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Avaliação do ciclo de vida na pecuária de corte: pegada de carbono

Os resultados sugerem que em determinadas condições de manejo alimentar a produção de carne bovina a campo, apresenta baixa emissão de CO2 equivalente (pegada de carbono). Ações de melhorias na qualidade dos pastos, na seleção genética de animais com melhores taxas de conversão alimentar, no manejo das pastagens, no uso de aditivos ou suplementos e o estabelecimento de sistemas de integração lavoura-pecuária são fatores para a mitigação de gases de efeito estufa. Por Clandio Favarini Ruviaro, Doutor em Agronegócios (UFRGS, Cepan, NESPRO).

Por Clandio Favarini Ruviaro*

O Brasil é o segundo maior produtor de carne do mundo, produziu 7,5 milhões de toneladas de equivalente carcaça em 2011 em um sistema de produção de carne bovina baseado na utilização de pastagens, apresentando um variável índice de produtividade e tecnológico. De modo concomitante, a demanda mundial e, um consumidor mais consciente e atento à qualidade e segurança da diversidade de produtos disponíveis no mercado, tem contribuído para o estabelecimento de critérios sustentáveis de produção de alimentos e insumos. A relevância dos debates em torno do sistema de produção de carne bovina, as questões inerentes ao meio-ambiente e, em particular, aquelas relacionadas com o aquecimento global, finalmente atingiram o público em geral, na maior parte do mundo. O desafio atual da pesquisa agropecuária consiste na adoção do conceito de desenvolvimento sustentável através da adoção de metodologias e ferramentas de pesquisa para se obter uma produção agrícola e pecuária que esteja de acordo com os princípios da sustentabilidade.

Nesse contexto, torna-se importante a utilização de instrumentos que analisem a contribuição de uma tecnologia para a sustentabilidade e avaliem seus impactos ambientais. No entanto, para que essa evolução venha a ser bem-sucedida, é necessário que as ferramentas gerenciais sejam apropriadas. Revela-se assim, de maneira relativamente complexa, a aplicação da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) ou Life Cycle Assessment (LCA) à agricultura e à pecuária, este método permite avaliar o consumo de recursos e seus impactos no meio ambiente, associados a um produto, processo ou atividade. Esta metodologia permite, também, identificar e avaliar oportunidades de melhoria da performance do processo ou atividade, do ponto de vista ambiental (SETAC, 1991).

O termo Avaliação do Ciclo de Vida ou Life Cycle Assessment foi utilizado primeiramente nos Estados Unidos da América em 1990. Atualmente estas normas estão compiladas e publicadas, conforme descritas abaixo:

a) ISO 14040. Life Cycle Assessment. Principles and Framework (2006) – Avaliação do Ciclo de Vida. Princípios e Estrutura.

b) ISO 14044. Life Cycle Assessment. Requirements and Guidelines (2006) – Avaliação do Ciclo de Vida. Requisitos e Diretrizes.

A aplicação da ACV na agricultura e pecuária é relativamente nova. Contudo, diversos estudos têm sido conduzidos fora do Brasil (HASS et al., 2001; HOSPIDO et al., 2003; van der WERF et al., 2005; BASSET-MENS et al., 2006; OGINO et al., 2007; BAUMGARTNER et al., 2008; HAVLIKOVA et al., 2008; THOMASSEN et al., 2008; ARSENAULT et al., 2009; CEDERBERG et al., 2009; BAUCHEMIN et al., 2010; NEMECEK et al., 2011).

No Brasil, o uso da Avaliação do Ciclo de Vida na agricultura e pecuária é muito recente, embora, países grandes produtores de carne, como Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia já façam uso desta ferramenta a mais de dez anos com a finalidade de qualificarem seus processos de produçao de carne bovina. Até o momento, não existiam estudos de ACV envolvendo o sistema de produção de carne bovina brasileira. Este é o primeiro estudo brasileiro com o uso de ACV aplicado em diferentes sistemas de produção de carne bovina. Este trabalho foi realizado no estado do Rio Grande do Sul com o propósito inicial de melhor explorar os recursos naturais do bioma Pampa. No Rio Grande do Sul, há cerca de 13,2 milhões de cabeças de gado que ocupam 11,7 milhões de hectares, o que é cerca de 53,7% da área total do estado (IBGE, 2008). A produção de carne depende do manejo da pastagem natural como a principal fonte de alimentação animal. Estas pastagens apresentam grande biodiversidade e são caracterizadas por elevada produção e qualidade durante a produção de primavera e verão, com decréscimo no período de outono-inverno, quando é necessário a adequação de carga animal e/ou o uso de pastagens cultivadas ou suplementação.

O estudo avaliou um sistema de produção de ciclo completo em pastagens naturais e/ou cultivadas no verão e inverno a fim de estimar o impacto ambiental da produção de carne bovina em relação ao potencial de aquecimento global, conhecido como “pegada de carbono” que abrange as emissões de gás carbônico (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) – inerentes a produção entérica e fezes dos animais e, a fertilização nitrogenada – convertidas em CO2 equivalente/kg carne produzida. Foram estimadas as emissões em 7 cenários de produção de carne a campo de maneira a atender o padrão de terminação dos animais conforme as exigências do mercado.

Os cenários consistiram de animais da raça Angus ou cruza Angus e considerou o ciclo de vida desde as vacas prenhes (281 dias) até a fase de terminação dos novilhos com 430 kg de peso vivo, em todos os cenários (Tabela 1).

I – Animais em pasto natural por um período de 840 dias;

II – Animais em pasto natural melhorado por 510 dias;

III – Animais em pasto natural por 510 dias, mais 159 dias em pastagem de azevém;

IV – Animais em pasto natural melhorada por 360 dias, mais 125 dias em pastagem de sorgo forrageiro;

V – Animais em pastagem de azevém e sorgo forrageiro por 502 dias;

VI – Animais em pasto natural suplementado com sal mineralizado proteico-energético por 510 dias;

VII – Animais em pasto natural suplemento com sal mineral protéico por 660 dias

Tabela 1 – Resumo das emissões de CO2 equivalente em cada fase avaliada.

Os resultados indicaram que a pegada de carbono, em uma fazenda produtora de carne bovina na região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, variou entre 18,47 a 37,18 kg CO2-e/kg de ganho de peso, num sistema de produção de ciclo completo incluindo o período de gestação das vacas e, de 13,6 a 32,1 kg CO2–e/kg de ganho de peso, excluindo as emissões das vacas prenhes.

Os resultados sugerem que em determinadas condições de manejo alimentar a produção de carne bovina a campo, apresenta baixa emissão de CO2 equivalente (pegada de carbono). Ações de melhorias na qualidade dos pastos, na seleção genética de animais com melhores taxas de conversão alimentar, no manejo das pastagens, no uso de aditivos ou suplementos e o estabelecimento de sistemas de integração lavoura-pecuária são fatores para a mitigação de gases de efeito estufa.

As tendências atuais em termos de publicações, recursos disponíveis para a pesquisa, as exigências governamentais e a geração de um crescente volume de dados sobre o fluxo de gases de efeito estufa, sugerem o uso da Avaliação do Ciclo de Vida para quantificar o potencial impacto ambiental dos produtos, desde a extração das matérias-primas para produção agrícola e pecuária até a disposição final dos produtos e, esta será uma área de intenso desenvolvimento no futuro próximo, alicerçando a tomada de decisão para novas políticas públicas.

Concluíu-se, também, que no Brasil ainda há deficiência de pesquisas consolidadas em relação ao desenvolvimento e aplicação da ACV em processos e sistemas de produção agrícola e pecuária, portanto, são amplas as possibilidades e oportunidades para a aplicação desta metodologia com resultados significativos.

Por fim, considerando a ausência de uma base de dados brasileira em relação ao uso da Avaliação do Ciclo de Vida na bovinocultura de corte brasileira (Ruviaro et al., 2012), este estudo pode servir de referência para estudos futuros com Avaliação do Ciclo de Vida.

*Clandio Favarini Ruviaro é Doutor em Agronegócios (Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios – Cepan,  Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPRO).

Referências

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BASSET-MENS, C.; van der WERF, H.M.G.; DURAND, P.; LETERME, P. Implications of uncertainty and variability in the Life Cycle Assessment of pig production systems. International Journal of Life Cycle Assessment. v.11(5):298-304. 2006.

BEAUCHEMIN, K.A.; JANZEN, H.H.; LITTLE S.M.; MCALLISTER, T.A.; MCGINN, S.M. Life Cycle Assessment of greenhouse gas emissions from beef production in western Canada: A case study. Agricultural Systems. v.103(6):371-9. 2010.

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HOSPIDO, A.; MOREIRA, M.T.; FEIJOO, G. Simplified Life Cycle Assessment of galician milk production. International Dairy Journal. v.13(10):783-96. 2003.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema IBGE de recuperação automática – SIDRA. 2008.

ISO. International Organization for Standardization. ISO 14040. Environmental management – Life Cycle Assessment – Principles and framework. Geneva: ISO 2006.

ISO. International Organization for Standardization. ISO 14044. Environmental Management – Life Cycle Assessment – Requirements and Guidelines. Geneva: ISO 2006.

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RUVIARO, C.F., GIANEZINI, M., BRANDAO, F.S., WINCK, C.A., DEWES, H. Life Cycle Assessment in Brazilian agriculture facing worldwide trends. J. Clean Prod. 28, 9-24. 2012.

SETAC – Society of Environmental Toxicology and Chemistry. A Technical Framework for Life-Cycle Assessment. Em Fava, J., Denison, R., Jones, B., Curran, M., Vigon, B., Selke, S. e Barnum, J. (Eds.). Workshop report from the Smugglers Notch. Vermont, USA. 1991.

THOMASSEN, M.A.; VAN CALKER, K.J.; SMITS, M.C.J.; IEPEMA, G.L.; DE BOER, I.J.M. Life Cycle Assessment of conventional and organic milk production in the Netherlands. Agricultural Systems. v.96(1-3):95-107. 2008.

van der WERF, H.M.G.; PETIT, J.; SANDERS, J. The environmental impacts of the production of concentrated feed: the case of pig feed in Bretagne. Agricultural Systems. v.83(2):153-77. 2005.

 

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