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Autor de livro premiado da Argentina ensina a fazer uma carne assada digna de aplausos

Por Franco Varise, editor do jornal La Nación

Começamos mal. Carlos “Paty” López ou “Checho”, como desejarem, olha para a grelha e aponta com a faca: “já colocou? Então, você colocou? Nãoooo”. A peça de carne (um vazio inteiro) que já descansa sobre o fogo parece também envergonhada diante de semelhante cena. Movi os ombros para cima como um ato reflexo. O mestre não gostou. Deve ter parecido um gesto infantil, de criança, em um mundo de homens rudes ao calor do abate. “Checho” me olha com resignação e acomoda melhor o corte nesse tabuleiro de xadrez chamado “parrilla” (grelha) que pode ser milimetricamente manipulada segundo as diferentes temperaturas e posições da carne.

Foto: Ignacio Coló/La Nación

Foto: Ignacio Coló/La Nación

Confesso que nunca tive sucesso com fogo, grelha e carne. Recebi críticas de todos os tipos e, como todo representante masculino argentino, tendo a me sentir diminuído frente aos especialistas churrasqueiros que transitam este mundo obtendo aplausos, festejos e desfrutam da fama familiar estendida a círculos de amizades. Não sou desse grupo tão popular. E, por isso, vim até “Checho”, que fundou a primeira Escola Argentina de Churrasqueiros, escreveu um livro premiado pelo Gourmand World Cookbook Awards (considerado o Oscar dos livros de culinária) e tem este lugar onde nos encontramos (Checho) no bairro de Núñez. Aqui, ele dirige há 36 anos. Ou seja, se ele não me ajudar, deveria desistir…

“Aqui o que não se queima, não se corta ou não se suja não pode. Nada de sandálias na churrasqueira”, sentencia, como que para ir esclarecendo algumas coisas. Entrega-me um gorro com o logo da escola de churrasqueiros e um avental. “Não me oponho aos manuais pessoais dos churrasqueiros aficionados, mas são limitados. A grelha é mágica. Tudo tem seu lugar neste altar… menos água, óbvio”, sentencia enquanto fuma um charuto José Piedra. Para descrevê-lo, tanto em sua forma de se expressar como de agir, somente basta mencionar dois tremendos troféus de grandes animais carnívoros que estão pendurados no salão de sua churrascaria: uma foto de Diego Armando Maradona e outra de Héctor “Bambino” Veira.

“Nenhuma grelha é igual à outra. Em todas se cozinha diferente e, se é especialista, tem que lê-la. E, bom, sempre tem quem opina. Eu me levanto e vou embora. Não permito que ninguém opine”, disse. A essas alturas, animo-me a perguntar a ele certas lendas, como por exemplo: marinar a carne um dia antes? “Não deixe marinar nada. Nem alho, nem salsa, nada, porque tudo isso queima. Só gosta disso quem faz, aqueles que são convidados e não trazem nada e que chegaram com muita fome. É um desastre”. Outra: selar o corte com fogo forte? “É uma besteira. É um discurso marqueteiro, porque não se pode queimar a carne. Saturam-se as gorduras e isso é mal para a saúde. Cozinha-se com fogo com a força de desidratação para transformar os tecidos crus em cozidos”. E um clássico: quando a carne é dura? “A carne dura é dura sempre. É uma questão do animal e não se deve culpar o churrasqueiro nesses casos”. Para fechar: por que o cheiro do assado das obras de construção são sempre melhores? “Por causa da fome”.

O fogo se agita em um canto da grelha. Um saco de carvão e um par de troncos de quebracho preparam o terreno para o grande ato. “Acender o fogo é uma barreira psicológica para muitos. Aos que não sabem recomendo empapar um pão duro com álcool e rodeá-lo de carvão. Mas primeiro, precisa limpar bem a churrasqueira”. Antes de acender o fogo, “Checho” me deu uma faca com a qual tiramos todos os restos das canaletas da grelha; depois, com uma escova e muita água, a deixamos reluzente. “Você gosta de colocar o saco inteiro de carvão em cima do fogo?”, me pergunta. Conto a ele com um pouco de medo que conheço “um amigo” que faz isso sempre. “Ele gosta de plástico. Pecado moral”, expressa.

Essa grelha que tenho à frente passou por tudo. É a original. A que “Checho” conhece melhor que ninguém. O mestre tem três pilares: domínio completo do fogo e das temperaturas; conhecimento total de cada produto e de como foi produzido e, não menos importante, manter a harmonia e o equilíbrio dos condimentos como sal, fumaça e chimichurri.

Eu o questiono sobre o boom da culinária na televisão e sobre os chefs como referências sociais. “Está na moda. É algo mundial. Há 20 anos não existia e se aprendia no bar. Hoje, um cozinheiro se faz em uma escola e sai com o título de churrasqueiro ou algo assim. Assisto às vezes para ver a que ponto podem colocar um pouco de mentira branca na televisão”, confessa. Enquanto o fogo esquenta os ferros da grelha, tento ir mais longe: o que acha de Francis Mallmann que lançou um livro sobre carnes assadas? “Deve ser muito bom para a cozinha francesa, mas o que ele mostra na televisão é um desastre, queima tudo”, opina. O tema da carne queimada é algo que o revela com razão. Segundo ele, é necessário cuidar muito bem os cortes do flagelo do fogo, porque a carne muito cozida ou queimada é um dos fatores principais do câncer de cólon. “Com isso não se brinca”.

O atiçador, segundo “Checho”, é como o botão do gás de cozinha. No painel que temos em frente, a churrasqueira organiza diferentes tipos de “calores”. Os cortes mas largos vão com fogo baixo; os finos (as tiras de assado da sexta costela em diante), com fogo alto. O frango em cocção média, e assim por diante… Ele diz que a linguiça não deve ser cutucada. “Uma vez que se coloca a carne não se mexe, não se toca”, indica, quando me vê com intenções ansiosas. O vazio, quando chega a um ponto de quase cocção, cortamos em porções e o passamos pela seção do fogo forte para tirar esse aspecto de “fervido”. A aula continua; é impossível resumi-la. Então, deixo cair uma pergunta. O que diria a uma vaca? “Que se cuide”, solta ele com um sorriso maroto.

Alguns conselhos para o assador. O ritual do churrasco em quatro passos simples:

– O carvão ou lenha deve ser distribuído abaixo da churrasqueira de tal maneira que emita diferentes intensidades de calor. Os cortes mais largos vão na seção “fogo brando” e os cortes finos, no forte.

– A carne não deve ser marinada, porque esses condimentos se queimam quando o corte é colocado na grelha. Tampouco selar. Sempre deve-se evitar que a superfície se queime.

– Os cortes devem ser salgados sobre a grelha. Uma vez colocados na grelha, não devem ser movidos, salvo em uma só ocasião, para virar.

– Qualquer opinião dos que estão fora da churrasqueira não tem valor. O churrasqueiro deve manejar a pressão do público com firmeza e bom humor.

Por Franco Varise, editor do jornal La Nación, traduzida pela Equipe BeefPoint.

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