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Cana-de-açúcar + 1% uréia – Onde está a limitação?

A cana-de-açúcar tornou-se volumoso comum nas propriedades leiteiras do Brasil, onde desde a década de 70, recomenda-se o uso concomitante de cana+uréia. O primeiro experimento com uréia na dieta de vacas em lactação foi realizado no final da década de 1930, na Universidade de Wisconsin (Estados Unidos). Neste trabalho, os volumosos utilizados foram: feno de gramínea e silagem de milho. A uréia foi comparada com o farelo de linhaça, ao longo de três lactações.

As vacas produziram aproximadamente 4000 kg de leite por lactação, independente da fonte protéica. Os autores concluíram que a uréia poderia substituir o farelo protéico com sucesso. Com base nos resultados deste primeiro experimento, que não testou níveis de uréia, os autores recomendaram o nível máximo de inclusão de uréia de 1% da matéria seca da ração total ou 3% da matéria seca da mistura de concentrados. Neste trabalho, o nitrogênio da uréia constituiu 27% do nitrogênio total da ração.

Desde então, vários pesquisadores estudaram diferentes níveis de inclusão de uréia na mistura de concentrados. Pôde-se concluir que o limite máximo de inclusão de uréia no concentrado, sem efeitos deletérios no consumo de alimentos e no desempenho, variava entre 1,5 e 3% da MS, sendo as vacas de maior produção mais afetadas negativamente com maiores níveis de uréia. Também foram determinados outros parâmetros determinantes da inclusão máxima de uréia nas rações como 40 a 50 g/100 kg de peso vivo ou 1/3 do nitrogênio total da ração.

Por fim, passou-se a entender que os efeitos deletérios da uréia sobre o consumo de alimentos são causados pela palatabilidade e também por efeitos metabólicos (Huber e Kung, 1981).

Um experimento bem conhecido sobre “níveis de uréia na cana” foi conduzido por Alvarez e Preston (1976), no México. Cinqüenta novilhos foram alimentados com 1 kg de farelo de arroz e cana-de-açúcar picada adicionada de solução aquosa de melaço mais uréia, fornecida a vontade. As respostas mensuradas (consumo, ganho de peso e conversão alimentar) apresentaram efeito quadrático e os melhores resultados foram obtidos quando a uréia foi adicionada na dose 35 g/kg de MS da dieta, aproximadamente 1% da matéria natural.

Este e outros trabalhos realizados na região do Caribe sustentam o uso da tecnologia “cana + 1% uréia”, bastante difundida em nosso país. Mas a recomendação deste nível de uréia (3,5% da MS) não vai contra os valores citados anteriormente (1% da MS)? Como ficaria a regulação do consumo via palatabilidade e/ou metabolismo?

Uma simulação foi realizada utilizando uma vaca em lactação de 580 kg.

Assumiu-se o consumo de cana-de-açúcar igual a 11 kg de matéria seca, o que equivale a aproximadamente 35 kg de cana fresca. Este é um ponto extremamente delicado, pois na prática este consumo só tem ocorrido em condições ótimas de manejo.

Quando somente a cana-de-açúcar foi inserida na ração observamos que a produção potencial com base na energia era de aproximadamente 6 kg de leite, entretanto, não havia disponibilidade de proteína para produção e nem para atender totalmente a exigência de mantença. Por isto, a uréia foi adicionada gradualmente até que o balanço de proteína degradável no rúmen (PDR) fosse nulo (dieta “2,6% uréia”). Neste ponto, a produção de leite potencial média, indicada pelos modelos, foi 4,6 kg de leite (4,03 a 6,10 kg).

A adição de 2,6% de uréia na cana-de-açúcar (% MS) (0,78% de uréia na matéria natural) corrigiu a deficiência de PDR, entretanto, para que o potencial energético da cana fosse totalmente aproveitado havia falta de proteína não degradável no rúmen (PNDR). Para corrigir o déficit de PNDR adicionou-se farelo de soja (1,8 kg de MS ou 13,9% da MS) e reduziu-se os o nível de uréia (1,1% da MS) até que o balanço de PDR fosse nulo e os potenciais de produção de leite com base na energia e na proteína se igualassem (dieta “1,1% uréia + F. soja”). O potencial de produção aumentou para 10,7 kg de leite (9,7 a 11,6 kg). Além disso, a menor dose de uréia diminui as chances de ocorrência de problemas com redução de consumo.

Considerando o potencial de aumento na produção de leite de 4,6 para 10,7 kg, as chances de ganhos financeiros com a inclusão do farelo protéico são grandes.

Em um estudo com vacas leiteiras mestiças (425 kg PV) envolvendo um tratamento com apenas cana-de-açúcar, uréia e minerais (Tabela 1). O consumo de matéria seca foi muito inferior ao assumido na simulação (5 vs 11 kg/d). Embora no mesmo patamar, a produção de leite no experimento foi superior àquela na simulação (5,8 vs 4,6 kg/d). Obviamente, esta situação não se sustentaria por muito tempo, já que houve perda de peso considerável desencadeada por balança energético negativo, causado pelo baixo consumo. Assim como na simulação, houve melhora no desempenho com a suplementação de farelos protéicos, que pode ser explicada parcialmente pelo aumento no consumo de matéria seca (Tabela 1).

A utilização de um farelo protéico associado à uréia é um caminho mais eficiente do que o uso isolado de uréia para corrigir o déficit protéico da cana-deaçúcar. Vale ressaltar que o uso cana+ureia nos mostra ser opção para manutenção de rebanhos em épocas de escassez, porém não com objetivo de produção animal.

Outro ponto extremamente importante para se comentar da cana-de-açúcar é que apesar de existir limitação proteica em sua composição, a maior vantagem deste volumoso é a sua grande contribuição de ordem energética. Assim, quando o produtor pensa em produção eficiente e sustentável com cana-de-açúcar, não apenas ureia deve ser levada em consideração, mais sim o sistema como um todo.

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