Fala Carlão entrevista Rodrigo Bonilha Botelho: “Vamos mudar de posição, ter os números na mão”
2 de abril de 2018
Renomado cirurgião cardíaco, Dwight Lundell, fala sobre o que realmente causa doença cardíaca
2 de abril de 2018

Conflitos internos são a maior ameaça a empresas familiares – Por Renato Bernhoeft

As várias tentativas de blindagem, criação de “holding patrimonial”, testamento, antecipação da legítima, doação em vida, gestão não familiar, criação de governança corporativa, entre outros, tem grande utilidade e aplicação em grupos familiares. Mas nenhuma delas ataca, verdadeiramente as causas de conflitos em famílias empresárias. Elas são, em sua maioria, de origem cultural e emocional.

Com base em pesquisa da höft consultoria, nos seus 43 anos de atuação com famílias empresárias no Brasil e outros países da América Latina, cerca de 70% dos patrimônios familiares são destruídos, o que é um índice bastante elevado. O exame mais aprofundado das causas apresenta alguns pontos que merecem destaque em nossa realidade.

Em primeiro lugar, a maioria dos nossos empreendedores tem uma origem simples — muitos foram imigrantes que fugiram de situações extremamente adversas — e com forte dedicação ao trabalho. Preocupados em construir algo e em deixar um patrimônio aos seus descendentes, se tornaram pais ausentes, patriarcais e muito dogmáticos nas suas relações familiares. A consequência, em muitos casos, é uma relação de conflitos, e nem sempre geracionais.

Muitos, inclusive, se esforçaram para proporcionar aos filhos — do ponto de vista estritamente material — o que eles próprios não tiveram em sua infância ou adolescência. Mas essa conduta de acumulação não está, necessariamente, acompanhada de um preparo dos herdeiros para o gerenciamento do patrimônio que irão receber. A transferência de uma herança, sem o devido legado, termina provocando baixa identificação emocional com o que é herdado. Entenda-se por legado tudo aquilo que faz parte da construção do patrimônio na perspectiva histórica, dos valores e sacrifícios que foram necessários.

A maioria dos patriarcas preocupa-se em buscar soluções estruturadas, tanto do ponto de vista legal quanto tributário, para a transferência dos recursos. Mas não se permitem tempo, paciência e afeto na transmissão dos significados que impregnam aquilo que foi materialmente acumulado.

Outro ponto importante é a constatação de que nem todo empreendedor se torna um empresário. Entenda-se empresário como alguém que compreende suas conquistas numa perspectiva de continuidade através das novas gerações.

A relação do criador, ou empreendedor, com sua criatura, a empresa ou patrimônio, é de um caráter tão visceral que ele não imagina a criatura sem ele. Nessa condição, não consegue desprender-se dela, o que dificulta a inserção de seus descendentes no processo de sucessão e continuidade.

Tendo em vista que esse afastamento é provocado pelo receio da perda de poder, a única alternativa para as exceções que acompanhamos foram aquelas onde o empreendedor conseguiu encontrar novas fontes de preservação da auto-estima, por meio da substituição do poder.

Outro componente forte neste contexto é o despreparo dos cônjuges destes empreendedores para lidar com sua falta. Não estamos aqui falando de preparo para o gerenciamento dos negócios, mas do entendimento do seu papel em um contexto ambíguo de conflitos, onde a variável familiar tem grande importância. Especialmente quando a família desenvolveu uma cultura do “faz de conta” que está tudo bem, e vive uma integração hipócrita para iludir os pais, ou até mesmo a sociedade, de maneira geral.

Ou seja, os conflitos e divergências são omitidos, para “poupar” todos de algum posicionamento que não se ajuste às expectativas dos demais. Em muitas famílias a institucionalização de um coletivo forçado inibe o surgimento e realização da individualidade.

Merece também destaque estruturas familiares e patrimoniais que desenvolveram uma conduta de dependência financeira do patrimônio comum. Impede-se, sob varias formas, que a nova geração possa criar fontes alternativas de liquidez que sejam administradas à sua maneira.

Considerando que, no médio e longo prazo, os padrões de vida dos novos núcleos familiares inevitavelmente terão diferenças, a não-aceitação de lidar com as desigualdades pode criar uma postura de passividade na busca de soluções que não venham do principal negócio.

Este quadro de complexidade se amplia quando a maioria dos envolvidos olha a empresa da família como sua única alternativa de realização profissional.

Por fim, ainda muito distante de esgotar o assunto, surge a tentativa de procurar repetir nas novas gerações o modelo de sociedade/propriedade que norteou a primeira geração. Poucas famílias compreendem que a partir da segunda geração necessitam preparar para o papel de sócios um grupo de pessoas em que não houve a liberdade da escolha. Portanto, apesar de uma relação de irmandade ou entre primos, encarar-se como sócios é um fato novo que exige preparo, humildade e muita confiança mútua.

O grande desafio para a maioria das famílias empresárias não está no desconhecimento destas questões. É na resistência, ou incapacidade de lidar com estes temas na forma de diálogo. Seja para concluir que podem continuar juntos, ou para dividir e vender o patrimônio.

A maioria que sucumbiu a esses desafios não foi vendida, mas comprada por concorrentes ou investidores, sem nenhum envolvimento emocional. Fica aqui a provocação para que as famílias empresárias tratem este tema — idealmente, de forma preventiva.

Renato Bernhoeft é fundador e presidente do conselho de sócios da höft consultoria.

Fonte: Valor Econômico.

Os comentários estão encerrados.

plugins premium WordPress