ICONE: construindo a economia verde brasileira
27 de junho de 2012
Atacado – 27/06/2012
27 de junho de 2012

Criando uma agenda positiva para a pecuária de corte

Por Miguel Cavalcanti, BeefPoint (beefpoint.com.br)

O movimento dos pecuaristas para se discutir a concentração do setor frigorífico, que incluiu manifestações, reuniões e eventos transmitidos pela TV está começando a surtir efeitos, positivos. Os primeiros movimentos de algumas entidades de pecuaristas chamaram a atenção para o assunto. Pode se criticar que pareciam estar “jogando para a torcida”, mas foi importante para um primeiro momento.

Agora vejo um amadurecimento das conversas e acredito que estamos começando um longa jornada, mas estamos no caminho certo.

O JBS recebeu no dia 4 de junho uma série de representantes de entidades ligadas a pecuária. O BeefPoint teve acesso ao documento apresentado na reunião e é animador ver a pauta do que foi discutido.

A conversa girou em torno de 6 pontos, visando criar uma agenda positiva na relação pecuarista e frigorífico. São elas:

1- como acabar com o problema rendimento e peso de carcaça?

2- como criar um sistema de tipificação de carcaças?

3- como acabar com os calotes dos frigoríficos?

4- vale a pena criar um fundo de marketing para a pecuária?

5- como abrir novos mercados para a carne brasileira?

6- vale a pena criar uma agência reguladora da cadeia da carne?

Eu acredito que todos os temas são relevantes, mas de importância diferente e nem todos precisam necessariamente passar por uma discussão pecuarista-frigorífico nesse primeiro momento. Os três primeiros pontos discutidos na reunião são os mais relevantes e urgentes, na minha opinião. Acredito que valha mais a pena focar nesses pontos inicialmente e não se perder em muitos temas.

A questão do rendimento e peso de carcaça é muito séria e antiga. Peso é básico e mostra como a confiança anda desgastada entre esses dois elos da cadeia. Além do peso de carcaça, é fundamental criar um padrão brasileiro de toalete, de limpeza de carcaça. Na viagem do BeefPoint a Austrália em maio desse ano, tomamos conhecimento de que lá existe um padrão nacional. Ou seja, qualquer pessoa tem uma base, uma baliza para comparar o que está sendo feito. Isso seria muito bom para o setor. Transparência, informação e padronização dão mais confiança e tranquilidade para todos.

Já conversei com o Prof. Pedro de Felício da Unicamp e Alexandre Raffi do Novilho Precoce MS publicamente pelo twitter sobre o tema. Ambos tem muito interesse em desenvolver esse trabalho. Além disso, tenho certeza que entidades como a Acrimat e o Prof. Roberto Roça da Unesp topariam entrar nesse projeto. Pela ata da reunião do JBS com pecuaristas em 04/junho, a empresa também estaria aberta a participar. Está na hora de darmos o primeiro passo e começarmos a fazer esse trabalho. O BeefPoint tem todo interesse de apoiar e divulgar maciçamente esse projeto, que vai ser um marco para a pecuária de corte nacional.

O segundo ponto, a criação de um sistema de tipificação de carcaças já foi amplamente discutido no BeefPoint. Realizamos inclusive um evento reunindo os 20 principais especialistas do Brasil para debater e trocar experiências. Há muita coisa boa já sendo feita, há muito interesse em fazer, em especial por pecuaristas de ponta. E agora, parece haver um interesse claro de um grande frigorífico em ajudar a tocar esse projeto.

A tipificação de carcaças vai nos ajudar simplesmente a aumentar a transparência. Será possível ver o que é bom e o que não é bom e separar de forma clara. Como disse Eduardo Pedroso do JBS em comentário no BeefPoint há poucos dias: “O maior motivador desta agenda é o fato de a demanda por qualidade, ser hoje, maior do que a oferta. Promover o diálogo na cadeia produtiva é a forma mais inteligente de construir e compartilhar resultados. A tipificação é apenas uma métrica para facilitar este diálogo (Pecuarista – Indústria – Consumidor)”.

Como há demanda por qualidade não atendida, há um estímulo real para a indústria promover a transparência, informar o padrão de gado quer comprar e até pagar mais por gado de maior qualidade. Tudo isso para poder atender um mercado que não consegue suprir hoje. E um mercado que paga mais, um mercado de maior lucratividade. Ou seja, mais uma vez, é o consumidor que está direcionando a produção pecuária brasileira. O que precisamos fazer é que essa “comunicação” entre consumidor e toda a cadeia seja mais rápida e eficiente. Hoje é muito longa e demorada, com isso perdemos tempo e oportunidades, enquanto outros setores, próximos como a carne de frango e mais distantes como o de celulares são mais rápidos em responder ao mercado, ao consumidor. E geram valor pela velocidade.

O terceiro ponto é o que causou mais trauma nos últimos anos aos pecuaristas. As diversas recuperações judiciais deixaram muita gente na mão. Desde 2009, mostro um slide “Só a Vista” nas minhas palestras. Isso tem causado um certo desconforto em muitas regiões e também tem evitado que algumas empresas contratem minha palestra. Mas eu preciso falar sobre um tema tão importante quando falo sobre mercado do boi e da carne. Meu argumento é simples: Qual empresa séria e organizada vende a prazo sem fazer análise de crédito? A resposta é óbvia: Nenhuma. Ou seja, se o pecuarista não tem capacidade de fazer uma excelente análise de crédito do frigorífico quando está vendendo um grande percentual de todo seu faturamento anual, a saída é vender apenas a vista ou vender a prazo com garantia real de recebimento.

Na reunião do dia 4 de junho, surgiu uma sugestão muito interessante, copiando um sistema americano que existe desde 1921. Todo frigorífico que compra mais de 500 mil dólares em gado por ano é obrigado, por lei, a contribuir para um fundo segurador do pecuarista. Esse dinheiro não pode ser incluído numa recuperação judicial e deve ser direcionado ao pagamento dos produtores. Ou seja, uma lei criou um seguro contra inadimplência. Como todos são obrigados a pagar, e o dinheiro é minimamente bem gerido, o valor cobrado por animal é baixo.

Os outros três pontos deveriam ser discutidos numa próxima etapa. Eu sou um grande entusiasta do marketing institucional da carne bovina, estudo isso há mais de 10 anos. Mas acredito que temos problemas, de marketing inclusive, antes de se criar um fundo como esse proposto. Na minha opinião, os dois grandes problemas atuais de marketing são: carne com gosto de fígado e abate clandestino.

O primeiro conseguiu gerar um receio muito grande junto aos consumidores de que a carne comprada terá sabor ruim, muito diferente do sabor esperado, do sabor de costume. Isso gera um descompasso enorme entre expectativa e realidade. A grande busca do marketing é criar expectativas e superá-las. Atualmente estamos entregando uma surpresa desagradável.

O segundo ponto fica claro quando você assiste o vídeo-denúncia do CQC sobre abate clandestino. Ao ver imagens tão negativas, será que a impressão geral sobre pecuária e sobre carne bovina não é afetada? Será que não vai gerar receio junto aos consumidores de que essa carne não é segura? Tenho certeza que sim, infelizmente. Me perguntaram o que achei do programa, minha resposta foi: “Ficou tão bem feito, que ficou ruim”. Temos um problema sério a resolver. O CQC não criou o problema, apenas trouxe a público o que muitas vezes queremos esquecer que existe. Ignorar um problema não o resolve, só aumenta.

Carne bovina é um alimento saudável, nobre e delicioso. Os dois problemas acima citados atacam diretamente todas essas premissas. O problema de marketing da pecuária atual é resolver esses dois pontos primeiro.

A questão da abertura de novos mercados passa, na minha opinião, por uma atuação mais intensa dos frigoríficos, MAPA e Itamarati nas negociações internacionais. Temos uma regra de rastreabilidade para UE diferente de outros países vizinhos. Em muitos casos, não temos uma imagem de alta credibilidade. Em problemas com a Rússia, a Austrália foi muito mais rápida e eficiente que o Brasil em resolver seus impasses. Acredito que não é a hora de envolver produtores nesse ponto, apesar de ser fundamental para aumentar a competitividade da carne brasileira.

O Brasil tem um cota Hilton muito menor do que a Argentina, mas não consegue nem atender esse minúscula cota. Pelo simples motivo de falta de coordenação entre produtores e frigoríficos.

Por último, a criação de uma agência reguladora, como acontece com a laranja e a cana seria muito interessante. Mas precisamos antes amadurecer e fortalecer mais nossas relações de confiança e também de governança do setor.

Acredito que seria mais prudente focar nos três primeiro pontos primeiros e trabalhar para que eles saiam do papel o quanto antes. Sou e continuo otimista em relação ao amadurecimento do setor, pecuaristas e frigoríficos, nessa relação de longo prazo. Os primeiros passos dessa longa jornada foram dados e estou vendo que os próximos vão ser muito positivos. A questão chave agora é transformar essas ideias e propostas em ações. O quanto antes tivermos resultados práticos, mesmo que pequenos, mais força esse movimento tomará. E essas ações são essenciais para modernizarmos nossa pecuária de corte.

 

Veja a apresentação da ata da reunião do JBS com diversas entidades de pecuaristas em 4 de junho de 2012.

 

11 Comments

  1. José Ricardo Skowronek Rezende disse:

    Também sou otimista com relação ao futuro da cadeia de carne bovina brasileira. E fico feliz em ver avanços na direção certa. Sei que é um trabalho longo, mas que gerará bons frutos.

    • Miguel da Rocha Cavalcanti disse:

      Olá José Ricardo, muito obrigado. Acredito que o principal agora é trabalhar duro para construir um novo caminho para a pecuária.
      Abs, Miguel

  2. Eduardo Krisztán Pedroso disse:

    Bom dia Miguel.

    Para apimentar toda esta importante reflexão setorial que é a proposta da agenda positiva, gostaria de trazer um importante tópico: Beta agonistas e Promotores de Crescimento.

    Nesta semana o MAPA aprovou o uso dos Beta adrenérgicos ou Beta Agonistas na pecuária de corte. Isto significa que teremos ainda nesta safra de confinamento, centenas de milhares de cabeças submetidas a este aditivo, o que promete incrementos relevantes de produtividade animal.

    Segundo o Dr Sérgio Bertelli Pflanzer Jr., Tese de Doutorado FEA, 2011, os efeitos práticos dos beta agonistas no desempenho, carcaça e carne são:

    Desempenho: melhora e eficiência alimentar, com aumento de ganho de peso diário, produzindo animais mais pesados e musculosos.

    Carcaça: aumenta o peso da carcaça, melhora rendimentos de carcaça e de desossa (Yield grade), aumenta AOL, diminui espessura de gordura e mármore (Quality grade).

    Carne: diminui gordura intramuscular, pouco efeito sobre a cor, suculência e sabor, entretanto diminui maciez com aumento da WBSF.
    Registro minha preocupação com relação à combinação que promete ser explosiva:

    Boi inteiro + raças predominantemente zebuínas + beta agonistas.

    De um lado, vantagens importantes de rendimento ao pecuarista e indústria (yield grade), mas, e a qualidade da carne? Além das alterações de sabor mencionadas em seu artigo (gosto de fígado) e cortes escuros (pH elevado pelo estresse dos animais inteiros, diga-se touros), agora a iminência de incrementos significativos na dureza da carne brasileira, que já é dura por sinal.

    Deixo uma pergunta: já que avançamos neste caminho (uso de aditivos) e o mercado europeu é o único que não permite beta agonistas (o que nos obrigará a segmentar a produção para Europa sem Beta agonistas de qualquer forma), será que não está na hora do tema: promotores de crescimento (implants) entrar em pauta da pecuária brasileira?

    A liberação do uso de promotores de crescimento (com protocolos devidamente respeitados) + beta agonistas, combinados, significam aproximadamente 20% de produtividade. Esta é a realidade da produção norte americano que acessa todos os mercados do mundo (IMPORTANTE: Nos Estados Unidos os machos são 100% castrados e peso médio de abate ao redor de 24-25@). A concorrência é desleal, pois na equação de valor da cadeia produtiva americana o ganho é exponencial: alto rendimento (yield) x volume (mais peso por carcaça) x qualidade (animais castrados e bem acabados) x preço (todos os mercados do mundo).

    Brasil – 209 milhões de cabeças (IBGE, 20120) e Produção de 9,7 milhões de ton. Eq. Carcaça.
    EUA – 95,3 milhões de cabeças (USDA, 2012) e Produção de 11 milhões de ton. Eq. Carcaça.

  3. Luis Antonio Paggiaro disse:

    Acredito que está no caminho certo, parabéns pela iniciativa, estes passos fazem parte de uma estruturação fundamental para quem pretende ser um fornecedor mundial de peso. Sucesso.

  4. Wanderley Kovalsky Moreira disse:

    Parabéns pelo trabalho.Realmente estes pontos focados são fundamentais.Este fundo a ser criado para proteger o produtor do calote tem que ser prioridade.Aqui no RS não tem nenhum produtor que , alguma vez não tenha levado ferro.Outro fator a ser discutido seriamente é o abigeato.Tenho sido vítima e a polícia nunca tem gente nem logística para resolver a questão.Isto está seriamente ligado ao abate clandestino.Abraços

  5. Fabiano Pagliarini Santos disse:

    Muito eloquente o texto, creio que temos que melhorar e muito e tem que se começar de algum lugar.

    E qual o ponto deve ser resolvido, não apreciado, creio que é a descentralização de plantas frigoríficas, que no primeiro estágio tudo é tranquilo, tipificação de carcaça, diferencial por qualidade, mas se ficar nas mãos de poucos isso vai por terra, o primeiro a cair é o diferencial de preço, volta a ser commodities.

    Veja exemplo de frango e suínos, produtores trabalhando com baixo ou nenhum lucro. Pois a concentração é muito grande e determinam o preço pago ao produtor, que não reflete no atacado e varejo.

  6. Luiz Antonio Lima Gonçalves disse:

    Me assusta ver o “Marketing” querendo resolver o problema da carne com gosto de fígado, acho que seria mais efetivo algum “Nutricionista Animal” cuidar do tema, caso contrário corremos o risco de vermos campanhas na TV dizendo que o gosto de fígado é correto e não ao contrário!!
    Quanto ao abate clandestino, gostaria de saber: quantas pessoas vão parar nos hospitais por comerem carne oriunda de abates: SIF, SIE, SIM, Goiabeira, etc.

  7. Anderson Polles disse:

    Prezado Miguel, parabéns, pontual e sucinto.

    Quando começou o surto de quebradeira em 2006, a análise de créditos que fazíamos para vender a prazo era puxar a “Capivara” do frigorífico no Sistema de Proteção ao Créditos “SPC”. A soma da dívida transformávamos em caminhões de bois e daí tomávamos a decisão de correr o risco ou não.
    Nunca tomamos calote em mais de 20 anos de negócio, vendendo para a praças de Araçatuba, Andradina, São José do Rio Preto, Presidente Prudente.
    Se me permite, fica a sugestão, classifica os inadimplentes ou melhor, Cadastra os BONS FRIGORÍFICOS PAGADORES.
    Quando apertar o cinto do Frigorífico por falta de dinheiro, faz o pagamento em ações.

    Abraço.

    P.S. Quanto ao CQC, o problema é respingar “M….” para quem tá limpo na história.

  8. José Ricardo Skowronek Rezende disse:

    Parabéns Eduardo pela coragem de abordar um tema bastante polêmico: o uso dos implantes hormonais em bovinos e suas consequências.

    Em primeiro lugar é importante afirmar que o uso de hormônios no Brasil é uma realidade na suinocultura e na avicultura. E que respeitados os protocolos o uso de implante é seguro para o consumidor.

    Creio que o avanço do boi inteiro na pecuária nacional é, em parte, decorrência da proibição do uso de implantes.

    Acho que há demanda para todo tipo de produto e portanto para segmentação. Já existem nichos no mercado interno que valorizam a qualidade, mas preços baixos ainda são a tônica.

    Quem quer animais capados e sem uso de implantes tem que pagar mais, pois o custo de produção da arroba é alto.

    Mas não faz sentido continuarmos abrindo mão do uso de implantes para produção de uma arroba mais econômica, enquanto os USA lançam mão do benefício.

    O que precisamos na bovinocultura é atender as exigências dos diferentes consumidores, como ocorre, por exemplo, na avicultura (Korin).

  9. Hudson Silveira disse:

    A iniciativa está perfeita, estão cobertos vários pontos agudos e olha-se para o consumidor tambem no processo, consumidor este que é o que tem o dinheiro para girar toda esta cadeia.
    Na minha opinião é um trabalho que pode durar anos para ter os seus resultados, mas tem que se inicar em algum momento. Tanto EUA e Australia, onde alguns modelos de relacionamento com produtores e consumidores, levaram decadas para construir o que são, temos uma vantagem hoje com relação a eles, onde a explosão dos meios de comunicação, interação e acessibilidade entre os elos da cadeia e o consumidor final ajudarão sem duvida e reduzir o prazo para obter os resultados. Parabéns e sucesso às pessoas que estão envolvidas neste processo.

    • Miguel da Rocha Cavalcanti disse:

      Olá Hudson, muito obrigado pelo comentário. Realmente é um início de um longo caminho e precisamos estar atentos as ações, ao que realmente vai sair disso tudo. Como disse nos dois últimos artigos, sou otimista de que estamos num caminho muito positivo. Abs, Miguel

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