SIC – um balanço de dois anos de atividades informando os consumidores de carne bovina
15 de setembro de 2003
MS: Iagro restringe trânsito de gado na fronteira
17 de setembro de 2003

Até quando?

A extensão deste artigo será proporcional aos meus conhecimentos sobre o mercado de carne: breve.

Na realidade, fui me enfronhando nos meandros deste mercado, por necessidade, e em função de um projeto que co-promovia (Projeto TAB 57), cujos resultados foram amplamente divulgados pela mídia especializada, inclusive pelo BeefPoint.

Se meus conhecimentos sobre mercado de carne (interno e externo) são escassos, malgrado os esforços do Professor Pedro de Felício e do Eng. Agr. Miguel da Rocha Cavalcanti (meus “tutores informais”), por outro lado são razoáveis quando se trata de “commodities” e de comércio exterior. Só se consegue “conquistar” um mercado quando ao menos quatro pré-condições são atingidas: preço, qualidade, constância e confiabilidade.

O Brasil obteve resultados fantásticos em exportação de carne bovina. Talvez até mais expressivos do que havíamos conseguido com aves e suínos, há muitos anos atrás. Puxe pela memória, caro leitor, e constatará que há meros cinco anos atrás, carne bovina sequer era tratada como “commodity” no Brasil. O crescimento nestes últimos três anos é vertiginoso:

– Aumento de 68% de exportação de carne bovina “in natura” no 1o semestre de 2003, em comparação com igual período em 2002.
– Segmentando por países, o que acima nos referimos, apresentou crescimento da ordem de 330% para Egito e Rússia, 160% para o Líbano, 115% para as Filipinas – e por aí vai.
– De forma geral, o setor exportador de “carne bovina” está tendo ótimo desempenho em 2003, ainda melhor que em 2002, que já havia sido muito bom.
– Em função disto, o Brasil já é o segundo maior exportador de carne bovina do mundo, logo atrás da Austrália, quando na década passada, éramos exportadores inconstantes, periféricos e marginais. E há boa possibilidade que, em breve, alcancemos o primeiro lugar.
– Mas alcançar é bem diferente de consolidar.

Há motivo para júbilo? Sim.
Há motivo para preocupação? Também sim, e muito.

Tentando afastar a inebriante sensação do sucesso, vamos analisar a questão friamente:

É verdade que ocupamos espaços e ganhamos novos mercados, mas nossa posição, ao contrário do “complexo soja”, por exemplo, ainda é FRÁGIL, bem frágil.

Os espaços que “ocupamos”, o foram mais por mazelas alheias, ocorridas quase concomitantemente, que por competência nossa: Vaca louca e aftosa no hemisfério norte, seca na Austrália, aftosa na Argentina, Paraguai e Uruguai, etc., etc.

Os mercados que “conquistamos” são em grande parte, do ponto de vista político, comercial e financeiro, instáveis. Nosso acesso a importantes e estáveis mercados permanece sendo permitido apenas através de “carne industrializada”, mas não de carne “in natura”.

Nossa rápida ascensão sequer cristalizou-se em sermos mais bem aquinhoados quanto ao volume de “cota Hilton”. Se não estou enganado, o Brasil continua a ter direito às mesmas e parcas 5.000 toneladas/ano, ao passo que a Argentina (que caiu, nos últimos anos, várias posições no “ranking” como exportadora de carne bovina), ainda ostenta suas 28.000 toneladas/ano.

Nós obtivemos expressivos ganhos em genética (eficiência animal, ou, de forma mais simples: capacidade de transformar alimento em carne), mas ainda não conseguimos os mesmos resultados em gestão. E, em especial, em melhoria de meio, ou seja, as condições de nutrição – especialmente a pasto – e de manejo, que permitam aos animais geneticamente melhorados (antes que o MST se excite, não se trata de “transgênicos”, e sim e tão somente, de melhoramento animal), liberarem todo seu potencial.

E, ainda mais gritante que isso, é o nosso arcaico sistema de comercialização de carne, onde não se premia competência, nem qualidade, no segmento pecuarista e frigorífico. Ao contrário de culturas como cana de açúcar (teor de sacarose), e até em citricultura (sólidos totais), onde já se remunera por qualidade, e não apenas por peso, na pecuária de corte permanecemos no PCQ (peso da carcaça quente).

Uma carcaça superior pode remunerar o frigorífico 10 a 15% acima do “equivalente físico”, e, ainda assim será paga apenas pelo peso. Trocado em miúdos: o bom pecuarista não tem incentivo, e por não receber “ágio”, acaba subsidiando o mal pecuarista, que deveria ser remunerado com “deságio”. O leitor pode argüir que existe um “prêmio” para o novilho precoce, assim como para boi “rastreado”. Mas estamos falando de algo muito mais extenso e abrangente – que é pagar todo pecuarista após a sala de desossa, e não apenas pelo PCQ.

Da mesma forma, ainda estamos engatinhando quando a questão é produzir aquilo que o mercado (interno e externo) quer consumir. Salvo raras exceções, não temos o menor interesse em conhecer as especificações de carcaças (e de peças) que o Brasil e o exterior desejam. Quanto mais então em produzí-las. Esta produção norteada pelos mercados, envolve desde o acasalamento entre raças (para produzir carcaças com maior ou menor EG – espessura de gordura – por exemplo), passando pela nutrição, e culminando no abate e classificação de carcaças, e de peças desossadas.

Para que nossa conquista de grande exportador se consolide, precisamos nos dedicar com afinco à melhoria do sistema de produção e de comercialização da cadeia (produtor è frigorífico è consumidor final – seja interno, seja externo). Isso passa inicial e necessariamente pela modernização de sistemas, pela valoração de carcaças e do couro, e pela produção de carcaças e peças dentro das especificações dos diversos mercados – para citarmos apenas os itens mais óbvios.

Isto feito, podemos e devemos criar nosso próprio “modelo” e tentar conquistar mercados, vendendo produtos com a “cultura brasileira”. Que loucura é essa? Assumindo minha porção mineira, respondo: Uai, é assim que os países do Primeiro Mundo colocam seus produtos. Primeiro vendem sua cultura (cinema, TV, literatura), depois vendem idéias – onde o Windows da Microsoft é o exemplo mais fulgurante. Cultura e idéias estabelecidas, a venda de “produtos brasileiros” torna-se muito mais fácil, e ganha imensa alavancagem. Impossível, dirão os céticos. Eu afirmo que não. Exemplo? Fora EUA e (parcialmente) Inglaterra e Japão, o Brasil é o único outro país do mundo que tem “cultura televisiva” própria, e é um dos maiores exportadores de novelas e de programas educacionais do planeta. Se já conseguimos isso com televisão, por quê não com o resto? Abandone-se o ufanismo estéril de um lado, e o derrotismo imobilizante, de outro – e vamos ao trabalho.

O destino abriu-nos uma janela de oportunidade. Vamos saber aproveitá-la? Até agora, nada valida a sensação de que aprendemos a lição, de que o mercado é, por natureza, inconstante, volátil e oportunista. Se não agirmos rápida e eficazmente para consolidarmos nossa posição atual, e avançarmos ainda mais, cabe a pergunta: até quando?

Em tempo: o recente engajamento do ex-ministro da Agricultura Marcus Vinicius Pratini de Moraes com o setor de exportação de carne bovina (presidência da ABIEC), é uma excelente notícia. Pratini de Moraes, o mais jovem ministro da República (aos 29 anos foi ministro da Indústria e do Comércio, no Governo Médici), é um homem que sabe aliar profissionalismo e flexibilidade política, e, sobretudo, é um craque em mercado exterior. O meu questionamento permanece o mesmo, porém agora revestido de mais esperança. Se bem que, como dizia aquela marchinha carnavalesca: “Uma andorinha só não faz verão”…

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