a ter um padrão de composição de maturidade mais lento. Noutras palavras, quando postos na balança, animais mais pesados (maiores) não são tão “gordos” quanto parecem ser.

Na realidade, era justamente nesse tipo de animal, o de maior porte, que os frigoríficos apostaram, tendendo a rejeitar o tipo compacto e gorducho do passado. Os pesquisadores, por sua vez, postulavam que o crescimento muscular era mais eficiente do que o acabamento precoce de gordura subcutânea, uma vez que, em sua concepção, o animal de maior estrutura cresceria mais depressa, tendo ganhos de peso mais rápidos.

No entanto, à medida que no Brasil os criadores de nelore selecionavam animais para maior estrutura e mais quilogramas, começamos a ver, nas provas de ganho de peso em confinamento (dados referentes, portanto, a animais testados com alta ingestão de energia), médias de ganho diário acima de 1.100 gramas, mas em tipos que apresentavam média de apenas 2 mm de gordura subcutânea na sua carcaça.

Cuidado, pois. Aqui no Brasil, depois do advento das DEPs, já é possível também constatar algo muito próximo do que Vanderwert relata em seu artigo:
1) o tamanho da vaca madura aumentou e, também, as exigências de manutenção;
2) as taxas de prenhez caíram (este recuo, aqui no Brasil, logo foi encoberto pelos protocolos para Inseminação Artificial em Tempo Fixo – IATF);
3) a circunferência escrotal passou a ser a base para se inculpar animal tardio em termos de reprodução; e
4) o livro de nutrição da recria a pasto teve de ser reescrito para que se pudesse conseguir o desenvolvimento da “precocidade sexual” das fêmeas em fase de reprodução.

Nos últimos tempos, como se não bastassem as DEPs já existentes, os programas de melhoramento iniciaram a publicação de uma série de novas categorias: DEPs para período de gestação, DEPs para prenhez da novilha, DEPs para permanência produtiva da vaca no rebanho… Tudo embalado como remédio para problemas que não tínhamos no passado. E, como as grandes e pesadas vacas sempre pareceram finas, acabaram desenvolvendo, também, uma pontuação para avaliar as condições de escore corporal desses animais. Daí pra frente, aumentamos cada vez mais os custos de produção de nossas matrizes.

Desde 1995, os pesos de carcaça têm subido firmemente. Precisamos, agora, tomar muito cuidado para não comprometer a qualidade da carcaça e, mais importante que tudo, para não pôr em risco a aceitação do nosso produto pelo consumidor. A falta de cuidado pode custar muito caro à cadeia da carne. Recentemente, em Goiânia, num restaurante especializado em carne, ouvi o maître dizer que ali só serviam picanha argentina porque, dessa forma, não recebiam reclamações dos clientes, já que, em relação aos cortes brasileiros (peças grandes), as queixas dos clientes eram freqüentes.

Vanderwert relata, em seu artigo, que alguns produtores de carne nos EUA, recuperando o bom senso, aumentaram o interesse por determinado tipo de cruzamento, mais particularmente pelo Angus. Isso também aconteceu no Brasil, onde presenciamos o incremento da venda de sêmen de Angus. E se também dermos uma olhada nos gráficos de tendências genéticas para o crescimento, verificaremos que os reprodutores da raça Angus têm alcançado as melhorias pretendidas, melhorias essas que apontam para o que é verdadeiramente necessário quando se deseja alcançar a liderança na aceitação de determinados cortes de carne pelos consumidores. Na realidade, esses criadores desistiram de investir no “tamanho dos touros” e partiram para melhorar a qualidade da carcaça. Vislumbraram um importante ponto de luz no mercado da carne: a aceitação do consumidor final.

Infelizmente, nós, criadores de nelore, estamos no meio da estrada. Ainda há quem insista em propalar os altos pesos. Mais e mais touros nelore se posicionam no topo da lista dos reprodutores que apresentam maiores índices, influenciados pelas altas DEPs para medidas de crescimento. E, cada vez mais, ganha reforço a tendência de uso de determinadas linhagens genéticas para maiores tamanhos em idade adulta.

No entanto, se observarmos os fatores de ajustamento de DEPs em função da reprodução de gado de corte, perceberemos que, no tocante aos touros colocados entre os de maior crescimento, “a fertilidade não é o que costumava ser”. Talvez por isso, novas sugestões de dieta para semi-confinamento pós-desmama passaram a ser apontadas como solução de vanguarda no manejo das fêmeas “precoces”.

É isso. Uma nova ameaça está nos rondando, a dos números. Números grandes impressionam. Mas, em termos de produção de genética eficiente, maior não é necessariamente o melhor. Basta lembrar que, para efeito de resfriamento das carcaças em frigoríficos, por exemplo, só se requer uma cobertura de gordura que as proteja, algo entre 3-5 mm, nada mais do que isso, no caso de um novilho jovem engordado a pasto.

É inegável que as características de importância econômica devem alcançar o seu ponto ótimo. Acontece que, se ficarmos apenas procurando os animais com características com desempenho situados nos extremos direito das “curvas de Gauss” (ex: top 0,1%), perderemos em fertilidade e teremos problemas com a qualidade. Além disso, reconheço que a avaliação genética e a tecnologia de ultrassom podem exercer um grande impacto na cadeia da carne. Mas vale lembrar advertência de Vanderwert: “quantificar um animal apenas em suas diversas diferenças individuais não será o suficiente para nos manter no negócio”.

Diante dessa ameaça dos números, precisamos ser também seletivos. Todos nós, produtores de genética e produtores de gado comercial, devemos estar preparados para ter acesso e nos beneficiar das mais sofisticadas análises de dados e dos mais eficientes arquivos de informação, procurando conhecer qualquer novo instrumento que nos habilite a refinar a produção, sempre mantendo o equilíbrio entre biologia e economia na produção de carne. Agindo assim, creio que estaremos, como disse Vanderwert, “mais centrados nos alvos de mercados específicos para o produto final”, pois – conforme ele previa – “a crescente influência das redes e alianças nos imporá essa direção”.

Enfim, para sermos competitivos e eficientes nesse segmento em que atuamos, precisamos sempre rever nossos parâmetros e admitir os antagonismos. Sem isso, não haverá como nos mantermos num negócio extremamente competitivo. Pode-se ser um produtor de genética que só sabe “jogar com números”. Pode-se também ir além, focando-se não em publicações, mas em resultados, isto é, procurar fazer uma seleção de animais funcionais. De que lado você está?

0 Comments

  1. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezado Roberto Trigo Pires de Mesquita,

    Agradeço o seu comentário.
    É bom saber que há outros criadores que entendem e compartilham dos mesmos objetivos.
    Um abraço,
    José Cavalcanti

  2. Marco Garcia de Souza disse:

    Olá José da Rocha,
    Parabéns pelo artigo.
    Escreve-lo na semana da Expogenética, é uma provocação? Espero que sim, pois só assim a evolução acontece. Através de opiniões divergentes e pessoas que não aceitam a verdade absoluta.
    O artigo poderia chegar nas mãos dos participantes da Expogenética, para ser discutido em público. Isso sim seria um melhoramento. Não só genético, mas também de pessoas, pois o debate é fundamental para evolução do ser humano.
    Mais uma vez parabéns pelo artigo.
    Abraços!

  3. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezado Marco Garcia de Souza,

    Agradeço o seu comentário, suas palavras e seu estímulo.
    Um abraço,
    José da Rocha

  4. Virgilio José Pacheco de Senna disse:

    Dr José Rocha

    Parabens pelo Artigo.
    A arte da Zootécnia é observar é ver o que o Animal nos apresenta.
    O tema do artigo sempre me faz pensar, a funcionalidade é tudo que buscamos.
    abraço

  5. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezado Virgilio José Pacheco de Senna.

    Agradeço sua mensagem.
    É bom saber que a funcionalidade está sendo valorizada.
    Um abraço,
    José Cavalcanti

  6. Bruno Januário Marinho de Menezes disse:

    Parabéns Dr José Rocha

    Compartilho com o sr o mesmo pensamento. Luto com meus parceiros para entenderem essa lógica tão bem explicada pelo sr.
    Meu muito obrigado pela contribuição no melhoramento da raça que tanto amamos.

  7. Roberto Carvalheiro disse:

    Parabéns Cavalcanti pelo excelente artigo!

    Também partilhamos da preocupação de que, em muitos casos, as DEPs (e agora também os marcadores) estão sendo usadas mais como instrumento de marketing do que de seleção.

    Felizmente, conhecemos inúmeros produtores que utilizam essa poderosa ferramenta de forma racional, para aumentar a eficiência, os lucros e a sustentabilidade do seu negócio, como é o caso no trabalho que o senhor conduz com o Nelore IRCA.

    Grande abraço,

    Roberto

  8. Roberto Moreira de Azambuja disse:

    Parabéns pelo artigo e sugiro que seja postado tambem no FarmPoint, pois nas devidas proporções ocorre a mesma situação.

  9. José Roberto Pires Weber disse:

    Prezado Dr. Cavalcanti:
    Parabéns pelo seu artigo. É realmente importante o seu alerta, embora me pareça que o maior problema não são as DEPs, mas sim a forma de utilização das mesmas.
    O selecionador, a meu juízo, e esta é a minha prática, não pode ficar escravizado apenas por números, mas sim usá-los de maneira inteligente, como mais uma ferramenta de trabalho. Há que considerar-se o fenótipo e especialmente o desejo do mercado. Enfim, não podemos ser fundamentalistas no uso das DEPs, embora elas na prática demonstrem corresponder à melhoria do rebanho. Assim, o principal é cada criador estabelecer seus parâmetros usando TODOS os meios disponíveis para atingi-los, sem se deixar dominar por nenhum deles.
    Finalmente, receba minhas homenagens por abordar um tema complexo, mas que talvez por isto mesmo, deva ser permanentemente discutido e contestado.
    Cordialmente,
    José Roberto Pires Weber
    Agropecuarista em Dom Pedrito, RS, selecionador de Angus e Presidente da Associação Nacional de Criadores, promotora do programa de avaliação genética Promebo, com 35 anos de trabalho.

  10. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezado José Roberto Pires Weber,

    Agradeço o seu comentário e fico contente em saber que minha inquietação em relação ao uso das DEPs encontra ressonância em outros criadores.

    Um abraço,
    José Cavalcanti

  11. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezado Roberto Moreira de Azambuja,

    Agradeço o seu comentário e fico contente de saber que o artigo incentiva a uma reflexão em criadores e técnicos de outras espécies.

    Um abraço,
    José Cavalcanti

  12. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezado Bruno Januário Marinho de Menezes,

    Agradeço o interesse pelo artigo. Sigamos trabalhando para o desenvolvimento de uma pecuária rentável no Brasil.
    Forte abraço.
    José Cavalcanti

  13. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Caro Roberto:

    Muito nos honra o seu apoio. Agradeço as suas observações. Esta é uma batalha difícil, mas muito importante: não perder o foco na produção de carne.
    Forte abraço,
    Cavalcanti

  14. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezado Adilson Rodrigues,

    Agradeço os seus comentários. É com alegria que percebemos que este importante assunto encontra ressonância em diversas áreas.

    Você tem razão ao apontar que a problemática está no mau uso das DEP´s. Nós criadores não queremos rejeitar nenhuma ferramenta que a ciência nos disponibiliza, mas é importante utilizá-las sem perder o foco do nosso negócio.

    Atenciosamente,
    José Cavalcanti

  15. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezado Víctor de Abreu Zamproni.
    Muito obrigado por seu comentário.
    Atenciosamente,
    José Cavalcanti

  16. rubens oliveira dias disse:

    Sr. José Rocha

    Parabenizo pelo artigo, o conteúdo e a coragem de alertar sobre o que está acontecento atualmente na pecuária de corte brasileira, e o que estamos construindo para o futuro.

    É oportuno levantar esta discussão a cerca do melhoramento genético do rebanho bovino de corte, para que outros aspectos sejam levados em considerações (avaliados), e com isso, podermos caminhar no sentido de alcançar produto de qualidade para participarmos desse mercado tão exigente e competitivo.

  17. Aluisio de Alencastro Filho disse:

    Otimo artigo.Eu estou do lado de usar a DEP como forma de seleção mais ainda do que isso selecionar animais funcionais , nao adianta ficar preocupado apanas com genetica com DEP se nao colocamos o animal funcional e produtivo.

  18. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezados Rubens e Aluisio,
    Agradeço o comentário de voces.
    Fico contente por saber que compartilham da necessidade de priorizar a funcionalidade na seleção de gado de corte.
    Atenciosamente,
    José Cavalcanti

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