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BNDES revê regras de crédito a frigoríficos

As ideias em gestação no BNDES foram levadas à apreciação do Ministério Público Federal (MPF) em caráter consultivo, já que o órgão não tem obrigação de validar regras internas do banco de fomento. Os procuradores ouvidos concordaram com alguma flexibilização do monitoramento dos fornecedores indiretos, mas defenderam outras regras para aumentar o rigor das operações, segundo informações da ata de uma reunião entre representantes do banco e do MPF neste mês.

As regras do BNDES para o segmento de carne bovina foram estabelecidas em uma resolução de 2009, concomitante à criação do programa Carne Legal pelo MPF. Na ocasião, o banco estabeleceu 2016 como prazo para os frigoríficos interessados em operações diretas de financiamento rastrearem toda a cadeia de fornecimento, do nascimento dos animais ao abate.

Até hoje, nenhum frigorífico atendeu essa meta. Nos últimos dois anos, as três maiores companhias do ramo (JBS, Marfrig e Minerva) avançaram nos planos para rastrear suas cadeias, com tecnologias próprias.

Medida crucial

Para ambientalistas, rastrear os pecuaristas que não vendem diretamente gado aos frigoríficos é crucial no combate ao desmatamento. Estudo da The Nature Conservancy (TNC) e da consultoria Bain & Company feito em 2020 em Mato Grosso mostrou que 33% do gado vendido aos frigoríficos no Estado em 2016 estava “contaminado” por desmate (27% de fornecedores indiretos), como informou o Valor.

O BNDES argumenta, porém, que a resolução de 2009 fez com que seus empréstimos ao segmento, que continuou crescendo, tivessem uma redução aguda. Os empréstimos do banco a empresas de abates de bovinos e bubalinos somaram R$ 839 milhões em 2008 e, em 2010, superaram R$ 1 bilhão. Mas, de 2011 em diante, os valores caíram para menos de R$ 300 milhões, chegando a apenas R$ 15 milhões em 2021.

Neste ano, o banco começou a revisar a resolução e avalia desobrigar os frigoríficos de rastrear os fornecedores indiretos caso os projetos tenham propósitos ambientais. Seria o caso de captação de recursos para investir no reflorestamento de fazendas de fornecedores, no rastreamento do gado ou, ainda, em projetos de “proteínas alternativas”, biogás ou bem-estar animal.

“Regra genérica” para pequenos

Para os pequenos e médios abatedouros, o BNDES cogitou até impor uma “regra mais genérica”, sob o argumento de que, como a demanda desses agentes é alta, não seria possível fazer uma “análise artesanal”, segundo a ata da reunião. Em contrapartida, o banco passaria a exigir documentos que comprovem a regularização fundiária no caso dos fornecedores diretos na Amazônia – o que não se exige atualmente.

A instituição também poderia cobrar dos frigoríficos localizados no bioma Amazônia a realização de auditoria de fornecedores, conforme protocolo do MPF. Hoje, apenas as empresas que assinaram TAC com o órgão fazem essa auditoria.

A consulta ao MPF começou em junho, logo depois que o procurador-geral Augusto Aras nomeou o subprocurador Juliano Baiocchi para coordenar a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (de meio ambiente), que organizou os debates no MPF. Em entrevista ao Valor, Baiocchi disse concordar com algumas ideias do BNDES e que “é inviável no Brasil exigir o rastreamento indireto”. “Tanto que o próprio MPF não exige [esse rastreamento] nos protocolos de monitoramento e de auditoria” dos signatários de Termos de Ajustamento de Conduta”, afirmou ele.

A dificuldade para esse rastreamento está na obtenção das Guias de Trânsito Animal (GTAs) das vendas entre pecuaristas, tratadas como dados privados pelos governos estaduais. Os grandes frigoríficos estão adotando tecnologias de blockchain para cadastrar os fornecedores indiretos, mas as iniciativas são consideradas muito caras para empresas de porte menor.

Alguns procuradores que participaram do debate recomendaram que o BNDES abrisse mão da lista de investimentos isentos de monitoramento, com o receio de que isso possa beneficiar más prática. Eles também sugeriram que o banco adote o Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado da Amazônia, elaborado pelo Imaflora com o MPF para aplicação aos frigoríficos signatários do TAC da Carne.

Municípios críticos

O procurador Daniel Azeredo, do Pará, propôs, ainda, que se exija rastreamento de fornecedores indiretos em municípios “críticos” – com mais de 40 quilômetros quadrados de desmate anual identificados pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Alguns procuradores defenderam ainda que o BNDES avance no monitoramento de sobreposições dos fornecedores com áreas desmatadas ou públicas. A resolução 1854 prevê só o bloqueio de fornecedores condenados por invasões, conflitos agrários, desmatamento ou grilagem, e o banco não apresentou proposta de mudança nessa regra. “Exigir apenas condenação judicial por invasões não abarca 99,99% das situações”, afirmou o procurador Rafael da Silva Rocha, coordenador do GT Amazônia Legal, ao Valor.

Para Lisandro Inakake de Souza, coordenador de cadeias agropecuárias do Imaflora, “dez anos atrás, essa regra já era insuficiente”. Ele disse que a resolução existente já é “bastante limitada se comparada ao Protocolo de Monitoramento”.

Alguns procuradores defenderam que o BNDES cruze dados com mapas de terras indígenas, unidades de conservação e de desmate e use bases de georreferenciamento estatais, como o Georadar, que será lançado pela Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise do MPF (Sppea).

Souza criticou propostas de limitar a algumas regiões ou biomas o rastreamento dos fornecedores. Procurado, o BNDES disse que “o regulamento socioambiental de frigoríficos bovinos está em etapa de consulta a interlocutores do setor para mapeamento de necessidades e oportunidades de revisão”.

Fonte: Valor Econômico.

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