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24 de março de 2009
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26 de março de 2009

Boi – o custo dos equívocos

A crise global chegou com os efeitos de redução de liquidez financeira e ajustes nos mercados consumidores. Certamente é preciso reforçar linhas de crédito e maior apoio do governo. Não podemos, porém, continuar ignorando que a perda do nosso maior cliente, a União Europeia, tem efeitos igualmente importantes e que o sistema de rastreabilidade individual de bovinos pode, hoje, não ser a vergonha que era em 2007, porém, não tem a eficiência que atenda às necessidades do mercado, situação inaceitável neste momento de crise.

Como resultado da gestão equivocada, para não usar a palavra irresponsável, na implantação de um sistema de rastreabilidade individual de bovinos, exigência exagerada da União Europeia (UE), porém prometida pelo Brasil e, portanto, de cumprimento obrigatório, começamos a perder a exportação de carne bovina para aquele mercado em 2007.

Era o principal mercado do Brasil, absorvendo, em 2006, exportações de US$ 1,16 bilhão, 37% do total embarcado em receita, ou 23% em volume, com 314,35 mil toneladas. Em 2008, o Brasil exportou para a União Europeia só US$ 270 milhões, uma retração certamente significativa.

Não se perde o principal cliente impunemente. O custo desta enorme perda começa a chegar. O fechamento de unidades industriais de abate de bovinos e, agora, a inadimplência financeira das empresas causam grande preocupação a todos. A queda de preços dos bovinos volta a desestimular a produção.

A UE era compradora de cortes bovinos de alto valor. Filé, contrafilé e alcatra eram vendidos a preço elevado, garantindo cotação média de US$ 3.690 a tonelada, 58% superior ao preço médio pago pela Rússia, segundo maior cliente, com US$ 2.335 por tonelada de cortes basicamente do dianteiro do boi, menos valorizados.

A receita vinda da UE, que comprava parte pequena da carcaça bovina, porém, muito valorizada, era essencial na formação de valor de toda a cadeia produtiva. O volume de 23% embarcado em 2006 para a UE é de grande significado, mas, quando se sabe que essa quantidade era obtida de parte pequena da carcaça, a importância daquele mercado precisa ser destacada.

A perda do mercado europeu não teve efeito imediato no produtor, pois ocorreu em momento de pouca oferta de animais, resultado de anos de preços baixos para o pecuarista. A pecuária de corte é uma atividade de ciclo longo e os ajustes na produção demoram para repercutir nos mercados.

Os cortes valorizados, que não foram exportados, encontraram, em 2008, o consumidor interno com boa renda e ávido para aproveitar ofertas no varejo. O pecuarista viu os preços se sustentarem. A queda na receita total certamente afetou o resultado dos frigoríficos.

O incidente, em 2007, encontrou a indústria frigorífica em euforia. Anos de crescimento nas exportações tinham ocorrido, pois saímos de exportações de US$ 776 milhões, em 2002, para US$ 4 bilhões, em 2008. O período de crescimento das exportações encontrou grande oferta de bovinos, resultado de significativos aumentos de produtividade zootécnica em anos passados. O aumento da oferta reduziu os preços recebidos pelos pecuaristas.

Paralelamente, vivíamos o boom global, em que a excessiva liquidez de mercados financeiros internacionais priorizava ações de captação de recursos e abertura de capital. A prioridade da indústria frigorífica era crescer e se consolidar. A preocupação com os mercados, interno e externo, e com a estabilidade de suprimentos de bovinos inexistia.

O Ministério da Agricultura reagiu lentamente ao descredenciamento europeu, que levou à perda de mercado e de credibilidade. O sistema de rastreabilidade foi sendo reconstruído, atendendo exigências agora ainda maiores da UE. A auditoria, ocorrida no fim de 2008, teria encontrado poucos problemas.

As exportações para a UE continuam, mas em volumes menores por falta de animais que atendam às exigências da rastreabilidade. Exportamos hoje o mesmo que há 10 anos. O sistema de rastreabilidade atual parece ter conquistado certa credibilidade externa. Porém, o rebanho credenciado a ter sua carne exportada é ainda muito pequeno, por causa da dificuldade de inserção de bovinos no sistema. Os procedimentos introduzidos pelo Ministério da Agricultura criaram uma brutal lentidão burocrática que dissemina somente descrença e desânimo entre os pecuaristas.

A crise global chegou com os efeitos de redução de liquidez financeira e ajustes nos mercados consumidores. Certamente é preciso reforçar linhas de crédito e maior apoio do governo.

Não podemos, porém, continuar ignorando que a perda do nosso maior cliente, a União Europeia, tem efeitos igualmente importantes e que o sistema de rastreabilidade individual de bovinos pode, hoje, não ser a vergonha que era em 2007, porém, não tem a eficiência que atenda às necessidades do mercado, situação inaceitável neste momento de crise.

0 Comments

  1. Fabiano Santos Junqueira disse:

    Sou professor de Bovinocultura de corte em duas faculdades em MG, Unipac e Unifor, e falo isto aos meus alunos:

    A culpa pela perda do mercado europeu é nossa! Achavamos que o “jeitinho brasileiro”, com um sistema de rastreabilidasde horroroso, com bois sendo rastreados por telefone e brincados no dia do abate, não ia dar em nada. Deu!

    Agora é fazer o mea-culpa e correr atrás do prejuízo, lembrando que limpar um nome sujo é bem mais difícil que manter um nome limpo.

  2. Virgilio José Pacheco de Senna disse:

    Dr. Pedro Camargo,

    Parabens, o que é necessario no Brasil é se falar a verdade, como no seu artigo que tenho a felicidade de ler neste momento. O SISBOV ao meu ver é muito
    complicado, o Ministerio da Agricultura e Ministerio das Relações são lentos e não brigam pelo nosso produtor, é o Brasil que faz de conta, e o Agronegocio
    sofrendo da UE, MST, INDIOS,IBAMA, e agora temos o Sr. MINC contra a Pecuária.

    Abraço fraternal e vamos em frente.

  3. JOSÉ ANTÔNIO VERONESI disse:

    Parabéns ao Sr. Pedro de Camargo Neto que faz uma análise dos fatos de forma clara e objetiva.

    Fora as bravatas, precisamos discutir rastreabilidade, sanidade e outros problemas da pecuária com a ponderação necessária e ter responsabilidade nas decisões. O que prometemos e nos propomos a fazer temos que cumprir, porém, antes de tudo precisamos ver a viabilidade prática daquilo prometido.

    Fomos muito submissos ou ingênuos ao aceitarmos condições inviáveis na prática, no dia a dia das fazendas, nos leilões e nos currais dos frigoríficos, gerando a desconfiança e descrédito que nos baniu daquele mercado (UE).

    Fomos fracos ao defender nossa carne perante o lobby dos Irlandeses.

    Precisamos fortalecer nossas entidades representativas e tornar o nosso produto respeitado, procurado pelo mercado internacional.

  4. José Ricardo Skowronek Rezende disse:

    Agora só resta correr atrás do prejuizo. O que não faz sentido é abrir mão do mercado que melhor remunera nossa carne, principalmente em tempos de crise. E enquanto o volume de animais habilitados a serem exportados não crescer o diferencial de preços continuará atraente para os poucos que conseguirem atender as exigências.

  5. mauro terracini disse:

    Estou cansado deste bla-bla-bla sobre rasteabilidade! Desisti faz tempo após gastos substanciais, pois os frigorificos jamais pagaram um centavo pelo certificado. Coitados gastaram até o capital de giro em derivativos, sem contar é claro os R$ 500 milhões em bois vendidos, recebidos, mas não pagos aos pecuaristas.

    Mas o BNDES esta aqui para isto e os pecuaristas não verão um centavo deste dinheiro.

  6. Alexey Heronville Gonçalves da Silva disse:

    Acho que é a primeira vez que leio algo sucinto, claro e objetivo e, como não poderia deixar de ser, correto sob o ponto de vista técnico, sobre a questão “rastreabilidade e União Européia” no mercado de carne bovina brasileiro.

    Parabéns ao autor. E olha que ele é uma autoridade no mercado suíno!

  7. José Daniel Souza Basso disse:

    Concordo e acrescento.

    Por favor Srs. ministros ajudem os pecuaristas a inserir seus animais no sistema de dados e aproveitem para estimular manejo adequado para evitarmos perdas significativas de carnes por contusões.

    Meu trabalho me faz ver que pecuaristas e frigoríficos estão perdendo em demasia. O pecuarista perde em peso/animal abatido e o frigorífico perde em corte de primeira, baixando ainda mais o número de peças que poderiam ir para a UE. Já disse e repito, não adianta culpar o transporte, devemos cuidar de estradas vicinais, asfaltadas e principalmente devemos cuidar do manejo pré-embarque.

  8. Claudecir Mathias Scarmagnani disse:

    Companheiros,

    Parabéns pela reportagem, os números relatados são o suficiente para dar uma bela dimensão do quanto é importante a UE para nossas exportações.

  9. Dr. Vinicius Paro disse:

    Estamos nos dias de hoje vivendo em um mercado onde os pecuaristas não possuem união para exigir preços melhores, frigorificos unidos através de suas associações e declarando falsas verdades.

    Uma verdade é certa, frigorificos captando dinheiro público a cada dia, mas sem a certeza de poder quitar ou mesmo honrar as suas dividas, governos avalizando pensando mais politicamente do que com os pés no chão e no meio dessa história o pobre pecuarista, que as vezes pega uma carga de bois para pagar a faculdade, necessidades básicas e se depara com a surpresa de que não irá receber do frigorifico os animais que perduraram em sua fazenda ou sitio por 3 anos (economia de 3 anos) senão mais.

    Saudades do Pratini.

    “Isso é uma vergonha”

  10. Virgilio José Pacheco de Senna disse:

    Dr. Pedro Camargo,

    Parabéns, no Brasil é necessário que se fale a verdade, basta de tanta desculpa, o Agronegocio sofre cada dia mais com SISBOV, MST, Dr. Minc, IBAMA, UE, etc.

    O MAPA e Ministério das Relações (Itamaraty) são muito lentos e não defendem com muita garra a nossa pecuária.

    Aguardo os seus próximos artigos, a Pecuária Nacional lhe deve muito,

    Abraço fraternal.

  11. Pedro Eduardo de Felício disse:

    Dr. Pedro de Camargo Neto – gostei muito do se artigo e o recomendarei aos meus alunos que leiam para entender melhor o momento que estamos vivendo na indústria da carne (pecuária mais frigoríficos).

    Também quero lhe pedir licença para lembrar que, no mesmo ano de 2007, enquanto mobilizavam o Parlamento Europeu contra a carne do Brasil, o Reino Unido registrou 67 e a Irlanda 25 casos de EEB (BSE ou mal da vaca louca). E o vírus da febre aftosa escapou do IAH (Instituto de Saúde Animal) em Pirbright, Surrey por uma tubulação furada que levava material para esterilização no mesmo conjunto de prédios de laboratórios, causando 2 surtos em fazendas vizinhas, em agosto, e mais 3 surtos, em setembro, em Egham, a 16 km dos primeiros.

    Com base nisso e em reuniões que tive em Portugal e França, fiquei com a impressão que não voltaremos tão cedo à condição anterior em volume de carne exportada para a UE. Os países membros farão o que estiver ao seu alcance para restringir a entrada de alimentos importados, buscando a autosuficiência em nome da segurança alimentar (em outras palavras, evitando dependência de países não membros). Quero muito estar errado a esse respeito.

    Pedro Eduardo de Felício – Unicamp.

  12. Alex Sandro Junior Paes disse:

    Dr Pedro,

    Primeiramente parabéns pelo artigo. E como falo sempre para os meus clientes, “o simples e bem feito é a melhor maneira de se fazer direito”. Temos que vacinar corretamente, agir no preventivo e não esperar perder para correr atrás.

    Abraço.

  13. ROBERTO SCHROEDER disse:

    Consequências da rastreabilidade!

    A restricao de exportacao de carnes brasileiras para a Europa baseada na exigencia de aprovacao das propriedades pelo servico oficial gerou consequencias do outro lado do oceano tambem.

    Em 2007, no auge das exportacoes Brasileiras para a EU-27, o preco do boi no Reino Unido havia caido para £2.00 por quilo vivo (R$ 6,60 por quilo vivo ou R$ 198,00 a arroba ao cambio de hoje), enquanto o custo de producao estava em torno de £2.50. Mesmo os proprietarios rurais recebendo em media 35% do faturamento das propriedades atraves de subsidios, estava dificil manter as propriedades estaveis.

    O guizado, que e como 40% da carne bovina e consumida no Reino Unido, atingiu em janeiro de 2007, £2.00 por quilo na gondola dos supermercados.

    Depois de impostas as restricoes a carne Brasileira a coisa mudou. Em janeiro de 2009 o guizado, que continua sendo responsavel por mais de 40% do consumo de carne bovina no Reino Unido, subiu para £4.00, mas esta mais facil rotula-lo como British Beef. O preco do boi gordo vivo está em £2.80 (R$ 9,24 por quilo vivo ou R$ 277,20) o que cobre os custos dos fazendeiros e sobra um pouco de lucro.

    Com campanhas publicitarias massivas para estimular os consumidores a “buy local” (comprar produtos regionais) e dizendo que as “food miles” (distancia que o alimento tem que viajar da origem ao consumo) sao responsaveis pelo aquecimento global, nao existe uma reacao dos consumidores contra este aumento de preço, afinal carne sempre foi cara mesmo.

    Concordo com o Professor Fabiano Junqueira quando ele afirma que “a culpa pela perda do mercado europeu é nossa”, mas que esta situacao corrigiu distorcoes e acabou gerando uma sitacao mais estavel em alguns paises europeus isto e inegavel.

    A titulo de informacao, a Libra Esterlina, moeda corrente do Reino Unido, continua valendo o mesmo em Reais que em marco de 2008 (1 Libra = 3,30 Reais), pois a Libra perdeu valor em relacao ao Dolar e ao Euro assim como o Real.

  14. Rodrigo Belintani Swain disse:

    Senhores, para UE mudar de atitude com relação a carne brasileira, temos que esconder o grande interesse brasileiro naquele mercado; a qualidade da nossa produção eles nunca terão lá, e vão procurar e até aceitar o trabalho realizado pelo Brasil no controle da movimentação animal.

  15. Humberto de Freitas Tavares disse:

    O prof. Stiglitz (Economics of the Public Sector) ensina que existem quatro causas principais para as barbeiragens do intervencionismo estatal:

    1) Informação deficiente – As conseqüências dos atos do governo são complexas e de difícil previsão.

    Exemplo claro é o Sisbov, que atirou numa suposta “exigência futura do consumidor” e acertou no virtual fechamento da UE a nossa carne bovina, com prejuízos monstruosos para os pecuaristas e para nossa indústria frigorífica.

    2) Controle limitado sobre as respostas do setor privado – Constrói-se um cenário róseo e se depara na vida real com rastreadoras constituídas às pressas para arrancar dinheiro de incautos, com exploração de técnicos, zootecnistas e estagiários como mão de obra escrava, com brincagem no ato de embarque y otras cositas mas.

    3) Controle limitado sobre a burocracia – Os aprendizes de feiticeiro se esqueceram de que precisaria gestão competente e verbas para o Sisbov, resultando em que os estados tiveram que ser sutil (ou brutalmente?) coagidos a colaborar. Previsíveis parcerias escandalosas entre funcionários corruptos e agentes mal-intencionados da “iniciativa privada” provavelmente geraram algumas circulares do DIPOA facilmente obteníveis no site do MAPA, etc, etc. E os pedágios, tão falados?

    4) Limitações impostas pelo processo político – Não basta promulgar o Sisbov; tem que depois conviver com as pressões políticas que o levaram a transformar-se na horrorosa colcha de retalhos de hoje.

    A lição que fica disso tudo é resumida por Stiglitz: Os mercados freqüentemente falham, mas os governos freqüentemente não têm sucesso em corrigir as falhas do sistema de mercado (…) o reconhecimento das limitações do governo implica que este deveria dirigir seus esforços apenas sobre as áreas nas quais as falhas do sistema de mercado sejam as mais significativas E (letra maiúscula bem grande, n. do t.) onde haja evidencia de que a intervenção governamental possa fazer uma diferença significativa.

    SISBOV? Não brinco mais!

  16. Fernando Rossini disse:

    Dr. Pedro Camargo:

    Parabéns pelo discernimento e clareza de idéias. Identifico hoje falhas em todas as fases do processo produtivo e de certificação; são inúmeras as exigências e ao final se o mercado é restritrivo, o produtor não tem nenhum bônus, ou seja, ficou apenas com o ônus do processo. O Ministério cria normas que são difíceis de serem aplicadas na prática, cedendo à pressão dos europeus, estabelecendo planos de implantação que são impossíveis de serem cumpridos.

    Nos frigoríficos o correto manejo pré-abate é, na grande maioria, desconsiderado, pois em um abate recente de uma boiada num frigorífico situado entre os 4 maiores do Brasil, eram colocados 2 animais de cada vez na baia de atordoamento, ficando um animal por cima do outro, pisando no lombo (contra-felé) e na outra ponta da linha de abate podia se ver as carcaças com lesões nos cortes; foi necessário chamar o chefe de matança e pedir para parar de fazer assim.

    Acredito que falta profissionalismo em todos os setores e cabe agora a todos identificar os erros e procurar o caminho correto.

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