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Campo tem que ser, e parecer, sustentável

Em franca expansão desde o fim dos anos 1990, após superar sucessivas crises de endividamento e passar a contar com um câmbio mais favorável às exportações, o agronegócio brasileiro vive a fase final de uma prova de fogo. Mesmo com a pandemia, manteve o ritmo e consolidou o país como um fornecedor global confiável de alimentos, com oferta robusta de grãos, carnes e muitos outros produtos. Mas a manutenção dessa posição dependerá de melhorias socioambientais capazes de mudar uma imagem ainda arranhada por estragos localizados que, em meio a uma forte pressão internacional, ameaçam afetar esse avanço.

Lideranças como Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasil (SRB), Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), e André Nassar, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), entre outras, além dos CEO de todas as grandes empresas do setor instaladas no país, não cansam de repetir: para fazer valer sua força e ampliar conquistas, o agro brasileiro tem que ser – e parecer – sustentável. Cumprida essa tarefa, vai superar seus desafios com louvor.

Musculatura para isso não falta. Segundo dados do Ministério da Agricultura, o valor bruto da produção (VBP) agropecuária do Brasil (“da porteira para dentro”) deverá somar R$ 1,1 trilhão em 2021, 53,4% mais que em 2011 (R$ 701,54 bilhões) e resultado quase três vezes superior ao de 2001. Esse crescimento sem paralelo é ancorado em um mercado doméstico pujante, apesar das recorrentes turbulências econômicas, e turbinado por exportações que superam US$ 100 bilhões por ano e chegam ao mundo todo, embora a China atualmente seja, de longe, o principal destino.

“Embaixador” mais conhecido do agronegócio brasileiro, Roberto Rodrigues sustenta que, por essas e outras razões, o Brasil deveria ser reconhecido inclusive como um agente de manutenção de equilíbrio mundial – não por outro motivo, ele foi o formulado da indicação do ex-ministro Alysson Paolinelli ao Prêmio Nobel da Paz deste ano, pelo estímulo à agricultura no Cerrado. Mas ele concorda que a imagem socioambiental do país tem que melhorar, sobretudo num mundo que poderá se tornar cada vez mais protecionista no pós-pandemia.

“Desmatamento ilegal, desrespeito ao Código Florestal e grilagem são inconcebíveis”, diz Rodrigues. “E também temos que resolver as questões fundiárias na Amazônia, porque há pequenos produtores que há mais de 30 anos esperam ter sua situação regularizada”. Segundo o ex-ministro, que participa do conselho de administração de diversas companhias importantes do setor, como BRF e Fertilizantes Heringer, os temas ligados às áreas ambiental, social e de governança transcendem os produtores e envolvem também as indústrias, mas, respeitadas as melhores práticas, as janelas estão abertas. “E não só para os produtos do agronegócio, mas também para tecnologias, máquinas e know how industrial”.

De olho nessas crescentes exigências, grandes multinacionais como as americanas Cargill, Bunge e ADM renovaram recentemente compromissos com o desmatamento zero na Amazônia e sinalizaram que adotarão a mesmo postura no Cerrado nos próximos anos. Sob pressão de consumidores e varejistas, principalmente europeus, as múltis já rastreiam sua cadeia de suprimento e começam a cercar fornecedores indiretos, responsáveis pela maior parte dos casos em que são associadas a desmates ilegais.

“O Brasil é cada vez mais importante no mundo, e sua participação nos nossos negócios é crescente. Nosso compromisso com a sustentabilidade da produção no país, bem como na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, é total”, afirma Domingo Lastra, CEO da ADM na América Latina. Em recente entrevista ao Valor, Paulo Sousa, presidente da Cargill no Brasil – onde a receita líquida foi de quase R$ 70 bilhões em 2020 -, bateu na mesma tecla. Cargill, ADM e Bunge estão entre as maiores tradings exportadoras de soja e milho do país.

Em tempos de preços elevados desses grãos no mercado internacional, as atenções estão ainda mais voltadas ao Brasil, onde o desmatamento voltou a aumentar de forma expressiva nos últimos anos. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o país lidera as exportações globais de soja, com previsão de embarques de 86 milhões de toneladas nesta safra 2020/21, e é o segundo no ranking do milho, com 35 milhões.

Outra cadeia produtiva que tem sofrido enorme pressão de ambientalistas, governos europeus e investidores é a de carne bovina. E as brasileiras JBS, Marfrig e Minerva, três das maiores do setor do mundo, também já responderam ao chamado. As três, que juntas faturam quase R$ 300 bilhões por ano estão rastreando suas cadeias de suprimento na Amazônia, incluindo os fornecedores indiretos, e estabelecendo metas para zerar as emissões líquidas de fases de efeitos estufa. Paralelamente, investem em alternativas vegetais às carnes, mercado que está com forte crescimento da demanda no mundo e no Brasil.

Para monitorar a área “ESG” e colaborar com o desenvolvimento de novos produtos de maior valor agregado, o agronegócio brasileiro conta, atualmente, com toda uma miríade de soluções e ferramentas tecnológicas que ganharam ainda mais força durante a pandemia, em razão das restrições necessárias para conter o avanço da covid-19. Hubs de agtechs se multiplicam pelo país e já reúnem centenas de startups em polos como o de Piracicaba, no interior de São Paulo, o maior estabelecido até agora.

Com essas inovações digitais – que em algumas regiões ainda enfrentam problemas de conectividade para serem acessadas por produtores e agroindústrias -, é possível monitorar clima, aplicação de insumos, desenvolvimento de lavouras, comportamento de animais, entre muitas outras aplicações. Ou seja, só não sustentável quem não quer, e quem não quer vai perder o bonde.

Fonte: Valor Econômico.

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