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Cigarrinha em capim marandu: a culpa é a monocultura

Por Moacyr B. Dias-Filho1

Nos últimos anos, mas principalmente a partir de 2004, tem aumentado a incidência de casos de ataques severos de cigarrinhas em pastagens de capim-marandu ou capim-braquiarão (Brachiaria brizantha cv. Marandu). O problema tem sido particularmente preocupante no norte dos estados do Mato Grosso e Tocantins, ao sul do estado do Pará e no estado de Rondônia.

Desde o seu lançamento no mercado, em 1983, o capim-marandu mostrou ser um capim praticamente livre de problemas com pragas ou doenças que pudessem limitar a sua produtividade.

De fato, vários estudos e observações de campo indicavam que o capim-marandu seria resistente às diversas espécies de cigarrinhas típicas de áreas de pastagens no Brasil. Portanto, os recentes relatos de ataques de cigarrinhas às pastagens de capim-marandu têm sido vistos com certa surpresa por muitos produtores, técnicos e pesquisadores.

Segundo o pesquisador José Raul Valério da Embrapa Gado de Corte, o que estaria provocando essa onda de danos às pastagens de capim-marandu, seria um gênero de cigarrinha (Mahanarva) que normalmente não atacaria pastagens e sim gramíneas de maior porte, como a cana-de-açúcar e o capim-elefante.

A hipótese para essa súbita mudança de comportamento seria que, em virtude do crescente aumento da área plantada de capim-marandu, as espécies de cigarrinhas típicas de pastagens, mas que não seriam muito bem adaptadas ao capim-marandu, estariam sofrendo grande redução populacional.

Essa redução abriria espaço para a proliferação de cigarrinhas menos comuns em pastagens, como as do gênero Mahanarva, que aparentemente se adaptariam melhor ao capim-marandu. Com o grande aumento populacional desse gênero de cigarrinha, os danos às pastagens de capim-marandu tornam-se, então, mais severos e freqüentes.

Embora, teoricamente, existam alternativas de combate à praga a curto e médio prazo, como o controle químico, através do uso de inseticidas, ou até mesmo o controle biológico, utilizando fungo entomopatogênico (Valério 2005), na prática, nem sempre é possível garantir a viabilidade biológica e econômica dessas alternativas de controle.

A crescente incidência de ataques de cigarrinhas em pastagens de capim-marandu, assim como a “síndrome da morte” desse capim (ver Radares Técnicos – Pastagem, de 19/12/2005), são problemas extremamente preocupantes que até bem pouco tempo atrás não se ouvia falar.

Esses graves problemas, embora totalmente distintos do ponto de vista biológico, estão intimamente ligados a um problema comum e muito maior – a prática da monocultura do capim-marandu, que tem se expandido nos últimos 20 anos no país.

Para muitos capins tropicais, como o marandu, a monocultura por períodos longos de tempo é particularmente arriscada pois o modo de reprodução desses capins (apomixia) faz com que as sementes produzidas gerem plantas que são clones naturais, isto é, são cópias exatas da planta-mãe. Tal característica leva a uma total falta de heterogeneidade nas áreas plantadas, a qual se constitui em grande risco no que diz respeito a pragas e doenças, já que todas as plantas em uma pastagem responderiam de forma idêntica a um eventual ataque.

Por outro lado, o fato das pastagens serem “culturas perenes”, isto é, as mesmas plantas permanecem na área por anos a fio, aumentaria ainda mais as chances para o desenvolvimento de condições que favoreceriam ataques letais de insetos-praga e patógenos.

Dessa forma, a diversificação das pastagens, ou seja, o uso de mais de um tipo de capim em áreas distintas dentro da fazenda, seria uma forma inteligente de planejamento estratégico, que resguardaria a propriedade rural contra eventuais fatalidades biológicas.

Infelizmente, o grande sucesso inicial do capim-marandu, criou uma situação de certa acomodação entre pecuaristas, técnicos e pesquisadores. Essa situação levou a que, hoje, as opções disponíveis no mercado de sementes para a diversificação de pastagens sejam relativamente limitadas e, em alguns casos, menos atrativas, do ponto de vista de manejo, do que o uso do capim-marandu.

Algumas das possíveis alternativas para a diversificação das pastagens seriam os capins massai, tanzânia e mombaça (cultivares de Panicum maximum), o capim-andropógon (Andropogon gayanus cv. Planaltina) e o quicuio-da-amazônia (B. humidicola).

Para o futuro, as perspectivas parecem ser um pouco mais animadoras, em termos de opções forrageiras para a diversificação de pastagens. O programa de seleção e melhoramento de forrageiras da Embrapa, coordenado pela Embrapa Gado de Corte, está trabalhando em rede nacional para, disponibilizar novas cultivares de B. brizantha e B. humidicola durante os próximos anos. Tais cultivares poderão trazer fôlego novo para a atividade pecuária no Brasil.

Os fatos estão pouco a pouco mostrando que insistir na monocultura do capim-marandu (ou de qualquer outro tipo de capim) poderá se constituir na fórmula para o colapso da atividade pecuária em grande parte do Brasil.

Literatura citada

VALÉRIO, J.R. Pragas em pastagens: identificação e controle. In: PEDREIRA, C.G.S.; MOURA, J.C. de; DA SILVA, S.C.; FARIA, V.P. de (Ed.). 22o Simpósio sobre manejo de pastagem. Teoria e prática da produção animal em pastagens. Piracicaba: FEALQ, 2005, p. 353-386.

_______________________
1Moacyr B. Dias-Filho, Engenheiro Agrônomo, M.Sc. em Pastagens pela ESALQ/USP e Ph.D. em Ecofisiologia Vegetal pela Cornell University e pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Belém, PA.

0 Comments

  1. Cleverson Baum disse:

    Estimado Moacyr B. Dias-Filho

    Hoje qualquer atividade que se venha realizar em qualquer lugar do mundo, é fundamental levar-se em conta a questão biológica da coisa, isso torna-se válido quando pensarmos em antibióticos ou outro produto que venha modificar o ambiente natural.

    É justo que a natureza venha tentar se proteger e busque a adaptação. Cabe ao homem tentar “driblar” esta situação de tal maneira que a agressividade seja a menor possível, pois nula nunca será.

    Por isso acredito no trabalho realizado pela Embrapa Gado de Corte e dou créditos ao artigo dizendo que achei interessante e quero ver os produtores manejando os seus pastos, não pensando que estão jogando dinheiro pelo ralo, mas sim promovendo investimento em seu empreendimento e se prevenindo de prejuízos.

    Resposta do autor:

    Prezado Cleverson,

    Obrigado pelo teu comentário sobre o meu artigo publicado no BeefPoint.

    Certamente é fundamental termos uma visão “ecológica” quando planejamos e executamos atividades agropecuárias. Isso quer dizer que temos que pensar nas possíveis interações a curto, médio e longo prazos que possam advir dessa nossa intervenção. O perigo da monocultura em pastagens mostra essa falta de visão ecológica a longo prazo.

    A Embrapa preocupada com isso tem procurado disponibilizar novas gramíneas forrageiras para o mercado visando a diversificação de opções. Nesse sentido, em breve deverá estar lançando a cultivar Piatã de Brachiaria brizantha, que certamente não será um “capim milagroso”, mas que poderá contribuir para o tal “fôlego novo” que tanto estamos precisando na pecuária do Brasil.

    Atenciosamente,

    Moacyr

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