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Bruna Moreira, a charcuteira que mostra que trabalhar com carne é coisa de mulher

Bruna Moreira é a 63a entrevistada do projeto “Todo Dia Delas”, que celebra 365 Mulheres no HuffPost Brasil.

“Sou da roça, do Pereira, distrito de Santa Luz. É no interior do interior, sertãozão, semiárido, nordeste da Bahia”. É assim que Bruna Moreira se apresenta. E nem precisava dizer, o sotaque denuncia. O jeitinho particular das sílabas iniciadas com D e T, na sua fala mansa e sucinta, entregam que ela veio de longe. Hoje, mora em Salvador, e exerce uma profissão um pouquinho diferente: a charcutaria.

A palavra vem do francês “Charcuterie”, uma junção de chair (carne) e cuit (cozido). O nome é estranho, mas se você assistiu a alguma das últimas temporadas do Masterchef Brasil, deve estar mais do que craque no assunto. Essa modalidade culinária é mais antiga do que a história humana pode documentar – então vamos dar uma revisada no assunto.

Juh Almeida/Especial para o HuffPost Brasil

A verdade é que Bruna sempre gostou de cozinhar e viu na charcutaria um jeito de fazer o que gosta — e romper com uma lógica machista.

A charcutaria é arte do preparo, inicialmente para fins de preservação, de qualquer tipo de carne. Os resultados dessa alquimia são vários. Deste processo, saem os presuntos, salames, salsichas, linguiças, defumados e a carne do sol, por exemplo. Não há registro de quando o método começou a ser usado, e Bruna garante que ele figura na própria história da evolução humana. A preservação dos alimentos, em especial das carnes, permitiu que a humanidade sobrevivesse durante períodos de escassez e possibilitou longas viagens de migração, onde nem sempre era possível obter alimentos frescos diariamente.

As técnicas de preparo são infinitas. E, apesar da grande variedade, o grau de complexidade é apenas aparente: uma boa carne, sal e especiarias, são o suficiente para que a “mágica” aconteça. “É uma coisa bem medieval, é ancestral. Dizem que o homo sapiens evoluiu uma fase quando descobriu o fogo e começou a cozinhar, né? Eu acho uma coisa muito bonita”.

Juh Almeida/Especial para o HuffPost Brasil

Do processo de charcutaria, saem os presuntos, salames, salsichas, linguiças, defumados e a carne do sol, por exemplo.

A verdade é que Bruna sempre gostou de cozinhar. Entre as brincadeiras que mais lembra da infância, está uma específica na qual ela e os amigos passavam de barraca em barraca na feira, pedindo para cada vendedor um exemplar de seus produtos. Juntavam o que conseguiam arrecadar, e rumavam para debaixo de um umbuzeiro que tinha na roça. Lá, acendiam o fogo e preparavam um prato com o que tinha. “Eu não lembro de ser bom o gosto (risos). Mas era massa, desde essa época eu já inventava algumas coisas”, conta.

Às vezes errava o ponto de um prato ou outro, deslize que era atribuído ao fato de escrever com a mão esquerda. “Eu sou canhota, então minha mãe me dizia que eu tinha nascido com a mão errada para fazer as coisas (risos). Imagine! No interior tem um pouco de preconceito com isso”, se diverte. Mesmo com essa “particularidade”, continuava cozinhando coisinhas para os dois irmãos e alguns amigos.

Veio para a cidade grande aos 13 anos, quando o padrasto conseguiu um emprego em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. E mesmo com todas as setas apontando que o seu caminho era na cozinha, demorou a se dar conta. Fez curso de perfuração de poço, estudou biologia e largou, foi parar no interior do Piauí para estudar zootecnia, desistiu. De volta a capital baiana, no entanto, ficou sabendo da existência do curso de gastronomia, no qual poderia pôr em prática todas aquelas brincadeiras de criança. Fez vestibular, passou e começou a cursar.

E foi bem no comecinho, logo no terceiro semestre, que encontrou a sua vocação. Em uma disciplina sobre carnes, foi lhe passada a tarefa de pesquisar sobre a charcutaria. E ela não parou nunca mais. “Pesquisei, pesquisei e pesquisei. Fui para Minas Gerais fazer um curso com Mário Portela, que é um grande nome da charcutaria. E quando voltei comecei a desenvolver os meus próprios produtos”.

Antes de trabalhar como charcuteira, Bruna fez curso de perfuração de poço, estudou biologia, foi parar no interior do Piauí para estudar zootecnia…
Fez linguiça de frutos do mar, de porco, de bode, de caranguejo e, com essa última, ganhou o concurso Nordeste Gourmet. “Eu descobri que não tinha limites (risos). Dá para fazer de tudo!”, garante. Estagiou no restaurante Amado, cozinhou na área vip da Arena Fonte Nova durante a Copa do Mundo de 2014, e depois tomou o rumo para São Paulo.

Na terra da garoa, cozinhou para o chef André Mifano, no Vito, e igualmente no Esquina Mocotó, sob o comando de Rodrigo Oliveira, especializado em comida regional. “Era muito louco ver os playboys se deslocando para o outro lado de São Paulo para comer buchada, comida nordestina. Foi bem marcante, eu consegui muito além do que achava que ia conseguir. Foi resultado de muito trabalho e dedicação, que rendeu muitos frutos quando decidi voltar para casa”.

Atualmente ela assina os defumados, curados e embutidos da hamburgueria Bravo, que possui três unidades na capital baiana.

Apesar do protagonismo na área em Salvador, Bruna conta que a profissão de charcuteira, assim, no feminino, é coisa rara de encontrar. “A área da carne, do fogo, é bem masculina. As mulheres são poucas. Quando você fala que trabalha com carne, a galera dá uma duvidada do seu potencial. Mas aí a gente vai lá e quebra tudo”, se diverte.

Atualmente, assina os defumados, curados e embutidos da hamburgueria Bravo, que possui três unidades na capital baiana – o carro chefe da casa foi eleito, no ano passado, o melhor hambúrguer do Brasil no prêmio Melhores do Ano Prazeres da Mesa. Ao lado do chefe Rafael Zacarias, Bruna é extremamente criteriosa com a matéria-prima que trabalha. “Aqui a gente faz absolutamente tudo: os molhos, as carnes, os pães. É tudo homemaid. E, nas carnes que eu trabalho, eu tento usar só as especiarias e a temperatura para ter um resultado legal”.

Na pele, as suas origens estão marcadas — assim como sua paixão pelo trabalho com a carne.

Em todos esses lugares que trabalhou, um aspecto de sua personalidade sempre esteve presente, gritando em alto e bom tom: suas raízes. Nos braços, as tatuagens de uma mulher carregando uma lata d’água na cabeça, um bode em cima de um umbuzeiro e o contorno de uma vaca e um porquinho dão uma pista disso.

“Tenho muito orgulho de onde eu vim, é uma parada que, em todo lugar que eu vou, eu falo do Pereira. O pessoal até brinca que o Pereira não deve existir, que é invenção da minha cabeça (risos). É muito forte a relação que eu tenho com a caatinga, com o semiárido. É impossível para mim não falar do Nordeste, me orgulho demais dessa resistência que a gente carrega”.

Bruna nasceu na roça, no Pereira, distrito de Santa Luz, no interior do interior, sertãozão, semiárido, nordeste da Bahia.

Para manter essa ligação forte e afinada, igualmente presta consultoria para pequenos produtores de agricultura familiar da região de onde veio. “É um ciclo, a gente sabe de onde vem, quem tá produzindo. As famílias estão sobrevivendo nessa prática. Nem todo mundo tem o sonho de sair de lá. Eles têm que ter a oportunidade de poder ficar. Ver as famílias recebendo justamente pelo o que estão produzindo para mim é o mais foda”.

Antes, no Pereira, Bruna não se arriscava chegar perto da churrasqueira nos encontros de família – afinal, sempre tinha “um homem para comandar a grelha”. Hoje em dia, quando se reúne com os irmãos para assar um bode ou uma linguiça que ela mesma preparou, ela só precisa fazer uma coisinha. Pigarreia, e do alto de seus 1,60, fala: “dá licença aqui, deixa comigo”.

Fonte: https://www.huffpostbrasil.com.

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