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Brasil lidera na OMC questionamento sobre plano europeu antidesmatamento

O regulamento da União Europeia (UE) para interditar a entrada no mercado europeu de commodities vinculadas ao desmatamento e à degradação das florestas provocou crescentes questionamentos esta semana na Organização Mundial do Comércio (OMC), ilustrando a sensibilidade e o potencial de confrontação do tema. 

Brasil, Argentina e Paraguai colocaram a questão no Comitê de Agricultura da OMC sobre o regulamento europeu visando ter “produtos livres de desmatamento”. Estados Unidos, Canadá, Indonésia, Tailândia, Colômbia e Equador apoiaram os sulamericanos em plenário, conforme o Valor apurou. 

Em novembro de 2021, uma proposta da Comissão Europeia, o braço executivo da UE, listou seis commodities a serem alvejadas, representando a maior parte do desmatamento induzido pelo bloco: óleo de palma (33,95%), soja (32,83%), madeira (8,62%), cacau (7,54%), café (7,01%) e carne bovina (5,01%).

A proposta está em discussão agora entre os 27 países-membros e o Parlamento. A Bélgica já defendeu que seja avaliado impacto ambiental de cana-de-açúcar, por exemplo, para eventual alargamento da lista. A Holanda sugeriu a inclusão de milho e borracha.

Em reunião do Comitê de Agricultura da OMC, esta semana, Brasil, Argentina e Paraguai procuraram mostrar contradições nas práticas europeias. 

Citaram que em 2019 aproximadamente 34% das emissões globais de gases de efeito estufa vieram do setor energético e 24% da indústria, comparado a 22% de agricultura, silvicultura e outros usos da terra. 

Observaram que, em comparação com países em desenvolvimento, como o Brasil, a UE tem em média porcentagens mais altas de terras agrícolas do total da terra, como também porcentagens mais baixas de área florestal em seu território “por causa de desenvolvimento liderado pelo desmatamento”. 

Ainda no ataque, Brasil, Argentina e Paraguai argumentaram que foi observado “um aumento na área florestal alterada (49%) e um aumento na perda de biomassa (69%) na Europa para o período de 2016-2018 em relação a 2011-2015, com grandes perdas ocorrendo na Península Ibérica, nos países nórdicos e nos bálticos”. 

Citaram imagens de satélite que revelariam que “o tamanho médio da área alterada aumentou em 34% em toda a Europa, com efeitos potenciais na biodiversidade, erosão do solo e regulação da água”.

Com isso, os três países do Mercosul indagaram à UE como Bruxelas poderia explicar a razão de adotar proibições de importação para conter o desmatamento e a degradação das florestas, em vez de medidas menos restritivas ao comércio. 

Também levando em conta os dados sobre aumento da área florestal alterada na UE e considerando os objetivos globais do Pacto Verde Europeu, indagaram por que a UE optou por aplicar proibições de importação focalizadas em bens agrícolas e políticas de uso da terra, “portanto, para discriminar os países em desenvolvimento que dependem do setor agrícola para fomentar seu desenvolvimento”, vis-à-vis os bens industriais e o uso de fontes “sujas” de energia nos processos de produção. 

Em sua resposta a Brasil, Argentina e Paraguai, a União Europeia explicou que sua proposta antidesmatamento visa garantir que todos os produtores dentro e fora do mercado da UE cumpram as mesmas exigências para prevenção do desmatamento e proteção florestal. Reiterou que a legislação em negociação não vai impor restrição a importações e nem será discriminatória. 

Os europeus deixaram claro também que essa é uma tendência internacional, frisando que outros países planejam adotar medidas idênticas antidesmatamento. 

Os Estados Unidos, um dos países nessa direção, de um lado, compartilharam o objetivo da UE de reduzir o desmatamento e a degradação florestal, mas de outro se juntaram a questionamentos sobre a cobertura da legislação proposta. 

Para Washington, qualquer legislação nessa área deve reconhecer as políticas e programas existentes para promover o reflorestamento, educar e oferecer assistência técnica aos agricultores para aumentar de forma sustentável a produtividade nas terras agrícolas existentes e eliminar a necessidade e os incentivos para o futuro desmatamento. 

Na mesma linha, o Canadá defendeu que ações e regulamentações para promover maior sustentabilidade nas cadeias de abastecimento devem levar em conta “todos os aspectos da sustentabilidade – social, econômica e ambiental – e não criar barreiras comerciais desnecessárias”. E devem ser baseadas na ciência, ser previsíveis e considerar as realidades da produção, transformação e comercialização de produtos, para que sejam aplicáveis em diferentes países e produtos. 

A Indonésia, que teme a regulação da UE sobre suas vendas de café e óleo de palma, qualificou a política de produtos livres de desmatamento de ser “uma medida unilateral que provavelmente será inconsistente com as regras da OMC e reforça o protecionismo e dificulta, em vez de incentivar, os esforços de outros países para enfrentar mudança climática ou alcançar a segurança alimentar”. E pediu para os outros membros da OMC monitorar o plano do bloco europeu. 

De seu lado, a Tailândia disse que a regulamentação europeia será uma carga adicional para os parceiros comerciais. O Equador reclamou que o plano europeu afetaria “em grande medida produtos originários de zonas tropicais” e que Bruxelas “busca efeitos extraterritoriais sobre florestas que não existem na União Europeia”. A Colômbia disse estar preocupada com uma medida “contraproducente e propensa a discriminar, já que se centra em produtos estrangeiros”. 

Na fase final da reunião, o Brasil voltou à carga, acusando “atores internacionais relevantes” de associar de forma “deliberada e erroneamente” o crescimento da agricultura brasileira com práticas ilegítimas. “Esses ataques são acompanhados pela adoção de medidas restritivas ao comércio agrícola internacional, que visam as importações do Brasil”, acusou. 

A delegação brasileira disse que o Brasil está consciente “da crescente preocupação dos consumidores e da sociedade civil com as questões ambientais, a urgência da ação climática e o imperativo de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”. 

Mas reiterou que “não há dúvida que os argumentos ambientalistas têm sido instrumentalizados por interesses comerciais protecionistas”. E que um fator adicional de preocupação “é a responsabilidade desproporcional pelas altas emissões de gases de efeito estufa atribuídas pela imprensa internacional e pela opinião pública à agricultura (do mundo, não apenas do Brasil), com um esquecimento ‘conveniente’ do papel central dos sistemas de transporte, aquecimento doméstico e eletricidade obtidos a partir de combustíveis fósseis”. 

Para o Brasil, “por trás das propostas que aumentam a responsabilidade das empresas pelos padrões ambientais de suas cadeias de abastecimento há um enfoque discriminatório, que redefine de forma inconsistente o que constitui sustentabilidade nos sistemas de produção de alimentos”. 

O Brasil mencionou projeção de que a população mundial atingirá 9,7 bilhões em 2050, o que resultará em crescente demanda por alimentos, especialmente grãos e proteínas, com desafio adicional para aumentar a produção de forma sustentável. E garantiu que sua agricultura está adotando, a taxas crescentes, processos de produção cada vez mais sustentáveis. 

Essa confrontação na OMC foi antecedido por notícias na imprensa europeia sobre “desmatamento recorde na Amazônia em fevereiro”, como publicou o site da Rádio e Televisão Suíça (RTS). “Clima: a transformação da Amazônia pode ser mais rápida do que previsto”, publicou o jornal francês de economia ‘Les Échos’. 

Fonte: Valor Econômico.

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