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Como o “hambúrguer do futuro” passou de herói a vilão da cozinha?

Besuntado de maionese e espremido entre fatias de pão, o futuro chegou ao Brasil em meados de julho deste ano. O slogan era promissor: tornar os frigoríficos obsoletos. A novidade, um “hambúrguer de planta”, unia tecnologia e sustentabilidade, como fizeram recentemente empresas como as californianas Impossible Foods e Beyond Meat, que desde 2011 e 2013, respectivamente, têm lançado “carnes” à base de vegetais com sabor, aroma e textura idênticos aos originais, e alcançando até mesmo grandes redes de fast food.

“[É] Uma bosta ultraprocessada oportunista no momento de maior confusão alimentar da história”, sentenciou a chef Paola Carosella.

Como se estivesse diante de uma iguaria apresentada no programa Masterchef, da Band, a argentina declarou em suas redes que aquele produto não era hambúrguer, não tinha gosto de carne nem tinha textura de carne. “O que é óbvio, pois não é carne. Gorduroso, pastoso, desagradável.”

A chef e apresentadora Rita Lobo também entrou no debate:

As declarações caíram como uma bomba e muitos interpretaram como um ataque ao veganismo —ou àquela crescente parcela da população que se preocupa com o brutal impacto ambiental da pecuária. Não foi isso que ela fez, mas a polêmica rendeu. Ao Tilt, ela comentou:

“Achei interessante a proposta de um hambúrguer de planta e quando fui ler os ingredientes, que são listados pela ordem de maior quantidade dentro do preparo, tinha soja, milho e metilcelulose, que é um derivado de papel [nota: a metilcelulose deriva da celulose e nem todas as carnes vegetais levam o componente]. A minha frustração é que, pelo nome, hambúrguer do futuro, vamos então comer só soja, milho e papel e irão nos vender isso como planta? De jeito nenhum sou contra o veganismo. Isso foi uma má interpretação. Eu sou super a favor e inclusive como pouquíssima carne”, afirmou.

De herói do meio ambiente, o “hambúrguer do futuro” virou, assim, o vilão da alimentação? Não necessariamente.

O “hambúrguer do futuro” é uma aposta da indústria alimentícia na busca por um alimento que simule o sabor da carne, inclusive “sangrando”, sem sacrificar animais. A invenção, já chamada de “hambúrguer do Vale do Silício”, foi lançada originalmente como uma alternativa produzida a partir da proteína de trigo —com glúten, portanto.

Seu criador, o professor de bioquímica da Universidade de Stanford Patrick Brown apresentou a versão 2.0 da “carne”, desta vez à base de soja —e de óleo de coco, de girassol e proteína de batata—, em janeiro de 2019 na feira de tecnologia CES.

O local escolhido fazia muito sentido. Brown define a comida como “a maior tecnologia existente” há pelo menos 10 mil anos, quando a civilização deu um salto com as invenções do fogo e da agricultura.

O “busílis” de sua invenção é uma molécula rica em ferro, presente no trigo e na soja, chamada “hemes”. Essa molécula, que é a grande responsável pelo gosto de carne quando vai ao fogo, pode ser inserida e fermentada em laboratório por uma equipe de engenharia genética.

Localizada em Redwood City, no Vale do Silício, a fábrica da Impossible Foods é capaz de gerar 900 toneladas de alimento por mês. Esses produtos têm a vantagem de exigirem menos água, menos área de pastagem e gerarem menos gases na atmosfera.

Há variações no mercado. O “Beyond Meat”, por exemplo, usa suco de beterraba e extrato de maçã no lugar da “heme” para obter a cara rosa e suculenta de um hambúrguer de carne moída. As manchas de gordura são construídas à base de óleo de coco e manteiga de cacau, que derretem no hambúrguer quando grelhado e misturam-se às proteínas de feijão e ervilha, que garantir fibras e proteínas.

Se o meio ambiente agradece, o mesmo não se pode dizer do aparelho digestivo.

Baixa qualidade nutricional, e daí?

Daniela Neri, nutricionista do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da USP, afirma que o hambúrguer vegetal é uma “opção maravilhosa para uma refeição informal e saudável quando feito com alimentos de verdade”. O público que que evitar a carne pode optar por versões mais saudáveis. No Brasil, há, inclusive, “carne” de caju, como na música de Alceu Valença.

“Existem muitas receitas de hambúrguer vegetal muito gostosas, baseadas em feijão, lentilha, beterraba, batata doce, cogumelos e temperos ricos que proporcionam sabor. Todo mundo quer sabor. Basta que sejam feitos em casa ou em um restaurante que tenha uma cozinha de verdade”, diz.

Mas, sabemos, a “carne do futuro” não foi pensada para quem é vegetariano.

“Foi feita com o intuito de atingir quem ainda come carne, que ainda tem um receio quanto a sabor”, lembra a nutricionista Marina Ossick, especialista em nutrição pediátrica e materna. Ela vê esses alimentos como parte de um processo de mudança em relação ao consumo de carne, então entende que ele é válido em “ocasiões especiais”.

“Vale para um churrasco, para quem quer tentar trocar. Mas é um produto ultraprocessado. Não é alimento para ser consumido diariamente”, afirma.

Tadeo Furtado, sócio de um restaurante com pegada vegana em Curitiba, diz haver “uma linha bem fina entre carnes falsas horríveis e substitutos interessantes”. Ele cita o glúten com fumaça líquida como um substituto interessante para a textura de embutidos gelatinosos, como o paio, por exemplo. “Se a pessoa não é expert em comida, come uma feijoada vegana feliz da vida.”

“Eu gosto da ideia de nuggets, salsichas, hambúrgueres e afins terem suas releituras veganas. Existe açougue vegano que faz linguiças de glúten, e é absurdamente parecido. O problema do futuro burguer que a Paola critica é que ele tenta imitar mesmo uma carne, na textura e no sangue, e para isso usa muitos artifícios químicos. Chega a ter cheiro de miojo”, diz.

Furtado aponta ainda uma falta de lógica de quem quer atingir a um público mais consciente dos impactos ambientais e dos efeitos da alimentação na saúde. “Quando alguém fabrica um hambúrguer vegano com itens desconhecidos ou artificiais, só para imitar gosto, textura e aparência de carne, vai na contramão de tudo isso.”

Mas, por outro lado, tais alimentos podem servir para atrair novos adeptos do veganismo. “Não é diferente a maioria dos lanches. Um exemplo são aqueles cachorro quentes prensados, comuns no Sul e Sudeste. É uma bomba de carboidrato, gordura processada, sódio e açúcar e ninguém fala nada. Aí o vegano faz um produto ruim, e os chefs caem em cima”, diz.

O importante é prestar atenção ao rótulo

Neri afirma que o consumidor precisa saber o que tem nos alimentos embalados para fazer escolhas alimentares mais saudáveis. Alimentos ultraprocessados, explica, são nutricionalmente desbalanceados —leia-se: mais calorias, gordura e açúcar simples e menos proteínas, fibras, vitaminas e minerais.

“Eles são desenhados para serem consumidos em grandes quantidades. São hiperpalatáveis, por isso poucas pessoas os rejeitam”, ressalta Neri. “Por sua aparência e pela propaganda agressiva, podem ser vistos como alimento saudável e assim substituir alimentos que são de fato saudáveis. Hambúrgueres vegetarianos prontos para consumo contêm isolado de proteína de ervilha, amido de milho modificado, gordura, sal e muitos aditivos que conferem sabor, cor e textura. Eles não têm como base um alimento e conseguem enganar os olhos, o olfato e o paladar. Ou seja, são produtos ultraprocessados.”

Pela baixa qualidade nutricional, presença de aditivos e pelo estímulo ao alto consumo, estudos mostram que alimentos assim estão associados a muitos problemas de saúde, que inclusive pode levar à morte: ganho de peso excessivo, obesidade, alteração de colesterol, pressão alta, infarto, câncer total e de mama, e mortalidade.

Ela lembra que as pessoas preocupadas com o impacto ambiental daquilo que comem também estão mais sensíveis aos apelos de uma alimentação saudável.

“Há muitas razões para diminuir o consumo de carnes. Porém, essas alternativas não são mais saudáveis do que os hambúrgueres de carne. Tampouco há vantagens em trocar os produtos ultraprocessados à base de carne reconstituída, como nuggets, salsicha, hambúrguer e outros, pelo hambúrguer ultraprocessado sem carne. Ambos são ruins para a saúde.

Fonte: UOL.

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