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Bem-estar animal e preocupação da sociedade em busca do elo perdido – Temple Grandin – Parte 2/2

Por Temple Grandin, professora de Ciência Animal da Universidade do Estado do Colorado e especialista em manejo de bovinos, métodos de abate humanitário e bem-estar animal.

3.4. Consumidores 

Os consumidores se encaixam em dois grupos: os consumidores de ponta, que compram carnes naturais, orgânicas e com altos padrões de bem-estar e consumidores comuns, que são mais sensíveis aos preços. Esses dois grupos são importantes setores de mercado.

Os consumidores mais ricos dos países desenvolvidos estão frequentemente dispostos a pagar pelos produtos com altos padrões de bem-estar e com esse verificado. Os consumidores europeus têm mais chances de estar dispostos a pagar onde têm alta confiança em uma marca mais amigável com o animal.

Os consumidores de renda menor frequentemente comprarão produtos mais baratos e a demanda por carnes está crescendo em todo o mundo. Os consumidores frequentemente se tornam mais preocupados com questões de bem-estar animal após verem vídeos chocantes feitos de forma escondida e divulgados. Nos Estados Unidos, a segurança alimentar é a maior preocupação.

3.5. Ativistas animais

Desde os anos setenta, Grandin tem trabalhado com grupos ativistas da causa animal e com a indústria de carne. Nos anos setenta e oitenta, os ativistas focaram em reformar e melhorar a indústria de carne. Alguns grupos de ativistas da causa animal nos anos setenta e oitenta financiaram pesquisas para melhorar métodos de abate e práticas na fazenda.

Grandin observou que os indivíduos em grupos ativistas que trabalharam de perto com animais de fazenda ou com animais de estimação em abrigos tinham frequentemente visões mais moderadas comparado com indivíduos que sempre operaram de um escritório.

Alguns da nova geração mais jovem de ativistas da causa animal são vegans que nunca usaram produtos de origem animal. Hoje, a agenda de alguns grupos mudou de reformar a indústria de carne para trabalhar para eliminá-la.

Na faculdade, ativistas mais jovens podem fazer muitos cursos sobre filosofia dos direitos animais e direitos animais. Seu ativismo é formado por ideias abstratas ao invés de conhecimento de campo. Muitas escolas de direito agora ensinam direitos animais e há vinte anos, esses cursos não existiam.

Os cientistas da carne e os membros da indústria precisam trabalhar para se comunicar com seu público. Grandin disse que muitos jovens estudantes acreditam em tudo que está nos sites de ativismo. A indústria de carnes precisa ser mais transparente e explicar tudo o que faz.

4. Questões de bem-estar animal na fazenda de gado de corte

O objetivo da próxima sessão é dar uma visão geral sobre as principais questões de bem-estar animal na fazenda. Isso poderá ser útil para os cientistas da carne, que podem não estar familiarizados com as questões mais importantes. Para todas as espécies, há uma enorme preocupação sobre práticas dolorosas, como descorna de bovinos, castração, debicagem de galinhas poedeiras e corte da cauda de suínos e gado leiteiro.

Desde o meio dos anos 2000, foram feitos muitos estudos para descobrir os métodos práticos para fornecer alívio da dor para castração de bezerros e leilões.

Outra área de preocupação para o bem-estar animal e humano são os padrões de qualidade do ar para animais criados de forma intensiva em instalações fechadas. A Welfare Quality Network (2009) tem um padrão de poeira, mas esse não é obrigatório para todas as espécies de animais criado de forma intensiva. Os padrões de qualidade do ar são importantes para o bem-estar básico, porque baixa qualidade do ar contribui para uma variedade de problemas de saúde, como problemas nos olhos, patologia no pulmão e menor ganho de peso.

Para todas as espécies, o manejo e o transporte de animais precisam ser supervisionados para prevenir um tratamento rude.

Animais com problemas óbvios de saúde precisam ser imediatamente tratados ou eutanasiados. Animais mortos devem ser apropriadamente removidos.

Isso é manejo básico, mas infelizmente, os problemas acima continuam sendo mostrados em vídeos de ativistas. Para todas as espécies, os animais precisam ser avaliados regularmente para problemas óbvios de bem-estar, como má condição corporal (muito magro), claudicação, condição do couro/penas, limpeza, lesões, contusões, porcentagens de pena de morte, doença e comportamento anormal. Métodos usados para eutanasiar animais doentes são outra causa de uma grande preocupação.

Muitos bovinos de corte do mundo vivem ao ar livre e passam a maior parte do tempo ou toda sua vida no pasto. Eles têm menos questões de bem-estar comparado com animais criados de forma mais intensiva.

Procedimentos dolorosos como descorna e castração são os principais problemas. O uso de bovinos sem chifres eliminaria a descorna. Os animais da raça Angus são naturalmente mochos e os criadores de gado de corte agora têm boas linhagens genéticas.

Na Europa e na Ásia, touros de engorda são deixados intactos e, na América do Norte, América do Sul e Austrália, os novilhos (machos castrados) são engordados.

Para bovinos criados de forma extensiva, há a necessidade de ter métodos práticos para reduzir a dor que podem ser aplicados ao mesmo tempo que o animal é castrado. Um gel anestésico desenvolvido na Austrália pode ser um método prático de alívio da dor.

Outros métodos como anti-inflamatórios não esteroidais para alívio da dor, como Meloxicam, dado no momento da castração são menos efetivos do que medicações dadas antes da cirurgia. Os pesquisadores precisam desenvolver métodos práticos que sejam fáceis para os produtores e criadores usarem. Injeções epidurais e intravenosas não são práticas para os produtores e medicações com substâncias controladas com potencial abuso de humanos devem também ser evitadas.

Em alguns países, os bovinos são marcados com ferro quente para prevenir roubo. A marcação com congelamento é menos dolorosa do que a marcação com ferro quente. Em uma fazenda extensiva, a marcação com congelamento não é prática, porque um grande tanque de nitrogênio líquido é usado para cada 20 animais marcados. Na América do Norte, outro problema de bem-estar animal importante é a falha de desmamar e vacinar os bezerros antes de eles serem enviados da fazenda de origem.

Bezerros pré-desmamados e vacinados com 30 a 45 dias terão menos problemas de saúde no estabelecimento de engorda. Essa prática ruim continua, porque os produtores frequentemente obtêm o mesmo preço no leilão para bezerros não vacinados do que recebem pelos vacinados. Como eles não são responsabilizados no caso de doença no confinamento, não há incentivo financeiro para reduzir isso.

Nos confinamentos, dois dos maiores problemas de bem-estar são lama e estresse calórico. Os bovinos nos Estados Unidos estão sendo criados para alcançarem pelos maiores.

Os animais da raça Black Angus melhoram o ganho de peso e ficam menos ofegantes quando têm acesso a sombra. A classificação do estado ofegante do animal pode ser usada para avaliar o estresse calórico. A respiração com a boca aberta é um sinal de severo estresse calórico.

Os animais que ficam muito sujos com lama ou esterco podem ter menor ganho de peso e mais contaminação por patógenos.

Práticas rudes e ruins de manejo são outro importante problema de bem-estar animal. No manejo do gado dos Estados Unidos, a chegada aos confinamentos melhorou. Grandin e colaboradores descobriram que durante o manejo do gado na gaiola de contenção para vacinações, a porcentagem de animais caindo foi de menos de 1%, a vocalização foi de 1,3% dos animais e o uso de bastões elétricos de 5,5% do gado.

Há ainda uma grande necessidade de melhorar o comportamento do motorista de caminhão. Uma pesquisa recente do manejo por motoristas de caminhão mostrou uso excessivo de bastões elétricos. Os motoristas que carregam os animais por horas fora do estabelecimento são frequentemente mal supervisionados comparado com a equipe de vacinação na chegada do animal.

Estudos na América do Sul mostraram que o treinamento de pessoas que fazem o manejo reduz contusões.

Até recentemente, a claudicação raramente era um problema importante para os bovinos de corte. Grandin observou problemas com estabelecimentos de engorda na chegada de animais às plantas de abate com os pés doloridos e os músculos rígidos. Isso é provavelmente devido à combinação de fornecimento de doses altas de beta-agonistas, como ractopamina e zilpaterol, e estresse no manejo.

Os suínos que recebem ractopamina são mais susceptíveis ao estresse se são manejados de forma rude. Essas substâncias podem também aumentar as perdas por morte em bovinos, aumentar o estresse calórico em ovinos e causar fratura do casco e agressões em suínos. Os suínos que receberam altas doses de ractopamina também ficaram mais lentos e com mais dificuldade para se movimentar. Nos países em desenvolvimento, os problemas de claudicação também foram observados em touros de engorda e bovinos instalados em concreto sem cama. As camas nos currais podem ajudar a prevenir esse problema.

5. Monitoramento da fazenda e problemas de transporte ao abatedouro

Há muitos problemas de bem-estar que ocorrem na fazenda ou durante o transporte que podem ser facilmente monitorados na planta de abate. A Tabela 1 mostra problemas de bem-estar e perdas que podem ser monitorados no abate. O transporte de longas distâncias é outro problema de bem-estar.

Tabela 1: Problemas de bem-estar animal, perdas e problemas severos de saúde que podem ser monitorados na planta de abate

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6. Sistemas biológicos sobrecarregados podem ser um grande problema futuro de bem-estar

Em criações intensivas de frangos, galinhas poedeiras, suínos e vacas leiteiras, há uma preocupação crescente de que pressionar os animais para produzir mais carne, ovos ou leite causará crescentes problemas de bem-estar e uma redução da funcionalidade.

À medida que a produção de leite na vaca leiteira aumenta, a fertilidade e a capacidade de recria e produção de um bezerro diminui. O coxim adiposo digital no casco de vacas leiteiras Holandesas diminuiu, o que resultou em mais lesões de casco. Pesquisadores reportaram que vacas leiteiras que dão mais leite têm menor condição corporal. Esses estudos mostram que as reservas no corpo de vacas de alta produção são reduzidas. Em muitas fazendas leiteiras grandes, uma vaca dura por apenas dois anos de produção leiteira.

Os produtores e os cientistas podem pensar que precisamos manter o aumento da produção para alimentar uma população crescente.

Grandin teme que uma ênfase excessiva na produção pode reduzir a resistência a doenças. Uma nova doença, a Diarreia Epidêmica Suína, está matando muitos leitões e o vírus é muito virulento e pode sobreviver no esterco e na alimentação por sete a vinte e oito dias.

Leitões mortos não alimentam pessoas. Selecionar geneticamente para resistência a doenças pode requerer uma leve redução na produtividade. Há a possibilidade de que a criação para alta produção tenha reduzido a resistência a doenças em suínos.

Pesquisadores reportaram que suínos comerciais altamente produtivos eram menos resistentes à síndrome respiratória e reprodutiva suína) do que os porcos Dapulian chineses. Os porcos chineses são uma raça tradicional.

O autor sugere que ao invés de selecionar para produtividade cada vez maior, os pesquisadores devem buscar níveis ótimos que combinem níveis razoavelmente altos de produtividade com resistência a doenças, bem-estar animal aceitável e uma vida mais longa para animais de cria.

7. Como a indústria tem respondido às preocupações dos consumidores?

Algumas boas respostas eficazes da indústria de carnes para comunicar melhor com os consumidores de hoje conectados na internet foram dadas na abertura de uma planta da Cargill em Colorado ao programa de televisão, Oprah Winfrey TV Show, e um vídeo com uma visita de Temple Grandin a uma planta de carne bovina. Esse vídeo teve mais de 100.000 visualizações.

Chandler Keys, um lobbysta de Washington, D.C., afirma que os consumidores só querem saber como as coisas funcionam.

É impossível se esconder de vídeos feitos escondidos, porque agora, todos os telefones têm uma câmera de vídeo. Um passo proativo que algumas plantas dos Estados Unidos e do Canadá deram é a auditoria em vídeo por auditores terceirizados. Isso evita o problema de pessoas agindo bem quando sabem que estão sendo observadas.

Outro grande exemplo de mostrar ao público são a Fair Oaks Dairy e a Pig Adventure nos Estados Unidos. Essas duas fazendas estão abertas para visitas do público. Os consumidores também precisam aprender que os níveis de estresse pré-abate são similares aos do manejo na fazenda.

Más respostas da indústria dos Estados Unidos são as chamadas leis Ag Gag, que criminaliza a realização desses vídeos escondidos. Isso manda a mensagem errada ao consumidor de hoje.

A agricultura tem que olhar para tudo o que faz e se perguntar: “Posso explicar isso a meus convidados da cidade?”.

Grandin trabalha há mais de 40 anos nessa indústria e se diz orgulhosa das melhoras que ajudou a conseguir. “Precisamos mostrar isso. Os consumidores não gostam de sobressaltos.

A rejeição dos consumidores dos Estados Unidos à carne bovina com textura fina, que é recuperada de retalhos de gordura, fez com que muitas plantas grandes fechassem. O maior problema com essa questão foi a falta de listar a carne recuperada no rótulo.

A indústria de carne precisa ser transparente, explicar e mostrar como fazemos. Muitas práticas podem ser facilmente defendidas, mas algumas práticas terão que ser mudadas”, finaliza Grandin.

Fonte: Tradução do artigo  “Animal welfare and society concerns finding the missing link”, publicado na Meat Science, Volume 98, Issue 3, Novembro 2014, Páginas 461–469. O artigo original pode ser acessado no link: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0309174014001314. Todas as referências bibliográficas podem ser vistas nesse endereço.

Por Temple Grandin, professora de Ciência Animal da Universidade do Estado do Colorado e especialista em manejo de bovinos, métodos de abate humanitário e bem-estar animal.

Veja a primeira parte do artigo:  Bem-estar animal e preocupação da sociedade em busca do elo perdido – Temple Grandin – Parte 1/2

1 Comment

  1. Anselmo Antonio Kajewski disse:

    Achei tudo maravilhoso.
    Acredito que a grande maioria dos pecuaristas não está nem aí para o bem estar animal. Sou pequeno produtor de Gado, mas, sou Cirurgião Dentista.
    Tudo que vejo, se possível aplico em minha fazenda, para melhorar o bem estar no Manejo Animal.
    Vocês estão de parabéns,

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