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Cânceres no trato digestivo e consumo de carne – Parte 1/3

O pesquisador Dominik D. Alexander, PhD, MSPH, epidemiologista sênior da Health Sciences Practice, Exponent, Inc., elaborou um relatório técnico sumarizando as atuais evidências epidemiológicas relacionadas ao consumo de carnes vermelhas e carnes processadas e o câncer. Esse artigo traz uma tradução adaptada desse relatório. Em sumário, as associações da maioria dos estudos epidemiológicos que avaliaram a relação entre o consumo de carnes vermelhas e processadas e o câncer colorretal são em uma direção positiva, quando homens e mulheres são analisados juntos, mas no geral, as associações são relativamente fracas em magnitude e não estatisticamente significantes.

Introdução

O pesquisador Dominik D. Alexander, PhD, MSPH, epidemiologista sênior da Health Sciences Practice, Exponent, Inc., elaborou um relatório técnico sumarizando as atuais evidências epidemiológicas relacionadas ao consumo de carnes vermelhas e carnes processadas e o câncer.

Esse relatório não teve a intenção de incluir sistematicamente todos os componentes de causa, como dose-resposta ou possibilidade biológica, entre as carnes vermelhas e processadas e tipos específicos de câncer. A ideia do trabalho foi sintetizar informações científicas relacionadas aos tipos de câncer com os quais o consumo de carne foi avaliado e recapitular algumas das associações estatísticas observadas entre a ingestão de carnes vermelhas e processadas e o câncer.

Esse artigo traz uma tradução adaptada desse relatório, publicado no site www.beefresearch.org.

Câncer cólorretal

O intestino grosso, ou cólon, é um tubo muscular que tem aproximadamente 1,52 metros de comprimento. O cólon absorve água e nutrientes dos alimentos e armazena dejetos, que se movem do cólon até o reto. O câncer formado nos tecidos do cólon ou do reto é chamado de câncer colorretal, apesar de os tumores nesses locais poderem ser vistos como doenças distintas. A maioria dos cânceres colorretais se desenvolve em uma progressão gradativa do epitélio normal (tecido celular que cobre os órgãos) para pólipos adenomatosos (crescimentos que surgem do epitélio que reveste o cólon) para adenocarcinoma (câncer de tecido glandular) (1). Apesar de a carcinogênese do câncer colorretal (processo pelo qual as células normais são transformadas em células cancerosas) ser bastante entendida, relativamente poucos fatores foram estabelecidos como causadores do câncer colorretal.

O câncer colorretal é a terceira forma mais comum de câncer entre homens e mulheres nos Estados Unidos, sendo responsável por 10% de todos os novos casos de câncer para cada sexo (2). Internacionalmente, as taxas de incidência padronizadas por idade de câncer colorretal são maiores em nações industrializadas e a disparidade das taxas entre países modernizados e menos desenvolvidos é maior (3). Acredita-se que variação geográfica nas taxas é parcialmente atribuível ao estilo de vida e a fatores ambientais (4). As causas específicas da maioria dos casos de câncer colorretal são desconhecidas; entretanto, algumas características clínicas, genéticas e de estilo de vida foram associadas com os riscos da doença. O câncer colorretal é normalmente diagnosticado entre pessoas com mais de 50 anos de idade e os homens têm mais probabilidade de desenvolver malignidade do que as mulheres. Pessoas com histórico pessoal de pólipos adenomatosos, históricos familiares de câncer colorretal em um primeiro grau relativo e certas condições clínicas, como a síndrome do intestino irritável, têm um maior risco de desenvolver câncer colorretal. Pouca prática de atividade física, obesidade e alto consumo de álcool (particularmente entre homens) podem aumentar os riscos de câncer colorretal (5).

Como o cólon e o reto estão envolvidos fisiologicamente e anatomicamente na digestão dos alimentos, absorção e eliminação, o papel da dieta como um fator que contribui para o desenvolvimento do câncer colorretal foi avaliado por centenas de estudos científicos. Entretanto, existem controvérsias sobre os nutrientes específicos, alimentos individuais ou combinações de alimentos que se acredita que podem contribuir com o câncer colorretal. Apesar de os resultados da maioria dos estudos epidemiológicos terem sido variados, a alta ingestão de alho, leite, cálcio e fibras na dieta podem reduzir os riscos de câncer colorretal (6). Coletivamente, associações inversas entre dietas ricas em vegetais e câncer colorretal foram observadas na maioria dos estudos epidemiológicos; entretanto, os resultados foram variáveis devido ao delineamento do estudo (7,8).

Resultados de estudos epidemiológicos sobre o consumo de carnes total ou de todos os tipos de carnes categorizados juntos foram inconsistentes, com associações inversas e positivas observadas. Em uma recente publicação do estudo European Prospective Investigation into Câncer and Nutrition-Oxford (EPIC-Oxford), os autores reportaram que os vegetarianos tinham estatisticamente um aumento significante de 39% na taxa de câncer colorretal comparado com os consumidores de carne (9). O potencial papel que a ingestão de carnes vermelhas e processadas pode ter na carcinogênese do câncer colorretal é equívoco. Apesar de muitos pesquisadores sugerirem que a alta ingestão de carnes vermelhas/processadas causa câncer colorretal, existe falta de consenso científico claro sobre isso.

Em 2007, o Fundo Mundial de Pesquisas sobre Câncer (WCRF, sigla em inglês), em colaboração com o Instituto Americano para Pesquisa sobre Câncer (AICR, sigla em inglês) divulgou um sumário de um relatório chamado “Alimentos, Nutrição, Atividade Física e Prevenção de Câncer: uma Perspectiva Global”. Esse segundo relatório (o primeiro foi divulgado em 1997) avaliou as evidências científicas relacionadas a vários fatores dietéticos e suas relações com 17 diferentes tipos de câncer. Vinte e dois membros da equipe de pesquisa formalizaram conclusões e recomendações baseadas em literatura científica que foi coletada, sintetizada e disseminada por grupos de trabalho internacionais independentes. Apesar de as evidências epidemiológicas da literatura revisada variarem em termos de como as carnes vermelhas ou processadas são definidas e analisadas, a equipe WCRF/AICR concluiu que o consumo de carnes vermelhas e/ou carne processada é uma causa convincente de câncer colorretal. As entidades recomendaram que o consumo de carnes vermelhas deveria ser limitado e o de carnes processadas, evitado. Especificamente, a WCRF/AICR recomendou que as pessoas que consomem carnes vermelhas deveriam consumir menos de 500 gramas (700-750 gramas cruas) por semana e muito pouco (se não tudo) deveria ser processado. Nesse contexto, a carne vermelha é definida como carne bovina, suína, de cordeiro e caprina de animais domésticos, incluindo as carnes contidas em alimentos processados. A carne processada é definida como carne preservada por defumação, cura ou adição de sal, ou ainda, adição de conservantes químicos, incluindo aqueles contidos em alimentos processados. Apesar de suas conclusões, não está claro como a WCRF/AICR chegou a essa quantidade de recomendação de ingestão baseada na heterogeneidade dos dados avaliados. Além disso, a lógica da designação de “convincente” foi questionada por vários fundamentos científicos e metodológicos, incluindo a incapacidade de demonstrar associações entre fatores dietéticos e câncer com consistência durante o tempo (10).

A maioria dos riscos relativos para os maiores consumidores de carnes vermelhas ou processadas está na direção positiva, apesar de poucos serem estatisticamente significantes. Além disso, a maioria das associações é relativamente fraca em magnitude, a maioria dos estudos não indica uma clara relação ingestão-resposta, associações por local anatômico do tumor (isto é, cólon ou reto) são variáveis e os padrões de associações mostram uma discrepância moderada por sexo. Assim como com a maioria dos estudos epidemiológicos de carnes vermelhas/processadas e câncer, as ingestões métricas (isto é, unidades) variam entre os estudos (por exemplo, gramas por dia, porções por semana) assim como os pontos de corte analíticos usados para comparação (por exemplo, 100 gramas por dia versus 0 gramas por dia, 12 vezes por semana versus 3 vezes por semana), complicando, assim, a interpretação dos resultados dos estudos.

Aproximadamente 30 a 35 estudos prospectivos foram avaliados sobre ingestão de carnes vermelhas e processadas e câncer colorretal, dos quais, aproximadamente 20-25 representam análises de estudos independentes de populações. A maioria desses estudos foi conduzida nos Estados Unidos, Europa e Japão. Como mencionado, as unidades de ingestão dietética variam entre os estudos e as definições e tipos de carnes processadas e/ou vermelhas ou itens variam também. Vários estudos avaliaram carnes vermelhas com itens de carne processados incluídos dentro da variável dieta, enquanto outros estudos reportaram itens isolados de carnes vermelhas, como carne bovina e suína. Adicionalmente, a maioria dos estudos de carne processada varia em termos de definição de sua variável e itens específicos englobados dentro desse grupamento. Os mecanismos avaliados implicando carnes vermelhas como maior fator de risco de câncer colorretal não foram consistentemente suportado por evidências. Além disso, fatores não relacionados à carne, como consumo de gordura animal, métodos de cocção, exposição a aminas heterocíclicas ou ingestão de ferro heme têm sido estabelecidos como estando associados casualmente com o desenvolvimento de câncer colorretal. Em uma meta-análise feita em 2009 da ingestão de gordura animal e câncer colorretal, publicada no American Journal of Clinical Nutrition, não foi observada associação estatisticamente significante quando dados de estudos de coorte foram analisados (11).

O entendimento de possíveis relações entre consumo de carnes e câncer colorretal (ou qualquer tipo de câncer) é complicado pelos desafios metodológicos e analíticos. Por exemplo, um padrão de dieta caracterizado por alto consumo de carnes vermelhas/processadas e baixa ingestão de frutas e vegetais tem sido associado positivamente com alto índice de massa corpórea, fumo e ingestão de álcool e tem sido associado inversamente com atividade física e status sócio-econômico; no entanto, esses fatores podem confundir ou modificar a associação entre ingestão de carnes vermelhas/processadas e câncer colorretal. Além disso, tumores que surgem no cólon proximal, distal e reto podem ter patologias variáveis e, consequentemente, os fatores dietéticos podem influenciar no desenvolvimento do câncer diferentemente de acordo com o local anatômico (4). Além disso, a localização do desenvolvimento do tumor colorretal pode variar por sexo e/ou raça (12,4) e se existe um efeito diferencial da ingestão de carnes vermelhas/processadas e câncer colorretal entre grupos de sexos e etnias diferentes ainda é incerto.

Em sumário, as associações da maioria dos estudos epidemiológicos que avaliaram a relação entre o consumo de carnes vermelhas e processadas e o câncer colorretal são em uma direção positiva, quando homens e mulheres são analisados juntos, mas no geral, as associações são relativamente fracas em magnitude e não estatisticamente significantes. Existem algumas diferenças aparentes nos padrões de associações por sexo; de fato, associações de alguns dos maiores e mais bem conduzidos estudos de coorte foram nulas ou inversas entre as mulheres. Dessa forma, o consumo de carnes vermelhas ou processadas não parece ter um papel no desenvolvimento de câncer colorretal entre mulheres. Os padrões de associações foram modestamente mais fortes em magnitude entre os homens; entretanto, a variabilidade nas associações por sexo não foi explicada por mecanismos biológicos ou hormonais. As associações também variam por local anatômico do tumor, com associações sendo mais fortes para câncer retal do que câncer de cólon. As variações de características metodológicas e analíticas, como heterogeneidade nas definições de carne, medidas dietéticas usadas, comparações analíticas em termos de variabilidade nos pontos de corte de ingestão e a possibilidade de fatores residuais ou tendências que podem confundir complicam a interpretação dos resultados dos estudos. Por causa dessa variabilidade metodológica e analítica, as evidências epidemiológicas atualmente disponíveis não são suficientes para suportar uma associação independente entre consumo de carnes vermelhas ou processadas e câncer colorretal. Pesquisas adicionais são necessárias para explorar mais quaisquer associações potenciais entre certos subgrupos, como análises para homens e mulheres estratificadas por localização do tumor.

Referências bibliográficas

1. Willett CG. Cancer of the Lower Gastrointestinal Tract. Steele Jr. GD, Phillips TL, Chabner BA, eds. American Cancer Society. Hamilton, Ontario: B.C. Decker, Inc., 2001.

2. Jemal A, Siegel R, Ward E, et al. Cancer statistics, 2008. CA Cancer J Clin 2008;58(2):71-96.

3. Parkin DM, Whelan SL, Ferlay J, Teppo L, Thomas DB. Cancer Incidence in Five Continents Vol. VIII. IARC Scientific Publications 155. Lyon, France: International Agency for Research on Cancer; World Health Organization, 2002.

4. Jacobs ET, Thompson PA, Martínez ME. Diet, gender, and colorectal neoplasia. J Clin Gastroenterol 2007;41(8):731-46.

5. World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research (WCRF/AICR). Food, Nutrition, Physical Activity and the Prevention of Cancer: a Global Perspective. Washington DC: AICR, 2007.

6. Schottenfeld D, Fraumeni JF, Jr., eds. Cancer Epidemiology and Prevention. New York: Oxford University Press, 2006: 1087-100.

7. La Vecchia C, Altieri A, and Tavani A. Vegetables, fruit, antioxidants and cancer: a review of Italian studies. Eur J Nutr 2001;40(6):261-7.

8. Norat T, Riboli E. Fruit and vegetable consumption and risk of cancer of the digestive tract: meta-analysis of published case-control and cohort studies. IARC Sci Publ 2002;156:123-5.

9. Key TJ, Appleby PN, Spencer EA, Travis RC, Roddam AW, Allen NE. Mortality in British vegetarians: results from the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC-Oxford). Am J Clin Nutr 2009;89(5):1613S-9S.

10. Boyle P, Boffetta P, Autier P. Diet, nutrition and cancer: public, media and scientific confusion. Ann Oncol 2008;19:1665-7.

11. Alexander DD, Cushing CA, Lowe KA, Sceurman B, Roberts MA. Meta-analysis of animal fat or animal protein intake and colorectal cancer. Am J Clin Nutr 2009;89(5):1402-9.

12. Alexander DD, Waterbor J, Hughes T, Funkhouser E, Grizzle W, Manne U. Racial disparities in colorectal cancer mortality and survival by data source: an epidemiologic review. Cancer Biomark 2007A;3(6):301-13.

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