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Características da carne de bovinos suplementados com vitamina D3

Atualmente, muitas são as técnicas testadas com o propósito de garantir a qualidade da carne bovina. Entre as mais recentes está o uso da vitamina D3 (vitD3), devido sua importância na mobilização do cálcio e na ativação das proteases cálcio-dependentes (μ- e m-calpaínas), que interferem de forma direta no amaciamento da carne.

O consumo mundial de carne bovina ainda é relativamente baixo, devido ao preço do produto e problemas de saúde, tais como, doenças cardiovasculares, obesidade, hipertensão e câncer, que por falta de esclarecimento, relacionam-se ao consumo de carnes vermelhas. Por outro lado, há o reconhecimento, que os alimentos podem ser fatores contribuintes na prevenção de muitas doenças.

Nesse sentido, manipular ou promover mudanças significativas na qualidade da carne, através de manejo ou estratégias alimentares, é um desafiante, que vem apresentando excelentes resultados. Atualmente, muitas são as técnicas testadas com o propósito de garantir a qualidade da carne bovina. Entre as mais recentes está o uso da vitamina D3 (vitD3), devido sua importância na mobilização do cálcio e na ativação das proteases cálcio-dependentes (μ- e m-calpaínas), que interferem de forma direta no amaciamento da carne.

A vitamina D insere-se em um grupo fisiologicamente importante de compostos orgânicos requeridos em pequenas quantidades pelo organismo para a manutenção dos sistemas vitais. Essas vitaminas lipossolúveis são encontradas nos alimentos em pequenas quantidades. A vitamina D3 é um dos compostos metabolizado no fígado, e hidrolizado na forma 25-hidroxi-vitamina D3 e 1,25-dihidroxi-vitamina D3 (SWENSON, 1989).

O requerimento de vitamina D para bovinos de corte, de acordo com o NRC (1996) é de 275 UI/kg/matéria seca. Ainda, a UI, define-se como 0,025 μg de colecalciferol ou seu equivalente (Pedreira, 2002).

Muitos estudos têm enfatizado o uso da vitamina D, em bovinos, no período de 5 a 10 dias pré-abate, com o objetivo de elevar o nível de cálcio e fósforo no plasma, devido à influência da vitamina D na absorção intestinal desses minerais. Com o aumento do nível plasmático de cálcio, ocorre ativação do complexo das proteases, envolvidas no amaciamento da carne.

Especificamente, na carne, o uso de vitD3 para melhorar a maciez da carne consiste em uma técnica atual, com fornecimento de níveis elevados dessa vitamina, via oral.

Nesse sentido, de acordo com muitos estudos, Bos indicus apresentam grande atividade calpastatina, no qual inibe a ação das calpaínas, levando a uma quantidade menor de proteólises e fragmentos de miofibras, resultando em carnes mais duras (WHIPPLE et al., 1990). As calpaínas são cálcio-ativas e com o aumento da concentração de cálcio no músculo, há um rápido aumento na produção de maciez (WHEELER et al., 1997).

Koohmaraie (1992), citado por Arrigoni et al. (2005) atribuiu 15% da variabilidade na maciez da carne bovina à marmorização e tecido conjuntivo, e os 85% restantes às variações no período pós-morte, processo enzimático que leva à maciez da carne, conhecido como maturação (em que as calpaínas I e II são as principais responsáveis pela maciez da carne).

A utilização da suplementação de vitamina D para animais destinados à produção de carne, tem contribuído para o aumento da maciez da carne quando comparados com animais sem suplementação (KARGES et al., 1999, citados por ARRIGONI et al., 2005).

De acordo com Montgomery et al. (2000), citados por Arrigoni et al. (2005), testando dois níveis de vitD3 (5×106 e 7,5×106UI), administrados via oral, em novilhos, 9 dias pré-abate, observaram que as dosagens não diferiram entre si, exceto no grupo controle. Houve ainda uma melhora da maciez nos cortes maturados por 14 dias. O tratamento controle apresentou valores de força de cisalhamento de aproximadamente 3,25 kg e o tratamento com vitD3 de 5×106 IU apresentou valores de 2,8 kg. Quando realizada a avaliação sensorial da carne, a vitamina não apresentou nenhum efeito sobre os atributos de maciez e suculência.

Por outro lado, o excessivo fornecimento de vitD3 pode resultar em toxicidade. Inicialmente pode causar aumento do cálcio nos ossos. Contudo, pode resultar em descalcificação e enfraquecimento do esqueleto, calcificação de tecidos moles, tais como, articulações, rins, pulmões, e artérias e condenação do fígado (SWENSON, 1989).

Berry et al. (2000) concluíram que a ingestão de matéria seca foi reduzida, levando a um menor ganho diário e relação ganho:consumo, em novilhos suplementados com 6×106 UI de vitD3 durante 7 dias pré-abate. Além disso, os resultados de maciez da carne maturada por até 14 dias, contrastaram com Swanek et al. (1999), que avaliaram o efeito de três níveis de vitD3 (2,5: 5,0 e 7,5×106 IU) administrados diariamente, por 10 dias pré-abate. A suplementação ocasionou, aparentemente, uma redução de 0,6 Kg nos músculos maturados por 14 dias.

Todavia, é possível que a depleção severa do consumo durante os 7 dias pré-abate, observada por Berry et al. (2000) tenha reduzido os estoques de cálcio no organismo dos animais. Isso foi concluído, devido à redução do consumo em novilhos, alimentados com vitD3, que consumiram aproximadamente 4,8 UI/cabeça/dia de vitD3, em relação ao formulado 6 UI/cabeça/dia.

Segundo Ribeiro (2000), a utilização de vitD3 não causou efeitos sobre a maciez da carne.

Recentemente, Tipton et al. (2007) suplementaram 79 bovinos cruzados Bos indicus com 0 ou 3 milhões de UI/cabeça/dia de vitD3, durante 5 dias. Posteriormente, a metade de cada grupo foi abatida, enquanto a outra metade foi alimentada, sem suplementação, por 7 dias. De acordo com os resultados, para os efeitos de suplementação e período de maturação dos músculos na força de cisalhamento (maciez), não foi observada diferença entre os tratamentos, no dia 0 de retirada da suplementação da vitamina.

Já, aos 7 dias de retirada, os músculos Longissimus lumborum (contra-filé) e Semitendinosus (lagarto) dos animais tratados com vitD3 foram mais macios, quando comparados ao grupo controle. Uma explicação para esses resultados poderia ser devido ao aumento do cálcio que poderia levar às diferenças na maciez da carne, observada aos 7 dias de retirada da suplementação. Os autores verificaram também uma melhor resposta da maturação no Longissimus lumborum, submetido a maior degradação da desmina, resultando em uma maior maciez, durante a maturação, em relação ao m. Tríceps brachii (paleta).

A diferença na resposta da maciez entre os músculos de bovinos tratados com vitD3 depende de fatores, tais como, a proteólise e a quantidade de tecido conjuntivo presente nos cortes cárneos. Nesse sentido, a maciez do m. Longissimus têm sido demonstrada como altamente dependente da taxa e extensão da proteólise. Contudo, ambos, m. Tríceps brachii e m. Semitendinosus apresentam maiores concentrações de tecido conjuntivo (Tipton et al., 2007).

Montgomery et al. (2004) relataram que o m. Supraspinatusi (peixinho), m. Semimembranosus (coxão-mole) e m. Gluteus medius (alcatra) tiveram uma menor resposta ao tratamento com vitD3, sugerindo que a maciez, nestes músculos, é menos dependente da proteólise pós-morte. Por outro lado, não foram relatadas diferenças na coloração dos cortes, contrariando os resultados encontrados por Enright et al. (1998), citados por Dikeman (2003), que trataram suínos com elevados níveis de vitD3 e verificaram uma melhora na coloração dos cortes, à medida que se elevou a quantidade de vitD3 na dieta. Resultados similares aos de Montgomery foram apresentados por Tipton et al. (2007), que não verificaram diferenças na cor dos músculos de animais tratados com vitD3.

Também Vargas et al. (1999), citados por Dikeman (2003), trataram novilhos somente com 6×106vitD3, ou combinação com 1000UI de VitE, ou um grupo sem vitaminas. Foi constatado que os músculos, ambos do tratamento com vitD3, requereram um menor período de maturação, quando comparado ao grupo controle, inclusive atingindo valores de força de cisalhamento inferiores a 3,86 kg, considerados, portanto, muito macios.

Já, Pedreira (2002), avaliando as características sensoriais da carne de bovinos tratados com vitD3, verificou que somente a suculência não apresentou diferença quanto à dose de vitamina utilizada. Para a maciez, a dose de 9×106 UI/cab/dia apresentou o pior resultado (carne mais dura) e o melhor resultado foi com doses de 3×106 UI/cab/dia. Para o sabor, o melhor resultado foi aquele com doses de 3×106 UI/cab/dia. De maneira geral, a pior avaliação foi para a dose 0x106 UI/cab/dia e a melhor para 3×106 UI/cab/dia (Tabela 01). Portanto, em geral, a suplementação com vitD3 melhorou as características sensoriais da carne.

Tabela 01 – Valores médios das características de sabor, suculência, maciez e análise geral da análise sensorial no m. de Bos indicus suplementados com vitD3, durante 10 dias pré-abate


Fonte: Adaptado, Pedreira (2002).

Considerações

De modo geral, o emprego de vitamina D3 pode melhorar a maciez dos cortes cárneos. Porém, em relação ao desempenho de bovinos e algumas características de qualidade, como coloração da carne, há necessidade de mais estudos conclusivos.
Deve-se levar em consideração a toxicidade dessa vitamina.

A suplementação com vitD3, como modificador metabólico na melhora da qualidade da carne poderia ser uma ferramenta adaptada pelas indústrias.

O ideal seria que a utilização da vitD3 causasse um efeito benéfico na qualidade da carne, em especial, na maciez de cortes frescos, ou submetidos a períodos curtos de maturação. Isso seria interessante para a indústria da carne, que poderia comercializar cortes macios e em escalas menores de tempo, evitando inclusive, o armazenamento da carne por períodos longos nas câmaras de maturação. O consumidor também se beneficiaria, adquirindo cortes mis macios.

Portanto, mais estudos futuros deveriam ser conduzidos.

Referências bibliográficas

ARRIGONI, M. D. B. et al. Estratégias nutricionais para melhoria da qualidade da carne. In: 42° Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia, p. 337-347, 2005.

BERRY, B.A.; GILL, D.R.; BALL, R. Effects of feeding vitamin D on feedlot performance, carcass traits, and meat tenderness of finishing steers. Animal Science Research Report, Oklahoma State University, p.98-103, 2000. Acesso em 17 de Janeiro de 2007. Disponível em http://www.ansi.okstate.edu/research/2000rr/19.htm

DIKEMAN, M.E. Metabolic Modifiers and Genetics: Effects on Carcass Traits and Meat Quality. In:49th International Congress of Meat Science and Technology (ICoMST), Campinas, p.1-38, 2003.

MONTGOMERY, J.L. et al. Supplemental vitamin D3 concentration and biological type of steers. II. Tenderness quality, and residues of beef. Journal of Animal Science,v.82, p.2092-2104, 2004.

PEDREIRA, A.C.M.S. Características Qualitativas do Músculo Longissimus dorsi de Animais Bos indicus Tratados com Vitamina D3. Piracicaba, 2002. 45p. Tese – (doutorado) Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.

RIBEIRO, F.G. Características de carcaça e qualidade da carne de tourinhos alimentados com dietas de alta energia. Pirassununga, 2000. 70p. Dissertação (mestrado) Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, Universidade de São Paulo.

SWANEK, S.S. et al. Vitamin D3 supplementation of beef steers increases longissimus tenderness. Journal of Animal Science, v.77, p.874-881, 1999.

SWENSON MJ. Ed. DUKES – Fisiologia dos animais domésticos. 10ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. 799p.

TIPTON, N.C. et al. Effects of oral vitamin D3 supplementation and supplement withdrawal on the accumulation of magnesium, calcium, and vitamin D in the serum, liver, and muscle tissue and subsequent carcass and meat quality of Bos indicus influenced cattle. Meat Sicence, v.75, p.150-158, 2007.

WHEELER, T.L.; KOOHMARAIE, M.; SHACKELFORD, S.D. Effect of postmortem injection time and postinjection aging time on the calcium-activated tenderization process in beef. Journal of Animal Science, v.75, p.2652-2660, 1997.

WHIPPLE, G. et al. Evaluation of attributes that effect longissimus muscle tenderness in Bos Taurus and Bos indicus cattle. Journal of Animal Science, v.65, p.597-607, 1990.

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