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Como um “Big Mac” se torna sustentável?

Transformar qualquer cadeia de fornecimento em algo sustentável é um exercício confuso e demorado. Você precisa ter companhias em todos os pontos da cadeia fazendo coisas de forma diferente.

Deve haver prestação de contas e transparência, além de muita comunicação. Pode requerer novas tecnologias ou investimentos. Os fornecedores poderão precisar abandonar velhos hábitos em favor de novas mentalidades. Acima de tudo, isso requer mudanças por parte de todos.

sustentabilidade

O anúncio recente do McDonald’s de que planeja fornecer “carne bovina sustentável e verificável” nos próximos anos tem potencial para transformar mais de 60 milhões de toneladas de carne bovina produzida globalmente a cada ano para restaurantes, supermercados e processadores de alimentos.

Para isso, o McDonald’s,  junto com outros grandes consumidores de carne bovina, precisarão efetuar a mudança em uma indústria complexa, espalhada e cujas práticas e terminologia variam de região para região, mesmo de fazenda para fazenda. Isso não será fácil.

Para entender a complexidade disso, basta analisar a cadeia de valor de um hambúrguer típico do McDonald’s. Sua vida começa, como pode-se imaginar, na fazenda de criação de bovinos. Existem 4 a 5 milhões dessas fazendas em todo o mundo, que vão desde fazendas com poucas cabeças até algumas com milhares.

São cerca de 800.000 criadores de bovinos nos Estados Unidos, cerca da metade deles tendo sua carne terminando em um hambúrguer do McDonald’s. E existem pouco mais de 1,4 bilhão de cabeças de bovinos no mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Na fazenda, os animais comem pasto, feno ou outro volumoso. A partir daí, a história se diverge. Na América do Norte, quando eles estão com 8 a 12 meses de idade, a maioria dos animais de corte e touros são enviados para um dos mais de 7.000 confinamentos, onde são terminados.

Assim, durante seus últimos 90 a 100 dias, eles são colocados em uma dieta rica em amido e em energia, milho, por exemplo, ou uma mistura de cevada/sorgo, em adição ao pasto ou feno. A meta é aumentar seu peso e alcançar a categoria desejada, sendo estas categorias designadas pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), como choice e prime. No processo, o peso do animal típico aumenta entre 272 a 317,50 quilos para entre 498,95 a 680,40 quilos.

Cerca de 20% da carne bovina usada nos hambúrgueres do McDonald’s na América do Norte tomam uma rota diferente, começando como vacas leiteiras, variedades específicas criadas para produzir grandes volumes de leite. Com cerca de quatro anos de idade, as vacas leiteiras não produtivas são descartadas do rebanho e comercializadas para produção de carne. Enquanto os animais de corte terminam principalmente como cortes de alto valor  como bifes e assados, as vacas leiteiras terminam principalmente como carne moída. Sua carne é mais magra e é tipicamente misturada com retalhos de carne de animais de corte para se alcançar o teor de gordura e o sabor desejáveis.

Fora da América do Norte, a maioria dos bovinos é alimentada inteiramente a pasto, mais de 90% no Brasil e na Argentina, por exemplo. Porém, existem diferenças de país para país. Na Europa e na Nova Zelândia, por exemplo, os animais são criados principalmente para a produção de leite, e então são abatidos para produção de carne no final de sua produção leiteira. Na Austrália e no Brasil, os bovinos são criados principalmente para a produção de carne.

A carne, então, começa sua jornada até o mercado. Um novilho com peso médio de 590 quilos rende cerca de 310 quilos de cortes varejistas. Cerca de 60% disso é de assados e filés. O resto é transformado em carne moída, ensopado de carne, entre outros usos.

Nos abatedouros, parte da carne é cortada em filés e outros cortes, e então encaixotada e enviada diretamente às redes de supermercado, açougues e afins. Em outros casos, a carne vai para atacadistas ou distribuidores de alimentos que a vendem para mercados e restaurantes. Outras carnes terminam em processadores, parte dela termina como carne moída, que vem dos retalhos ao redor dos filés e assados. Para conseguir a mistura certa de carne magra com gordura, por exemplo, mistura de 80/20, os processadores tipicamente misturam os retalhos de vários animais.

“Existem centenas de milhares de pessoas no campo que têm um ou mais animais em um dado momento que, no final, encontrará seu caminho até uma cadeia de produtos de origem animal”, disse o vice-presidente de sistemas de qualidade do McDonald’s, Todd Bacon. “Nos Estados Unidos, você tem 800.000 operações de cria, onde tem vacas e touros. Eles estão criando sua prole e esses bezerros estão sendo produzidos para uma série de propostas diferentes, mas quase em todos os casos, esses bezerros mudarão de mãos. Então, se você avaliar a cadeia de valor, está longe de ser completamente verticalmente integrada sob um grupo de pessoas que têm interesses em comum ou uma companhia tendo operações verticalmente integradas”.

Então, como uma companhia como o McDonald’s impulsiona esse sistema complexo e retorcido em direção à sustentabilidade? Transformando a cadeia de fornecimento de carne bovina começando com o entendimento de onde todos os seus participantes se encaixam, para melhor ou para pior, na chamada “jornada de sustentabilidade”.

“Eu suspeito que a indústria de carne bovina, aqueles 800.000 pecuaristas, são mais ou menos como uma curva de distribuição normal (curva em forma de sino)”, disse a diretora de cadeia de fornecimento sustentável para as operações do McDonald’s nos Estados Unidos, Jessica Droste Yagan. “Há uma grande quantidade deles no meio que estão principalmente fazendo as coisas certas. Existem alguns que são excelentes e alguns que você quer eliminar. Um dos maiores desafios é validar onde todos estão hoje”.

A forma tradicional que as companhias usam para obter informações dos fornecedores, fazendo-os preencher questionários ou pesquisas, provavelmente não é eficiente, disse ela. “Fazer com que eles preencham a papelada, façam auditoria, seja o que for que precisamos para provar isso, é muito trabalhoso para que seja feito de forma eficiente. Quando se fala de produtores rurais e criadores, preencher papelada não é o motivo pelo qual eles estão no negócio”.

Além disso, o significado da palavra “sustentabilidade” varia por companhia e por país. Para alguns, diz respeito a segurança alimentar, rastreabilidade e qualidade. Para outros, é sobre emissões de poluentes no ar e na água ou eficiência de recursos. Ainda, outros focam em questões como bem-estar animal, desmatamento e bem-estar da comunidade. Isso significa que ter um consenso global de uma definição para “carne bovina sustentável” significa desenvolver padrões que funcionem para todos os vários membros em todo o mundo.

Para cumprir com o padrão, seja como for que ele acabe sendo,  será necessário que uma companhia como o McDonald’s envolva todos os elos da cadeia de fornecimento. “Se uma dessas partes não é sustentável, poderá impactar em nossa cadeia de fornecimento e queremos nos certificar de que isso não aconteça”, disse o diretor sênior, de compras globais e gerente da cadeia de fornecimento do McDonald’s, Gary Johnson. Ter a cadeia inteira de fornecimento de carne bovina envolvida será um grande feito.

Um grande desafio é a rastreabilidade, capacidade de rastrear em toda a cadeia de valor e à medida que ela se combina com outras carnes para criar os hambúrgueres terminados. Alguns países têm programas de identificação animal.

Uma vaca dentro da UE recebe um brinco de identificação e um número de identificação logo que nasce. Uma base de dados da UE rastreia a vaca durante sua vida. Isso não acontece nos Estados Unidos e em muitos outros países.

Dessa forma, é improvável que um dado lote de hambúrguer terá a rastreabilidade requerida para garantir que cada quilograma de carne vem de produtores ou processadores que cumprem os padrões GRSB.

Isso será especialmente verdadeiro no início do processo, poderá levar uma década antes que uma massa crítica de carne bovina sustentável certificada esteja no mercado. Então, se o McDonald’s não pode facilmente colocar um logotipo de sustentabilidade na caixa de seus hambúrgueres, precisa encontrar formas alternativas de contar sua história de carne bovina sustentável ao mercado.

Os certificados podem similarmente ser uma forma de recompensar as companhias que produzem carne bovina sustentável. Isso pode ser simples: uma produtor envia carne bovina produzida de forma sustentável ao mercado comum, mas obtém um certificado que é comercializável no mercado aberto para companhias que querem atestar que estão “comprando” carne bovina sustentável. Ninguém atualmente desenvolveu esse esquema, mas ele não está descartado.

Também é possível certificar ou recompensar de outra forma os produtores que podem validar independentemente que têm as melhores práticas ou estão cumprindo algum tipo de critério de sustentabilidade, sem realmente dizer, “esse hambúrguer veio de uma fazenda certificada”. Isso poderia permitir que companhias como o McDonald’s contem uma história de carne bovina sustentável sem necessariamente certificar cada hambúrguer.

“Esse poderia ser um cenário onde esse hambúrguer que eu como não necessariamente tenha vindo de uma fonte sustentável, mas você o cobriu de alguma forma”, disse Yagan do MC Donald’s.

Novamente, Yagan disse, pode não ser necessário pensar demais nisso. “Às vezes, as pessoas veem a parte da rastreabilidade como uma barreira. Eu acho que podemos fazer muito progresso mesmo sem isso”.

Uma meta importante é mostrar que as práticas de carne bovina sustentável são simplesmente mais lucrativas. “Nós sabemos inerentemente que se você é mais eficiente, isso pode significar que estão diminuindo seus insumos e dessa forma, você está fazendo mais dinheiro com o mesmo custo”, disse a diretora de sustentabilidade da cadeia de fornecimento mundial do McDonald’s, Michele Banik-Rake. Ela disse que o McDonald’s está financiando pesquisas e outros projetos para demonstrar isso.

Isso significa mergulhar profundamente na cadeia de fornecimento. “As pessoas que são realmente difíceis de trazer à bordo são os processadores sem nome e sem rosto de hambúrgueres e comerciantes de commodities, porque eles trabalham em margens realmente estreitas e se há algum premium na mesa, alguém tem que pagar por isso”, disse o vice-presidente sênior, de transformação de mercado do WWF, Jason Clay, que tem trabalhado com mais de uma dúzia de inciativas de transformação da cadeia de fornecimento, de salmão à soja.

“Ao invés disso, a questão do negócio para carne bovina sustentável deveria ser sobre aumentar a eficiência, o acesso ao mercado e a reputação, coisas que fazem companhias como o McDonald’s formar relações de longo prazo com fornecedores”, disse Clay.

Recompensar os líderes em sustentabilidade é somente parte da equação, disse Clay. É também importante ajudar os retardatários. “A ironia é que os produtores de base provavelmente produzem 50% dos impactos e somente 10% do produto. É mexendo na metade da base que obteremos ganhos de produtividade, ganhos de rendimento e reduziremos os impactos”.

“O McDonald’s está disposto a investir em carne bovina sustentável e demonstramos esse compromisso financiando projetos de campo de carne bovina sustentável. Nós vemos a carne bovina sustentável de forma similar aos nossos padrões de segurança: eles são um padrão que fazem parte de fazer o negócio, não um nicho, um programa premium”,  disse Bob Langert.

É possível ver exemplos de regiões que estão se tornando inteiras em termos de carne bovina sustentável. Veja a Irlanda, por exemplo, 61% de suas terras são de agricultura. Seus líderes se comprometeram que até o final de 2014, três quartos de todo o alimento e bebida exportados virão de fazendas e negócios que assinaram com o Origin Green, um programa voluntário de sustentabilidade do Governo.

Isso exige que as companhias de alimentos desenvolvam planos de sustentabilidade individual e que determinem metas claras em áreas como emissões, energia, dejetos, água e biodiversidade. A partir de 2016, 100% das exportações virão dessas companhias, de acordo com o Bord Bia, membro do Conselho de Alimentos da Irlanda. Em novembro, foi anunciada uma campanha de marketing de US$ 4,75 milhões para 2014 para promover a Irlanda como fonte de alimentos e bebidas produzidos de forma sustentável.

O McDonald’s tem trabalhado com fazendas na Irlanda e faz parte da Plataforma do Grupo de Trabalho de Carne Bovina que faz parte da Iniciativa de Agricultura Sustentável, com base em Bruxelas, em um esforço para desenvolver padrões de sustentabilidade na Europa. A companhia forneceu dinheiro para o Dawn Meats, um de seus principais fornecedores de carne bovina da Irlanda, para aprender princípios de sustentabilidade da “fazenda ao garfo”.

O dinheiro está sendo usado para comprar uma fazenda para criar bovinos, de forma que o processador de carne pode ter uma experiência em primeira mão de práticas de carne bovina sustentável, disse Banik-Rake. “E ao gerenciar a fazenda, eles deverão pagar pela mesma e estarão empregando todas as práticas de sustentabilidade da Plataforma SAI, bem como aquelas alinhadas aos princípios e critérios do GRSB”.

“Se você falar com o Departamento de Agricultura da Irlanda, eles estão determinados a ter carne bovina sustentável como uma grande parte do sistema de produção irlandês”, disse Langert. “Eles estão orgulhosos de sua carne bovina e têm muitas práticas integradas de sustentabilidade. Pode ser que eles estejam produzindo carne bovina sustentável hoje. Nós não sabemos. Não temos validação disso ainda”.

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Fonte: Artigo publicado no site GreenBiz.com, escrito por Joel Makower, empresário americano, escritor e estrategista em negócios sustentáveis, traduzido e adaptado pela Equipe BeefPoint.

1 Comment

  1. Jose Ricardo Skowronek Rezende disse:

    A preocupação com o impacto das ações de fornecedores sobre a imagem de empresas e marcas é crescente e não se restringe absolutamente ao setor alimentar.

    Lembram-se a alguns anos um escândalo mundial envolvendo trabalho infantil por fornecedores asiáticos da Nike? E do boicote que se seguiu aos seus produtos por consumidores que não queriam indiretamente contribuir para uma situação destas? O prejuízo fez a Nike rever contratos com fornecedores.

    Mas pq estas garantias contratuais não foram pensadas antes? Por desconhecimento da realidade da cadeia de fornecedores eleitos? Não acredito. Suponho que a prioridade na época era outra. Provavelmente era manter custos baixos. Só quando esta estratégia resultou em perda de vendas a direção da cia mudou de política.

    A matéria a respeito dos dilemas do McDonald’s é muito boa ao expor a complexidade de ajustes para elevar a “sustentabilidade” envolvendo todo a cadeia produtiva da carne. E mesmo ao expor a dificuldade de definir o que seja sustentabilidade, como aferi-la e assegura-la / certifica-la.

    Também concordo com a declaração que provavelmente a distribuição dos produtores em relação a “sustentabilidade” siga uma curva normal, com o grosso dos pecuaristas possuindo uma padrão razoável a bom.

    Só que se não houver movimento da cadeia em direção a melhorias os que estão aquém em relação a “sustentabilidade” desejada continuarão operando nos mesmos moldes e não evoluiremos. E em termos de gestão de risco de imagem de uma empresa como o McDonald’s é nota zero ter fornecedores, ainda que não sejam a maioria, que podem ser associados a praticas que o consumidor rejeita.

    A pergunta é então porque o McDonald’s ainda não incluiu em seus contratos com os fornecedores clausulas que garantam a “sustentabilidade” da operação? Não é por desconhecimento da realidade da cadeia, seja vista a matéria acima. Provavelmente ainda não incluiu pela mesma razão da Nike no passado. Porque esta preocupado com os custos e ainda não esta disposto a pagar por estas garantias.

    Concordo que a implantação de processos que garantam esta sustentabilidade da cadeia serão graduais. E passarão inevitavelmente pela rastreabilidade dos animais. Em uma atividade onde um mesmo animal passa ao longo da vida por duas ou mais propriedades é impossível garantias sem estes controles. Esqueçam soluções que “vendam” facilidades.

    Mas se os ajustes são complexos e queremos avançar o que precisamos é começar logo. E o começo passa pela definição e divulgação pública de metas de compras crescentes (cronograma) de carne com as garantias desejadas, bem como pela instituição de incentivos financeiros ou comerciais as praticas desejadas. É assim que o McDonald’s enviará sinais positivos aos consumidores, a sociedade civil em geral, aos frigoríficos e estes aos pecuaristas. E que espero estejam de fato sendo incorporados a sua nova politica.

    Só não é honesto pensarmos que bancando uma fazenda piloto o McDonald’s encontrará a solução mágica.

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