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Comportamento de bovinos durante o manejo: interpretando os conceitos de temperamento e reatividade

Por Mateus J. R. Paranhos da Costa 1

Temperamento é um conceito antigo em psicologia, mas apenas recentemente passou a ser tratado como uma característica de interesse na produção de bovinos. Assim, nos últimos anos, pesquisadores e pecuaristas voltaram sua atenção para esta característica, avaliando-a através da análise do comportamento dos bovinos frente a situações rotineiras de manejo, geralmente assumindo que o temperamento seria definido como o conjunto de comportamentos dos animais em relação ao homem, geralmente atribuído ao medo (Fordyce e colaboradores, 1982).

Invariavelmente as tendências da apresentação de determinados comportamentos são descritas em termos de temperamento, sendo que nesse a medida de temperamento é comumente usada para distinguir um indivíduo de outro com relação a uma variedade de disposições primárias do comportamento, dentre elas agressividade, atividade e respostas emocionais (medo). Portanto, é um conceito bastante complexo, levando a várias conotações interessantes e diferentes definições por diferentes usuários.

Assumindo que temperamento é uma característica individual (proporcionando a oportunidade para comparação entre indivíduos) que é consistente em diferentes situações ao longo do tempo, assumimos também que pode envolver muitas características, muito diferentes entre si. Assim, do ponto da aplicação prática do conceito na avaliação de bovinos é provavelmente impossível encontrar uma definição única. Na verdade, o que parece acontecer na prática é que avaliamos os indivíduos considerando um ou alguns aspectos (de forma independente) de seu temperamento, medindo a tendência dele ser agressivo, ágil, atento, curioso, dócil, esperto, medroso, reativo, teimoso, tímido, etc. (ver Figura). Esta tendência é caracterizada quando um determinado animal apresentar determinados comportamentos de forma consistente (em termos de intensidade), por exemplo, ser pouco ou muito agressivo.

No contexto histórico da domesticação, as reações emocionais dos animais em relação ao homem, como a tendência de fuga ou de agressão, provavelmente desempenharam importante papel na definição daquele que seria domesticado. Após o processo de domesticação o homem continuou interessado em animais menos agressivos e mais fáceis de lidar, promovendo a seleção de indivíduos com as características mais desejáveis. Atualmente, essa é uma avaliação realizada com maior freqüência pelos vaqueiros, fruto de sua experiência na lida do dia a dia. Apesar da clara intenção de obter animais com tais características, não há muitos registros de como isso tem sido feito e, principalmente, de quais medidas têm sido utilizadas. Informações imprescindíveis a serem consideradas em programas de seleção.

As justificativas para nos preocuparmos com esta questão são várias, e todas elas partem da pressuposição de que esta característica, “temperamento”, contribui para a otimização do sistema de produção. Por exemplo, medo e ansiedade são estados emocionais indesejáveis nos animais domésticos, pois resultam em estresse e conseqüente redução no bem-estar dos animais. Trata-se portanto de uma característica com valor econômico, pois a lida com animais agressivos implicaria em maior estresse e em maiores custos em função de: (1) necessidades de maior número de vaqueiros bem treinados; (2) riscos com relação a segurança dos trabalhadores; (3) tempo despendido com o manejo dos animais; (4) necessidade de melhor infra-estrutura de manejo e maior manutenção; (5) lotes heterogêneos, dada a existência de animais com diferentes graus de susceptibilidade ao estresse do manejo; (6) perda de rendimento e de qualidade de carne devido à contusões e estresse no manejo pré-abate; (7) diminuição da eficiência na detecção de cio em sistemas que envolvam a utilização de inseminação artificial.

Nós freqüentemente classificamos os bovinos com base em algum aspecto de seu temperamento durante a coleta de dados, por exemplo: “um ferrão elétrico foi usado apenas em um animal teimoso” (Grandin, 1993). Este tipo de caracterização é muito comum entre pessoas que estão engajadas no manejo de bovinos. Assim, caracterizar e medir o “temperamento” são os desafios atuais, e necessitamos de uma metodologia que permita uma abordagem eficiente, segura e de fácil aplicação, para que possa ser generalizada no meio criatório.

A maioria das pesquisas sobre esta característica lança mão da aplicação de escores de “temperamento”, seguindo a definição de Fordyce e colaboradores (1982); medindo-se o grau de perturbação do animal quando submetido a uma determinada situação de manejo, por exemplo: quando um animal está sendo submetido à pesagem ou à contenção no tronco ou na seringa, nós podemos classificá-lo de acordo com suas reações (intensidade e freqüência de movimentos, respiração, vocalização, defecação, etc.). Nas escalas nominais os valores extremos representariam os animais mansos e os mais agressivos, respectivamente, com os níveis variados representados pelos valores intermediários da escala. Geralmente, na literatura encontramos escalas variando de 3 a 10 níveis de escore.

Outras abordagens utilizam variáveis contínuas, usualmente medindo-se a distância de fuga e/ou a velocidade com que os animais percorrem uma determinada distância, geralmente durante o manejo no brete ou na saída da balança. Em alguns casos estas medidas também podem ser classificadas, estabelecendo escores que englobam respostas similares.

Com estas informações em mente, iniciamos estudos para avaliar o “temperamento” de bovinos de corte, contando com a colaboração dos pesquisadores da Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho e da Fazenda Mundo Novo. Definimos 3 tipos de testes na medida do “temperamento”, quais sejam: (1) a distância de fuga (DF), realizada de forma rotineira na Fazenda Mundo Novo, medindo-se, através de escores (5 níveis), a reação do animal à aproximação do homem, que tentava tocá-lo, neste caso o escore mais alto designava o animal que se deixava tocar e o mais baixo o que atacava. A realização deste teste se dava em uma arena de forma circular com aproximadamente 8 m de diâmetro; (2) o escore na balança (EB), com a aplicação de escores aos animais submetidos ao manejo de pesagem (adaptado de Becker, 1996), baseando-se, principalmente, na movimentação dos animais na balança, definindo 3 e 5 níveis, EB3 e EB5 respectivamente, onde os maiores valores representavam os animais mais reativos; (3) a velocidade de fuga (VF), definida pelo tempo que os animais gastavam para percorrer uma distância de 2 metros, imediatamente após saírem da balança. Esta medida foi realizada através de um equipamento constituído de 2 células fotoelétricas. Ao passar pela primeira, esta detectava a presença do animal e acionava um cronômetro, que era interrompido quando o animal passava pela segunda, registrando assim o tempo que o animal levou para percorrer os 2 m que as separavam. Este método foi adaptado de Burrow e colaboradores (1988), por quem foi denominado de “Flight Speed”.

Num primeiro trabalho, foram estudadas 511 vacas pertencentes ao rebanho da Estação Experimental de Zootecnia de Sertãozinho, envolvendo animais das raças Nelore, Gir, Guzerá e Caracu. Nesta oportunidade adotamos os testes EB5 e VF. Os objetivos desse estudo foram: verificar a ocorrência de diferenças entre raças e entre indivíduos dentro de raça e detectar se haveria algum tipo de associação entre os testes.

Num outro estudo, realizado na Fazenda Mundo Novo, utilizamos os testes DF, EB3 e EB5 em animais da raça Nelore (n=169), que finalizam sua participação na prova de ganho de peso a pasto. Utilizando o coeficiente de correlação de Pearson, estudamos a associação entre as medidas de reatividade (EB3, EB5 e DF) e as seguintes medidas de desempenho: ganho de peso médio diário desde o nascimento até 550 dias (GPNF); ganho de peso médio diário durante prova de ganho de peso (GPP); peso final aos 550 dias (PF). Apesar de reconhecermos que a ferramenta estatística utilizada não foi a mais indicada, procedemos esta análise baseando-nos na pressuposição de que, embora as variáveis não tenham sido medidas de forma contínua, em termos biológicos elas se expressam desta forma.

No primeiro trabalho identificamos diferenças significativas entre raças e entre indivíduos dentro de raça para as duas medidas. Embora, de forma preliminar, esses resultados indicaram que há um controle genético nessas respostas, que poderia ser considerado em programas de seleção, dada a variabilidade individual dentro das raças. Pela estimativa de um coeficiente de correlação(teste de contingência de X2), encontramos uma associação significativa entre EB5 e VF (C= 0,39; p<0,001). Embora este resultado indique que as medidas foram associadas, a magnitude do valor de "C" também indica que elas não representam uma mesma característica. Isto nos levou a hipotetizar que a primeira medida (EB5) esteja mais relacionada com mansidão (definida como: a qualidade ou estado daquele que possui gênio brando, sereno) e a segunda (VF), mais relacionada com docilidade (definida como: a qualidade ou caráter daquele que aprende facilmente, que é facilmente conduzido). Sendo assim, a associação aqui reportada representaria apenas uma zona de sobreposição entre características diferentes. No segundo trabalho, encontramos correlações positivas e significativas de DF com GPNF e PF (r = 0,23 e 0,27; respectivamente); EB3 e EB5 foram altamente correlacionadas entre si (r = 0,88; P<0,01) e apresentaram correlações muito baixas e não significativas com as medidas de desempenho. Não houve correlação significativa de DF com EB3 e EB5 (r = - 0,17 e - 0,14, respectivamente), nem de DF com GPP (r = 0,09). A falta de correlação entre DF e GPP poderia ser explicada pelo aumento da competição entre os animais, em função da suplementação alimentar recebida no cocho no período da prova, supondo que os animais mais mansos ocupariam posições de submissão na ordem de dominância. Todavia, essa questão precisa ser melhor estudada, já que os dados sobre as relações entre a ordem de dominância e o temperamento são muito escassos, temos apenas o trabalho de Dickson e col. (1970), que não encontraram uma correlação entre essas características (r = - 0,05). Embora de forma preliminar, nossos resultados sugerem que DF é uma boa medida de mansidão (como definido acima) e que mansidão e desempenho são características positivamente associadas, desde que não haja condições que promovam a competição entre os animais por recursos alimentares. Já EB3, EB5 e VF não caracterizariam tão bem a mansidão dos animais, talvez por confundi-la com uma outra característica, a de docilidade. Com base nestes resultados, todas as medidas aqui consideradas representariam medidas de reatividade (definida como: a qualidade ou estado daquele que protesta, luta) e não caracterizariam o temperamento no seu sentido mais amplo, ou seja, como o conjunto de traços psicofisiológicos estáveis de um dado indivíduo, determinando suas reações emocionais. Numa tentativa de ilustrar a complexa relação entre as reações emocionais que caracterizariam o temperamento apresentamos a Figura 1, mostrando que a medida do temperamento é algo extremamente difícil, pois envolve muitas características, bem diferentes entre si, de forma que não fica claro quais são as fronteiras desse conceito. Isso não diminui o impacto das reações emocionais nas relações de um animal com o seu ambiente, mas dificulta muito a sua interpretação.

Enfim, há muito para ser feito para que possamos conhecer bem como se dão as reações emocionais dos animais domésticos e quais seus efeitos sobre o sistema produtivo; já temos indicações de que é possível modificar a intensidade dessas reações pela seleção, baseando-nos na própria história da domesticação e nos trabalhos de vários autores que encontraram valores moderados de herdabilidade (ver Tabela 1); podemos atuar também através do manejo, promovendo o amansamento dos animais através dos processos de habituação e de aprendizado associativo (condicionamento).

Tabela 1 – Coeficientes de herdabilidade para “temperamento” em algumas raças de bovinos

Figura 1 – Complexa relação entre as reações emocionais dos bovinos, caracterizando seu temperamento. O ponto de interrogação representa a falta de conhecimento.

Referências

Burrow, HM, Seifert, GW, Corbet, NJ (1988). Proceedings of the Australian Society of Animal Production, 17: 154 – 157.

Dickson, DP; Barr, GR; Johnson, LP; Wieckert, DA (1970). Journal of Dairy Science, 53(7): 904 – 907.

Fordyce, G; Goddard, ME; Seifert, GW (1982). Proceedings of Australian Society of Animal Production, 14: 329 – 332.

Fordyce, G; Howitt, CJ; Holroyd, RG; O´Rourke, PK; Entwistle, KW (1996). Australian Journal of Experimental Agriculture, 36: 9 – 17.

Grandin, T. (1993). Applied Animal Behaviour Science, 36:1-9.

Morris, CA; Cullen, NG; Kilgour, R; Bremner, KJ (1994). New Zealand Journal of Agricultural Research, 37: 167 – 175.

Paranhos da Costa, MJR, Piovesan, U, Cyrillo, JNSG, Razook, AG (2002). Proceedings of the 7th World Congress on Genetics Applied to Livestock Production.

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1 Depto. Zootecnia – FCAV-UNESP

0 Comments

  1. vanderlei teloken disse:

    Gostei muito do artigo e de seus pesquisadores.

    Trabalho com bovinos há mais de 30 anos e sempre gostei de avaliar docilidade, desempenho e felicidade nos animais.

    Defendo o seguinte ponto de vista: não existem animais violentos ou de reações estranhas o que existem sim são homens com atitudes indesejáveis mexendo com os animais com atitudes animalescas e retrógradas.

    “Os animais não pensam, não decidem, não programam nada. O máximo que podem é se condicionar àquilo que o homem decidir, bastando que se respeitem seus habitos comuns”.

    Confesso que gosto muito quando me disponibilizam um lote de novilhas Nelore criadas nos fundos de fazendas para poder dominá-las em 48hs de manejo sem nenhuma agressão tornando-as dóceis e obedientes para que possa levá-las passear a pé por onde quiser sendo seguido pelo rebanho.

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