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Avanço da renda no campo transborda para outros setores e estimula atividade econômica no interior do país

Nos últimos dez anos, a economia como um todo sofreu recuo de 1,2%, mas o Produto Interno Bruto (PIB) da agropecuária acumulou salto de 25,4%, demonstrando não apenas a resiliência do setor em períodos de crise, mas sua relevância para a atividade econômica, afirma a CEO do Instituto Millenium, Priscila Pereira Pinto. A tecnologia, diz, tem sido um fator importante para explicar esse desempenho. “O setor vem criando oportunidades de crescimento a partir de tecnologias desenvolvidas pelo próprio agronegócio.”

O estudo “Agronegócio: Exportação, Emprego e Produtividade”, feito pelo instituto e publicado no início de junho, mostra que 55,5% dos estabelecimentos rurais, algo em torno de 734 mil propriedades, utilizam tratores, em grande parte com tecnologia embarcada, somando mais de 1,2 milhão de máquinas. As semeadeiras estão presentes em 19,3% das fazendas. “A frota de tratores está em franco crescimento e, em 45 anos, experimentou um avanço de 391%, lembrando que eram apenas 250,0 mil unidades em 1975”, registra Priscila.

Os avanços acumulados pelo agronegócio nos últimos anos acabam transbordando para os demais setores da economia, estimulando o crescimento no interior do país ou, pelo menos, evitando um mergulho mais drástico do PIB como um todo. Segundo Nicole Rennó Castro, pesquisadora da equipe de macroeconomia do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, sob a ótica da produção, a agropecuária precisa consumir insumos em escala crescente de forma a produzir mais. “Para que essa produção chegue no consumidor final, seja para a exportação ou para as famílias brasileiras, uma diversidade de serviços de transporte, comércio, armazenamento e outros são utilizados. Então, o bom desempenho do campo puxa consigo outros setores econômicos”, analisa Nicole.

Em termos de consumo, a pesquisadora nota que mais de um quinto de toda a população ocupada está hoje no agronegócio. Nesse caso, o salto de 24,31% registrado pelo PIB do setor em 2020, sob o conceito de renda (considerando preços recebidos e volumes produzidos), “reflete diretamente na renda daqueles trabalhadores e de suas famílias”, observa. “Uma parte disso se transforma em novos investimentos na agropecuária; outra parte vira consumo dessas famílias relacionadas ao agronegócio, que estão espalhadas por todo o Brasil, e movimenta as economias locais. Há, portanto, um efeito multiplicador via demanda, muito importante por essa perspectiva também”, considera Nicole.

Numa avaliação de mais longo prazo, o ex-ministro e coordenador do FGV Agro, Roberto Rodrigues, considera que o ponto de inflexão ocorreu no início dos anos 1990, especialmente após o Plano Collor, que congelou a poupança e derrubou os rendimentos pagos pelo overnight. “Até ali, metade da renda dos produtores vinha do over e não havia estímulos para investimentos em tecnologia.” A virada, apenas iniciada àquela altura, diz, foi possível porque o país conseguiu desenvolver uma “tecnologia tropical sustentável”, dispunha de terras e principalmente de gente.

Europa e Ásia, segundo Rodrigues, estão às voltas com os desafios gerados pelo envelhecimento do pessoal no campo, ao contrário do processo ocorrido no Brasil. “Houve um rejuvenescimento das lideranças rurais mais recentemente, com o retorno dos jovens ao campo, com melhor formação técnica e em gestão”, observa. Um quarto fator, agora externo, ajudou a alavancar os resultados do setor e permitiu ao país multiplicar suas vendas externas por cinco em duas décadas, período em que as exportações, em grandes números, saltaram de US$ 20 bilhões para mais de US$ 100 bilhões.

O salto foi puxado principalmente pela demanda asiática, sob liderança do mercado chinês, com destaque para a soja e igualmente para as proteínas animais. “Em 2000, a União Europeia e os Estados Unidos respondiam por 59% de toda a exportação do setor e tiveram sua participação reduzida para 29% no ano passado. A China, que representava apenas 2,7% do total, aproximadamente US$ 540,0 milhões, assumiu uma participação de quase 34% no ano passado”, comenta Rodrigues.

Na visão do diretor de commodities da StoneX, Glauco Monte, o país asiático tornou-se, ao longo do tempo, “o principal suporte para os resultados que o agronegócio brasileiro tem apresentado”.

A sofisticação tecnológica alcançada pelo setor, diz Priscila, não tem sido capitalizada como deveria e poderia contribuir para a abertura de espaços em novos mercados, a partir da exportação de produtos mais sofisticados e de alta tecnologia “gerada aqui dentro mesmo”. A CEO do Millenium acredita que “falta uma articulação no sentido de colocar o país não apenas como grande produtor e exportador de commodities, mas também de tecnologia, de softwares, drones e outros equipamentos”.

Tanto Monte quanto Rodrigues anteveem elevado potencial para que o agronegócio conquiste mercados e amplie vendas ao exterior, mas terá que estar atento às crescentes exigências ambientais e sanitárias nos principais mercados de maior valor agregado, na definição do diretor da StoneX. A pandemia, conforme o coordenador do FGV Agro, “abriu duas janelas emergenciais no mundo: o retorno à agenda global do tema da segurança alimentar e a demanda por sustentabilidade, que são dois temas centrais para humanidade hoje”.

Os dois casos, analisa Rodrigues, envolvem diretamente o agronegócio. “Mas qual agronegócio?”, questiona, para responder na sequência: “Estamos falando do agronegócio tropical, o único que ainda dispõe de condições para crescer em área e em produtividade no mundo e o Brasil é líder nisso”. Segundo dados da Embrapa, o país é o quarto maior produtor mundial de grãos, com uma fatia de 7,8% da produção global no ano passado, e o segundo maior exportador, com participação de 19% no mercado internacional, considerando-se os volumes exportados.

No entanto, se as atividades ligadas ao setor exportador têm apresentado melhores resultados, estimulados pela demanda aquecida e pelo dólar mais alto, pondera Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), as “cadeias domésticas”, representadas pelos setores de produção de leite e derivados, ovos, hortaliças e algumas frutas que o país não exporta, enfrentam uma realidade diversa. Aqui, o desemprego muito elevado e a perda de renda das famílias têm limitado o consumo e a economia ainda tenta engrenar alguma reação. São cadeias que enfrentam ainda a alta nos custos de produção, ao mesmo tempo em que “as receitas não crescem na velocidade desejada”, agravando os contrastes dentro do setor.

Fonte: Valor Econômico.

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