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Avanços e desafios na sucessão das fazendas

O perfil dos grandes produtores de Mato Grosso continua a mudar rapidamente. Antes um diferencial, a tecnologia se tornou obrigação, enquanto governança virou mantra para os herdeiros que assumem o comando das fazendas antes gerenciadas por seus pais.

Estes começaram a desbravar o Cerrado no fim da década de 1960, vindos sobretudo de Paraná e Rio Grande do Sul. Os desafios eram basicamente agronômicos, vencidos com a ajuda da Embrapa, mas se multiplicaram com o avanço dos grãos, liderado pela soja.

“A dificuldade era muito grande e a esperança, pequena”, diz Carlos Henrique Brizola que, ainda “piá”, chegou em Mato Grosso com o pai. Em 2008, com a morte do patriarca, assumiu as fazendas da família.

Hoje, Brizola, que tem pós-graduação em agronegócio pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), ocupa um escritório tão moderno quanto o de qualquer executivo de outros setores considerados “de ponta”, e se comporta como um CEO.

“Contratamos uma consultoria que nos ajuda na tomada de decisões e o que a gente pode melhorar, melhora”, diz. Atento aos detalhes, em quatro anos a produtividade nos 1,3 mil hectares semeados com soja e milho e nos 1,7 mil hectares de cana dobrou na Fazenda Pindorama, em Campo Novo do Parecis.

Afora as plantações, a Pindorama também abriga 500 cabeças de gado em sistema de semiconfinamento. Antes de o pai falecer, Brizola tocava os negócios da família na Venezuela. “A gente tinha bem separada as operações”. A família também tem negócios em Brasnorte (MT), e em Novo Progresso (PA).

Com a aceleração da transição do comando para os herdeiros, a profissionalização da gestão ganha cada vez mais espaço. “É um caminho sem volta”, afirma Paulo Bertolane, superintendente executivo de Agronegócios do Santander Brasil.

É um caminho sem volta, mas não sem percalços. A transição na condução dos negócios muitas vezes gera atritos entre gerações. É normal os pais resistirem aos novos processos, e os empregados mais antigos têm dificuldades em aceitar as métricas de empresas.

“De repente, chega alguém e diz que você tem de fazer diferente do que você sempre fez. Geram bons debates, e os debates deixam marcas”, diz Bertolane.

Quando bem administrado, contudo, o processo produz exemplos bem- sucedidos. A SLC Agrícola, por exemplo, nasceu uma empresa familiar no Rio Grande do Sul e hoje é listada na B3, com terras espalhadas por Mato Grosso e pelo Matopiba (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

A história se repete nas famílias da maioria dos médios e grandes produtores de Mato Grosso, responsáveis hoje por 30% da produção de soja do país. Os pioneiros preparam os filhos com uma educação formal que eles próprios não tiveram, mas quando os “piás” estão maduros não raro prevalece a lógica do “eu sempre fiz assim e sempre deu certo”.

Graciele Mocellin, advogada especializada em planejamento patrimonial e sucessório, conta que os patriarcas estão abertos a novas tecnologias e à profissionalização, mas reconhece que “há momentos em que há um choque geracional”.

E ela fala com conhecimento de causa. “Meu irmão e meu pai hoje dividem a gestão. Funciona bem, mas no passado meu pai queria arrendar toda a área da fazenda e não foi fácil o diálogo. Foi uma crise, mas superamos”, diz.

“É normal haver uma incompatibilidade de ideias. A gente não teve esse problema.

Mas foi uma transição muito rápida e gritante”, afirma Aline Welke, que comanda a Fazenda Três Estados, em Campo Novo do Parecis. A fazenda produz em seus 1,7 mil hectares soja, milho, milho pipoca, girassol e feijão.

“O pai sempre plantou soja, milho e milho pipoca. Eu é que vou produzir girassol e feijão. Diversificar sempre é bom”, realça Aline. Ela estudou administração rural e agronomia e trabalhou cinco anos na multinacional Syngenta.

Se com o pai Aline não teve problemas, o mesmo não pode ser dito sobre os funcionários. “É tudo muito complicado. Não aceitam bem uma mulher no comando e encontro bastante resistência”, afirma.

Uma grande dificuldade é entender que a fazenda é uma empresa a céu aberto e que há processos que têm que ser seguidos, como na maioria das empresas.

“Não tinha base de dados que ajudasse na tomada de decisões”, diz Aline. A principal condição imposta por ela para tocar os negócios da família e deixar o emprego na Syngenta foi que os equipamentos e maquinários fossem modernizados.

“Era ou troca a plantadeira ou troca”, brinca. “A tecnologia agrega bastante, traz um ganho financeiro muito bom”, diz. O próximo passo é construir um armazém na fazenda.

Perto dali, Carlos Henrique Brizola já construiu um armazém com capacidade para 3 milhões de toneladas. Agora, investe em estações meteorológicas dentro da fazenda.

Na família Gatto, a matriarca, Norma, divide a gestão com seus três filhos. “Nunca me preocupei em ser uma fazendeira, mas meu marido faleceu no ano 2000 e tive de assumir”, afirma. Ela ainda acompanha o dia a dia das fazendas – Argemira (Itaquira), Cabeceira (Ipiranga do Norte) e Santa Carmen (Canarana) -, mas dois de seus filhos cuidam da administração e da parte financeira do negócio.

“Fico muito admirada e orgulhosa”, conta. As três fazendas dos Gatto somam 12,8 mil hectares de grãos e 6 mil cabeças de gado.

Mas, claro, há os pais que entendem que vai demorar para passar os negócios para os filhos. É o caso de Silvésio de Oliveira, paranaense que planta soja e milho em Tapurah. A filha mais velha, Natália, se prepara cursando faculdade de agronomia em Cuiabá. “Mas ela tem muito o que aprender ainda”, brinca. Mas certamente vai.

Fonte: Valor Econômico.

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