Diante da falta de servidores para fiscalizar os 440 frigoríficos que exportam, obrigatoriedade prevista em lei, o Ministério da Agricultura editou um decreto no mês passado para permitir a contratação de médicos veterinários privados para atuar na inspeção ante e post mortem. A medida não pode entrar em vigor imediatamente no Serviço de Inspeção Federal (SIF), mas trata-se de um primeiro passo para a terceirização parcial de algumas tarefas.
Para que a medida possa valer nos abatedouros fiscalizados pelo SIF, o governo precisa criar, por meio de um projeto de lei, um Serviço Social Autônomo. Caberá a esse órgão contratar os auxiliares dos auditores fiscais agropecuários que, por sua vez, permanecerão como funcionários públicos contratados por concurso.
A meta do Ministério da Agricultura é admitir até 200 profissionais para suprir o déficit na fiscalização dos abatedouros. Ao Valor, o secretário de Defesa Agropecuária, José Guilherme Leal, disse que a medida dá uma condição mais dinâmica para o crescimento do setor produtivo de carnes. “Precisaria contratar em torno de 150 a 200 veterinários para se ter uma folga e reserva para abertura de novos turnos e empresas”, afirmou Leal. A medida agrada à indústria frigorífica brasileira.
Ao mesmo tempo, afirmou Leal, mantém o controle do Estado – mesmo que remoto – na verificação das análises ante e post mortem, já que o profissional na linha fará parte da equipe oficial e estará subordinado a um auditor fiscal federal agropecuário de carreira.
O Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) do Ministério da Agricultura está elaborando um regramento interno para a atividade. Segundo o secretário, o plano é continuar com ao menos um auditor presencialmente por abatedouro fiscalizados pelo SIF. Ele concordou, no entanto, que o trabalho poderá ser feito à distância. “Há atividades que, ainda que não diariamente, o auditor terá que ir à planta. Mas ele organizará seu tempo conforme a necessidade”, disse.
O Sindicato Nacional dos Auditores Federais Agropecuários (Anffa Sindical) é contra o decreto. A categoria entrou com uma ação na Justiça Federal para impedir a implementação das regras, classificadas como “quarteirização da inspeção”, e fez uma representação junto ao Ministério Público Federal (MPF).
Apesar da resistência dos fiscais, o Ministério da Agricultura já prepara um projeto de lei para enviar ao Congresso Nacional no qual cria o Serviço Social Autônomo responsável pela inspeção federal. A entidade, sem fins lucrativos, de direito privado e interesse público, submetida à auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), é o que daria o peso de vínculo oficial na relação com os veterinários privados, que seriam contratações feitas por processo seletivo e não via concurso.
Os custos do Serviço Social Autônomo, não revelados, serão pagos com orçamento federal, mas o ministério também deve colocar em prática ainda em 2020 uma proposta antiga, de estabelecer uma taxa de fiscalização a ser paga pelos estabelecimentos inspecionados para custear o aumento de equipe.
“O setor deve contribuir com parte desses custos, mas não vai ser tratado nesse [projeto de lei do Serviço Autônomo]. Será depois. Possivelmente ainda este ano”, contou Leal.
“A proposta é de um modelo híbrido. Uma conta com dinheiro público para o contrato de gestão entre o serviço e o ministério e uma com dinheiro recolhido junto ao setor privado para operar com os serviços e contratações”, acrescentou uma fonte próxima à discussão.
Outra proposta em análise pela ministra Tereza Cristina é fazer da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) o órgão responsável pela contratação dos veterinários, o que também demandaria mudança em lei. No curto prazo, a ideia é usar o modelo com a Anater para testar a adaptação do setor. “Se vingar, vamos ter pilotos com empresas, principalmente as que temos mais dificuldades de colocar auditores”, completou a fonte.
Com as mudanças no sistema de fiscalização, Estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo e Maranhão, que já adotam modelos específicos para contratação de veterinários, terão que aderir ao novo sistema federal para ter o reconhecimento ou equivalência do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi-POA), o que permite o comércio interestadual.
Nesses casos, o governo estadual credencia empresas ou cooperativas que podem fornecer profissionais para realizar a inspeção nos estabelecimentos de abate de animais e o pagamento é feito diretamente do frigorífico à empresa credenciada. O modelo é frequentemente questionado na Justiça por delegação indevida de função pública e terceirização ilícita, pois o profissional contratado não integra o serviço oficial de inspeção.
“Queremos um arranjo melhor. Se o modelo dos Estados fosse estendido por lei ao serviço federal teríamos prejuízos nas questões de mercado externo”, destacou Leal, que garante a aceitação dos clientes estrangeiros ao sistema agora proposto pelo governo federal.
No processo, o Ministério da Agricultura dará um prazo para que os Estados que mantêm o sistema no qual o frigorífico paga diretamente pelo fiscal alterem as regras. “Quem continuar não vai ter reconhecimento para adesão ao Sisbi e vai ter dificuldade de vender para fora do Estado”, disse Leal.
Para o diretor-presidente do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) e presidente do Fórum Nacional dos Executores de Sanidade Agropecuária (Fonesa), Mário Louzada, o decreto do Ministério da Agricultura promoverá aumento na produtividade dos frigoríficos, mantendo a segurança dos alimentos. Segundo ele, o governo estadual vai adequar as suas legislações para que a norma possa valer em todo território capixaba. Paraná e Santa Catarina também acenaram positivamente.
Atualmente, a inspeção ante e post mortem de animais é realizada pelos auditores fiscais federais agropecuários formados em medicina veterinária, além dos servidores temporários e os cedidos pelos governos dos Estados e municípios. São cerca de 870 deles em atuação nos 440 estabelecimentos de abate com SIF no país.
Fonte: Valor Econômico.