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Cânceres no trato digestivo e consumo de carne – Parte 3/3

O fígado é o maior órgão interno do corpo humano e é o único órgão capaz de se regenerar. Suas funções primárias são remover substâncias tóxicas, sintetizar proteínas e produzir substâncias químicas que ajudam na digestão. Nos Estados Unidos, apesar de o câncer de fígado e do ducto biliar intra-hepático representar somente 1,3% de todos os diagnósticos de câncer, sua malignidade leva essa doença a ser a quinta causa mais comum de mortalidade por câncer entre homens e a nona causa entre mulheres. Apesar da associação positiva reportada para carnes vermelhas em um único estudo de coorte, outros estudos não observaram evidências consistentes de um aumento no risco de câncer de fígado entre os grandes consumidores de carnes bovina, suína ou processada.

Câncer de fígado

O fígado é o maior órgão interno do corpo humano e é o único órgão capaz de se regenerar. Suas funções primárias são remover substâncias tóxicas, sintetizar proteínas e produzir substâncias químicas que ajudam na digestão. Nos Estados Unidos, apesar de o câncer de fígado e do ducto biliar intra-hepático representar somente 1,3% de todos os diagnósticos de câncer, sua malignidade leva essa doença a ser a quinta causa mais comum de mortalidade por câncer entre homens e a nona causa entre mulheres (1). Internacionalmente, existe uma marcada variabilidade geográfica nas taxas de câncer de fígado, tanto entre países como dentro dos países o que, em parte, pode ser um reflexo de infecções crônicas pelo vírus da hepatite B e C (2,3). Essas infecções são responsáveis pela maioria dos casos de câncer de fígado em todo o mundo (2,3). Outros fatores de risco para câncer de fígado incluem cirrose e exposição a aflatoxinas – toxinas produzidas por fungos que contaminam amendoim, soja, milho, trigo e arroz (4). O fumo e o consumo de álcool podem aumentar os riscos de câncer de fígado também (3,4).

Como o fígado é um órgão essencial do sistema digestivo, existe um grande interesse em avaliar a influência da dieta no câncer de fígado; entretanto, poucos estudos avaliaram o potencial papel da ingestão de carnes nesse tipo de câncer. De fato, a maioria dos estudos que avaliou o câncer de fígado reportou itens individuais de carnes (como carne suína, por exemplo), ao invés de carnes vermelhas ou alimentos com carnes processadas. No único estudo prospectivo de coorte dos Estados Unidos sobre consumo de carnes vermelhas/processadas e câncer de fígado, Cross et al. (5) reportaram um aumento estatisticamente significante de 61% nos risco entre os maiores consumidores de carnes vermelhas, mas observaram somente um risco de 9%, não significante, entre os maiores consumidores de carnes processadas.

Resultados conflitantes para carnes vermelhas foram reportados em um estudo anterior caso-controle conduzido na Itália, à medida que um decréscimo não significante de 20% nos riscos de câncer de fígado foi observado na categoria de maior ingestão (6). Não foram reportadas associações significantes no consumo de carne suína ou bovina em estudos de caso-controle ou em um estudo de coorte no Japão, no qual análises de apenas uma variável foram conduzidas (7,8).

Apesar da associação positiva reportada para carnes vermelhas em um único estudo de coorte, outros estudos não observaram evidências consistentes de um aumento no risco de câncer de fígado entre os grandes consumidores de carnes bovina, suína ou processada. Em suma, as evidências epidemiológicas disponíveis não parecem apoiar uma associação independente entre consumo de carnes vermelhas ou de carnes processadas e câncer de fígado. Mais estudos prospectivos podem facilitar um entendimento mais claro de qualquer associação potencial.

Câncer pancreático

O pâncreas é um órgão que faz parte dos sistemas digestivo e endócrino que ajuda na digestão secretando enzimas digestivas, e produz vários hormônios importantes, incluindo insulina. O câncer que se forma nos tecidos do pâncreas é chamado de câncer pancreático. O câncer pancreático é uma doença rara com relação a outros cânceres, sendo o 11º câncer mais comumente diagnosticado nos Estados Unidos (1,9). Devido às altas taxas de fatalidades, entretanto, o câncer pancreático é a quarta maior causa de morte por câncer entre homens e mulheres nos Estados Unidos (1). Para todos os estágios combinados, a taxa de sobrevivência relativa de cinco anos (refere-se ao percentual de pacientes que vivem pelo menos 5 anos após seu câncer ser diagnosticado) para câncer pancreático é de apenas 5%, tornando-o um doas cânceres humanos mais letais (10).

Aproximadamente 90% de todos os novos casos de câncer pancreático são diagnosticados entre pessoas com mais de 50 anos de idade e as taxas são levemente maiores entre homens do que em mulheres (11). As taxas nos Estados Unidos são maiores entre os homens descendentes de africanos e menores entre as mulheres asiáticas e descendentes das ilhas do Pacifico (9). As causas da maioria dos casos de câncer pancreático são desconhecidas; entretanto, alguns fatores relacionados a estilo de vida, médicos e genéticos foram identificados como associados com o maior risco para essa doença. Entre os fatores de risco mais consistentes reportados na literatura epidemiológica o fumo de cigarro pode ser responsável por 25-29% da incidência de casos de câncer pancreático (11). Outros fatores associados com o risco de câncer pancreático incluem pancreatite crônica, histórico familiar de câncer pancreático em primeiro grau de parentesco, certas síndromes genéticas/hereditárias, obesidade e ter um histórico pessoal de diabetes.

Como o pâncreas está envolvido na digestão e absorção de alimentos, vários estudos avaliaram o papel que fatores dietéticos podem ter na carcinogênese pancreática. A associação entre o consumo de carnes vermelhas/processadas e risco de câncer pancreático não foi avaliada tão extensivamente como em outros órgãos envolvidos na digestão e absorção de alimentos, como estômago e cólon, por causa da raridade dessa doença. O câncer pancreático é uma doença relativamente incomum, com alta taxa de fatalidade, dificultando a avaliação precisa de sua relação com fatores dietéticos, como ingestão de carne.

Até agora, menos de 10 estudos de coorte analisaram relação entre o consumo de carnes vermelhas ou processadas e câncer pancreático. De forma geral, não foram encontrados padrões ou tendências entre o consumo de carnes e o câncer pancreático na literatura epidemiológica e a maioria das associações de estudos de coorte geralmente está entre 0,9 e 1,4. Nos dois grandes estudos de coorte publicado até agora, as associações entre carnes vermelhas e câncer pancreático foram modestamente variáveis, tanto entre estudos como entre sexos. Coughlin et al. (12) reportaram um aumento não significante de 10% no risco de câncer pancreático entre homens e uma redução marginalmente significante de 10% nos riscos entre as maiores. Em uma análise de aproximadamente 500.000 pessoas, Cross et al. (5) reportaram um aumento estatisticamente significante de 43% no risco de câncer pancreático entre homens, mas uma redução não significante de 8% foi observada entre as mulheres. Similarmente, resultados variáveis foram vistos em outros estudos de coorte, como uma avaliação do Estudo da Saúde de Enfermeiras, que observou uma redução não significante de 13% no risco de câncer pancreático entre mulheres na categoria com maior ingestão de carnes vermelhas (13). Em contraste, Larsson et al. (14) reportaram um aumento não significante de 33% no risco de câncer pancreático entre mulheres suecas na categoria de maior ingestão de carnes vermelhas. Em um estudo de coorte conduzido no Havaí e Los Angeles, Nöthlings et al. (15) reportaram um aumento significante de 45% nos riscos de câncer pancreático entre os maiores consumidores de carnes vermelhas. Em um estudo de coorte com homens finlandeses, uma redução não significante de 5% nos riscos de câncer pancreático foi reportada entre homens na categoria de maior ingestão de carnes vermelhas (16).

Uma grande variação nas definições de exposição é evidente para carnes processadas e carnes vermelhas, à medida que aproximadamente cinco estudos de coorte avaliaram “carnes processadas” como uma variável de ingestão, enquanto aproximadamente três estudos de coorte avaliaram presunto e/ou salsicha. Relativamente similar às associações para carnes vermelhas, Cross et al. (5) reportaram um aumento estatisticamente significante de 31% nos riscos entre homens na categoria com maior ingestão de carnes processadas e uma redução não significante de 14% nos riscos entre mulheres na mesma categoria. Nöthlings et al. (15) reportaram uma associação significante positiva entre consumo de carne processada e câncer pancreático, apesar de a carne de frango processada ter sido incluída nessa definição de carne processada. Uma associação estatisticamente não significante foi observada em uma análise do Estudo da Saúde das Enfermeiras (13), enquanto não foram encontradas associações entre carnes processadas e câncer pancreático nos estudos finlandês (16) ou sueco (14). A maioria das associações para análises de coorte de presunto, salsicha e/ou bacon foram nulas ou inversas (13,17,18).

As associações entre ingestão de carnes vermelhas e processadas e câncer pancreático têm sido inconsistentes nos estudos. Embora maiores riscos tenham sido reportados em alguns estudos de coorte, outros estudos não observaram riscos ou observaram menores riscos, particularmente entre as mulheres e para itens específicos de carnes. As descobertas de estudos de caso-controle foram mistas e, embora a maioria das chances nos estudos tenha sido na direção positiva, as definições de ingestão foram variáveis e as lembranças e/ou tendências nas seleções podem ser questões a serem considerada devido à alta taxa de fatalidade da doença. Como o câncer pancreático é uma doença rara com baixa taxa de sobrevivência, os estudos de coorte precisam ser muito grandes para obter números suficientes de casos para análise. Dessa forma, somente um número modesto de estudos de coorte foi publicado até agora e o conjunto de evidências epidemiológicas para câncer pancreático é pequeno. Coletivamente, as evidências epidemiológicas disponíveis não apoiam uma associação independente entre consumo de carnes vermelhas ou processadas e câncer pancreático.

Referências bibliográficas

1. Jemal A, Siegel R, Ward E, et al. Cancer statistics, 2008. CA Cancer J Clin 2008;58(2):71-96.

2. Bosch FX, Ribes J, Borras J. Epidemiology of primary liver cancer. Semin Liver Dis 1999;19:271-85.

3. Bosch FX, Ribes J, Diaz M, Cleries R. Primary liver cancer: worldwide incidence and trends. Gastroenterology 2004;127:S5-16.

4. World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research (WCRF/AICR). Food, Nutrition, Physical Activity and the Prevention of Cancer: a Global Perspective. Washington DC: AICR, 2007.

5. Cross AJ, Leitzmann MF, Gail MH, Hollenbeck AR, Schatzkin A, Sinha R. A prospective study of red and processed meat intake in relation to cancer risk. PLoS Med 2007;4(12):e325.

6. Tavani A, La Vecchia C, Gallus S, et al. Red meat intake and cancer risk: a study in Italy. Int J Cancer 2000; 86:425-8.

7. Kurozawa Y, Ogimoto I, Shibata A, et al. Dietary habits and risk of death due to hepatocellular carcinoma in a large scale cohort study in Japan. Univariate analysis of JACC study data. Kurume Med J 2004;51(2):141-9.

8. Lam KC, Yu MC, Leung JW and Henderson BE. Hepatitis B virus and cigarette smoking: risk factors for hepatocellular carcinoma in Hong Kong. Cancer Res 1982;42(12):5246-8.

9. Ries LAG, Melbert D, Krapcho M, et al. (eds). SEER Cancer Statistics Review, 1975-2004. Bethesda, MD: National Cancer Institute. Based on November 2006 SEER data submission, posted to the SEER web site, 2007. http://seer.cancer.gov/csr/1975_2004/.

10. Li D, Xie K, Wolff R, Abbruzzese JL. Pancreatic cancer. Lancet 2004;363(9414):1049-57.

11. Anderson KE, Potter JD. Pancreatic cancer. In: Schottenfeld D and Fraumeni, Jr. JF, eds. Cancer Epidemiology and Prevention. Oxford: Oxford University Press, 1996:725-71.

12. Coughlin SS, Calle EE, Patel AV, Thun MJ. Predictors of pancreatic cancer mortality among a large cohort of United States adults. Cancer Causes Control 2000;11(10):915-23.

13. Michaud DS, Giovannucci E, Willett WC, Colditz GA, Fuchs CS. Dietary meat, dairy products, fat, and cholesterol and pancreatic cancer risk in a prospective study. Am J Epidemiol 2003;157(12):1115-25.

14. Larsson SC, Håkanson N, Permert J, Wolk A. Meat, fish, poultry and egg consumption in relation to risk of pancreatic cancer: a prospective study. Int J Cancer 2006C;118(11):2866-70.

15. Nöthlings U, Wilkens LR, Murphy SP, Hankin JH, Henderson BE, Kolonel LN. Meat and fat intake as risk factors for pancreatic cancer: the multiethnic cohort study. J Natl Cancer Inst 2005;97(19):1458-65. Erratum in: J Natl Cancer Inst 2006;98(11):796.

16. Stolzenberg-Solomon RZ, Pietinen P, Taylor PR, Virtamo J, Albanes D. Prospective study of diet and pancreatic cancer in male smokers. Am J Epidemiol 2002;155(9):783-92.

17. Isaksson B, Jonsson F, Pedersen NL, Larsson J, Feychting M, Permert J. Lifestyle factors and pancreatic cancer risk: a cohort study from the Swedish Twin Registry. Int J Cancer 2002;98(3):480-2.
18. Khan MM, Goto R, Kobayashi K, et al. Dietary habits and cancer mortality among middle aged and older Japanese living in Hokkaido, Japan by cancer site and sex. Asian Pac J Cancer Prev 2004;5(1):58-65.

Esse artigo traz uma tradução adaptada do relatório feito pelo pesquisador Dominik D. Alexander, PhD, MSPH, epidemiologista sênior da Health Sciences Practice, Exponent, Inc., sumarizando as atuais evidências epidemiológicas relacionadas ao consumo de carnes vermelhas e carnes processadas e o câncer, publicado no site www.beefresearch.org.

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