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Com liquidez em baixa, contrato futuro de boi será remodelado na B3

No maior exportador de carne bovina do planeta, o mercado futuro de boi gordo está em apuros. Desde a crise de 2008, os negócios não param de encolher, desagradando a pecuaristas, corretoras, fundos de investimentos e consultores. O mercado futuro, que já chegou a movimentar quase R$ 50 bilhões por ano no auge, diminuiu para menos de R$ 15 bilhões, afastando investidores devido à liquidez cada vez menor.

“Desse jeito, o mercado está fadado a acabar”, diz o executivo de um dos maiores frigoríficos do país. Nos últimos meses, porém, um grupo de pecuaristas e investidores passou a pressionar a B3 por mudanças.

A bolsa paulista é vista pelos críticos como uma das responsáveis pela pasmaceira. A forma como o preço do gado é calculado é o principal problema, e pecuaristas reclamam da demora da bolsa em implementar as mudanças no indicador de preço que baliza os contratos futuros de boi gordo.

Se nada mudar, criticam representantes desse grupo, o setor pode perder uma oportunidade para resgatar o mercado futuro de boi. A avaliação é que, dada a disrupção na oferta global de carne provocada pela peste suína africana na China, um número maior de fundos estaria propenso a montar posições no mercado futuro e, assim, aumentar a exposição à pecuária.

O ambiente brasileiro também seria favorável para o investimento em ativos de maior risco, como é o caso dos contratos de boi gordo, devido à queda da taxa de juros. Por fim, o aparecimento de fintechs que apostam em pecuária também indica o potencial de resgate do mercado futuro do boi gordo, de acordo com uma fonte que participa das discussões com a bolsa.

“Há um total desinteresse da B3. Para eles, é uma coisa pequena, que dá trabalho”, critica o pecuarista Pedro de Camargo Neto, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Segundo ele, a bolsa está discutindo mudanças no indicador de preços e a tendência é que as alterações sejam positivas. Mas a demora o inquieta.

Nas redes sociais, o tom das críticas à B3 nem sempre é amistoso. No Twitter, um conhecido participante dos fóruns de debate sobre a pecuária disse, não sem ironia, que o indicador de preços finalmente foi padronizado. “Consegue errar todos os dias”, afirma.

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Ao Valor, o consultor Gustavo Figueiredo, da AgroAgility, diz que a metodologia utilizada para captar os preços do animal abre espaço para distorções de preços às vezes superior a R$ 5 por arroba – ontem, o indicador Esalq/B3 estava em R$ 154,20 por arroba. “Há uma percepção generalizada de que o indicador não tem refletido de forma fiel a realidade de preços do mercado físico”, concordou o sócio-diretor da Radar Investimentos e agente autônomo vinculado à corretora Nécton, Leandro Bovo.

Sob a responsabilidade do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), que é ligado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), o indicador Esalq/B3 para as cotações do boi gordo no mercado de São Paulo não pondera os preços – recebidos de frigoríficos e pecuaristas – pelo volume de gado.

Na prática, um lote de 50 cabeças de gado pode influenciar mais o indicador do que um lote de 100 animais caso o contribuinte (um abatedouro, por exemplo) tenha mais peso no indicador, criticou Figueiredo.

Essa possibilidade abre espaço para que alguns frigoríficos forneçam ao Cepea apenas os negócios que os interessem, pressionando as cotações. Em uma indústria mais concentrada, isso passa a ser um risco maior. Para os pecuaristas, a falta de confiança no indicador não limita apenas os negócio no mercado futuro, mas aumenta o risco das vendas de contratos de médio prazo feito com os frigoríficos, muitas vezes atrelado aos preços do Cepea.

Ao longo dos últimos anos, o número de negócios de boi captados pelo Cepea para formar o indicador caiu drasticamente. Levantamento feito para fomentar as discussões com a B3 mostrou que, entre 2010 e 2015, as amostras tinham, em média, 50 observações diárias. Em 2018, caiu para 20 observações.

Procurado, o Cepea informou que a redução das observações faz parte do processo de controle das informações prestadas. “Para reverter essa tendência, seria necessário que os agentes que julguem importante a existência do indicador se empenhassem em relatar e documentar seus negócios”, sustentou o Cepea. Em nota, o centro de estudos informou que discorda das avaliações de que o indicador se tornou obsoleto.

Ao Valor, o diretor de produtos de balcão, commodities e novos negócios da B3, Fabio Zenaro, reconhece que a falta de liquidez do mercado futuro de boi gordo é um problema. Em julho, havia 20,3 mil contratos em aberto de boi gordo na B3. Trata-se de um número maior do que os 11,3 mil registrados no mesmo período do ano passado, mas bastante inferior aos 67 mil de julho de 2008. O movimento financeiro, no entanto, caiu 19% nos últimos doze meses, de R$ 1 bilhão para apenas R$ 809 milhões.

De acordo com Zenaro, a bolsa vem atuando para corrigir a metodologia. Ele afirma entender a ansiedade dos pecuaristas, mas ressaltou que uma mudança como essa não é feita de uma hora para outra. Para entrar em vigor, a nova metodologia precisa passar pelo crivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

De qualquer forma, acrescenta ele, a B3 já testou a nova metodologia e, entre as mudanças, o Cepea passará a ponderar o indicador pelo volume de bois e também incluirá na amostra os frigoríficos que são inspecionados pelo Estado de São Paulo, e não apenas pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF).

A intenção é que, com isso, a amostra aumente, tornando o indicador mais próximo da realidade. Questionado pela reportagem, Zenaro não quis estimar uma data exata para a entrada em vigor do novo indicador, mas afirma que ela se dará ainda no “curto prazo”.

Para Bovo, da Radar Investimentos, a cautela da B3 é compreensível. “O objetivo de todos é comum. O mercado fica um pouco ressentido da velocidade da mudança não estar sendo a que todo mundo desejava, mas a gente sabe que a bolsa é extremamente conservadora em qualquer mudanças. É da natureza dela, e não é errado que seja assim”, acrescenta.

Fonte: Valor Econômico.

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