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China dá sinal verde para clearence de uma carga de carne bovina brasileira para possível entrada no mercado, segundo Agrifatto

No último podcast da Agrifatto, em primeira mão, Conrado Beckerman, que trabalha com importação de carne na China, e Marcel Mendes, que exporta carne, juntamente com a CEO da empresa, Lygia Pimentel, trouxeram notícia de que a aduana do porto de Xangai acaba de dar o sinal verde para a realização do clearence de uma carga de carne bovina brasileira para possível entrada na China. Até então as solicitações estavam paralisadas. 

A carne foi certificada em 26/08 e embarcada em 10/09. A carne chegou em 15 de outubro, mas estava penalizada devido ao embargo chinês. De acordo com Beckerman, esse pode ser um sinal de que outros serão liberados, embora isso seja apenas uma especulação por enquanto. 

Entretanto, é necessário cautela, pois há outros 21 pedidos na fila que ainda podem ser negados. O lote liberado é oriundo do Tocantins e há chance de que os do Mato Grosso sejam bloqueados. Os lotes serão analisados caso a caso. 

Alguns pecuaristas brasileiros informaram que estavam colocando boi de confinamento de volta no pasto, postergando o abate, devido à queda nos preços, mas essa é uma estratégia arriscada e baseada em uma especulação. 

É preciso manter em mente a diferença de cultura entre Brasil e China e tirar essa situação como lição para melhorar as relações diplomáticas e as negociações da carne, segundo Pimentel. 

Beckerman disse que a China está buscando cada vez mais a adequação das questões ambientais, como mudança climática, e pode haver alguma conexão entre o desmatamento no Brasil e a mudança climática com os chineses aproveitando até certo ponto os problemas da vaca louca como uma forma do mercado não ser tão aquecido.

Por quanto tempo os chineses podem se alimentar com as 221 mil toneladas que têm em estoque? Segundo Beckerman, o governo chinês quer que a população reduza o consumo de carne por causa das mudanças climáticas – se hoje, comem 100 gramas por dia, deve reduzir para 30 gramas por dia. Porém, com um consumo de 100 gramas por dia, esse volume de estoque dá para 60 dias. 

Pimentel diz que existe um estudo muito sério que indica que pastagens bem manejadas reabsorvem carbono tanto quanto florestas. No Brasil, mais de 50% das pastagens estão degradadas e, nessas condições, não acontece a reabsorção do carbono. Porém, ela afirma que quem está com pastagem degradada hoje não está mais pagando a conta, precisando sair da atividade e liberar a área para arrendamentos, outras culturas, ou seja, forçadamente, essa pessoa deixa de produzir e de emitir, o que é uma evolução natural da pecuária. 

Por isso, o Brasil precisa vender melhor seu peixe, já que, se produzimos boi de pasto, que é uma coisa que os EUA não fazem, pois produzem em confinamento, nós emitimos e absorvemos, de forma que não se trata de emissão, mas sim, de balanço. Ela afirma que toda a conversa hoje sobre o aquecimento global é baseada em emissões e não em balanço e isso precisa mudar.

No Mato Grosso do Sul, vem ocorrendo a expansão da produção de papel e celulose, de árvores plantadas, avançando justamente sobre as áreas com pastagens degradadas, em uma região que produz tradicionalmente pecuária. Está ocorrendo uma mudança bastante expressiva na atividade da região. Isso vem ocorrendo nos últimos 10 anos, mostrando que, de fato, áreas com pastagens degradadas não mais são possíveis de sustentar uma atividade pecuária lucrativa.

Pimentel diz que isso está em linha com o que a China vem fazendo, que são ações de longo prazo. É preciso que o Brasil comece a pensar com a cabeça de longo prazo também, sem esperar ações hoje para colher no ano que vem. 

Beckerman disse que tem uma empresa na Dinamarca, que tem investimentos em 7 países: Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Uruguai, Peru, Romênia e Látvia. Eles têm, acumulados, uns 200 mil hectares de terras para produção de gado a pasto. Eles tomam conta do solo, não usam fertilizantes, fizeram plantações de Pinus radiata. Os animais são muito bem criados, pois tem sombra, menos problemas no verão, a conversão é boa, e o modelo de negócios é justamente esse, de carnes naturais. Na China, a carne a pasto não é tão apreciada quanto a carne terminada a grãos, por isso, o país não importa dessa empresa. Mas a empresa está fazendo muito branding e indo muito bem nos EUA e na Europa. O grande ponto é justamente conservar o meio ambiente, não emitir gases com fertilizantes, cuidar do solo. 

Ele disse que as sociedades desenvolvidas são mais aptas a produtos naturais do que as sociedades não tão desenvolvidas, como as chinesas. Mas a sociedade chinesa está mudando e, em 10 anos, a expectativa é que o consumo de carne vai cair. A questão é: como o Brasil e os países da América Latina que dependem das exportações de carne, vão lidar com isso?

Pimentel pontua que, quem sai da linha da pobreza em um primeiro momento quer consumir mais alimentos de maior valor nutricional. Em um segundo momento, consome os de maior valor agregado, migrando, depois, para os orgânicos. A China tem muita gente para sair da linha da pobreza, das zonas rurais, por exemplo. 

Beckerman, porém, afirma que na China as mudanças ocorrem de forma rápida, e que esse problema atual entre Brasil e China deve chamar a atenção ao fato de que não se trata puramente de um jogo político, mas sim, principalmente do pragmatismo chinês. Ele disse que já faz uns 7 ou 8 anos que estão saindo reports atacando os pecuaristas pelas questões ambientais e o Brasil precisa reagir a isso.

Para Pimentel, é preciso que o Brasil crie um branding. Se 70% a 75% do gado é criado a pasto, é feito de uma maneira muito natural, que reabsorve carbono e isso precisa ser promovido. É preciso levar o conhecimento sobre a carne brasileira ao mercado chinês. Enquanto aqui todos pensam que os chineses adoram a carne brasileira, na realidade o chinês nem sabe que a carne brasileira está lá. Eles não vão ao supermercado comprar carne brasileira, consumindo esse produto de uma outra forma. Assim, ela diz que há uma ignorância grande da parte dos brasileiros sobre como funciona o mercado chinês de carne e que isso precisa ser combatido, promovendo as qualidades da carne brasileira. Na realidade, o branding já feito pelo Brasil mirou mercados de maior valor, como Coreia e Japão e é preciso que também seja feito na China.

Questionado se a rastreabilidade poderia fazer uma diferença nisso, Beckerman disse que o problema é que a carne com rastreabilidade acaba saindo muito cara. Pimentel confirma que realmente sai mais caro produzir carne com rastreabilidade, o que acaba afetando o bolso do consumidor, que precisa estar disposto a pagar por isso. Porém, tudo indica que o consumidor chinês está começando a questionar de onde vem o gado. Até porque, como pontua Pimentel, nas questões climáticas, a rastreabilidade está totalmente envolvida. O consumidor chinês, segundo Beckerman, quer ver que a carne não vem de uma área de desmatamento. Nesse contexto, a China está buscando consumir menos carnes e desenvolver alimentos alternativos para não depender de outros países. 

Questionado se vai haver uma queda de consumo de carne especificamente bovina na China, neste plano de reduzir o consumo de proteína animal, caso o país volte a produzir mais carne suína como antes, Beckerman disse que acredita que a tendência é de uma queda no consumo geral de proteína animal. Segundo ele, a dieta chinesa não é como a dieta da América do Sul, com muita proteína animal e poucos grãos. A dieta chinesa é muito variada e as porções são pequenas. Porém, ele confirma que os chineses adquiriram o gosto pela carne bovina com o aumento do consumo ocorrido nos últimos anos. Assim, em curto e médio prazo ele acredita que a carne bovina continuará tendo um peso importante na dieta chinesa, mas vai cair devido ao plano do governo chinês de ter uma dieta menos dependente de países estrangeiros. 

Beckerman disse que há muita produção de peixe por aquicultura na China e, por isso, esse é um produto barato lá. Mesmo os peixes importados são relativamente baratos lá. Já os ovos lá estão caros, cerca de US$ 3 uma dúzia, enquanto o peixe custa US$ 1 por cerca de 500 gramas. O preço da carne suína, por sua vez, é cerca de 4 vezes menor do que o da carne bovina.

Pimentel disse que se a China não importasse mais nada de carne bovina do Brasil até o fim do ano, isso representaria 3% do consumo no ano, o que é pouco para a China. Beckerman relembrou que há a concorrência de países como Rússia, que está aumentando a produção e vende carne de confinamento, que é a preferida pelos chineses. Embora isso não dê para suprir o mercado chinês, vai haver um crescimento. 

Pimentel lembra que, embora não tenha um único país que possa substituir o Brasil no mercado de carne bovina da China, há outros que podem contribuir com uma parte, o que realmente deve ser levado em consideração. Para ela, o que estamos vivendo agora é uma consequência da internacionalização da carne bovina. Mais do que uma especulação comercial, é uma consequência do Brasil ter colocado mais fichas em um mercado que trouxe uma grande oportunidade quando, em 2019, devido à peste suína africana, aumentou muito suas compras de carne bovina brasileira. Até porque, se o Brasil não tivesse exportado durante a pandemia, teria tido sérios problemas. 

Beckerman disse que a China poderia incentivar o Brasil a produzir com mais eficiência, mais carne por área, o que Pimentel afirma que já vem ocorrendo, se não por uma questão ideológica, mas por uma questão econômica. Isso está ocorrendo de forma natural pois, quem não fizer isso, não consegue se manter na atividade. O último Censo do Brasil mostrou que 23% dos produtores rurais têm internet. De 2017 para cá, isso certamente aumentou muito, o que contribuirá para o aumento da eficiência de produção.

Por fim, Beckerman disse que a JBS está planejando fazer na China mini-mercados, como os da Swift no Brasil, o que deve ajudar no trabalho de branding que atualmente não existe lá para a carne brasileira. Não será somente carne brasileira vendida, já que a JBS tem frigoríficos em outros países, como Austrália e EUA, mas serão mercados só de carnes off-line. 

Ouça aqui o podcast completo.

Fonte: Agrifatto.

1 Comment

  1. Isabel elida carballo disse:

    Conrado
    Te mando un abrazo

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