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Argentina: Agronegócio diz que taxa de juros a 60% inviabiliza o crédito agrícola

A aplicação de retenções (imposto sobre exportação) vai corroer toda a rentabilidade de algumas cadeias produtivas, como a agroindústria florestal, diz o presidente da Sociedade Rural Argentina, Daniel Pelegrina. À frente da principal entidade ruralista argentina, ele diz que a desvalorização do peso prejudica setores com custos dolarizados e voltados ao mercado interno, como produtores de aves e carne de porco.

Para ele, o presidente Mauricio Macri foi “ingênuo” ao “confiar demais” no bom humor dos mercados internacionais, mas ele é um “aliado” e merece o apoio do agronegócio. Leia os principais trechos da entrevista.

Valor: O pacote lançado na segunda-feira pelo governo vai na direção correta?

Daniel Pelegrina: Os mercados estão mais tranquilos, mas ainda é cedo para avaliar se deu certo. O déficit zero é um caminho necessário. Mas nós, do setor agropecuário, pensávamos no ajuste fiscal e no reequilíbrio da balança comercial mais pelo lado da recuperação e do crescimento da atividade econômica, com crescimento das exportações e [da receita com] impostos, não pelo caminho da contração da atividade exportadora e de medidas que já se provaram ineficazes, como as retenções.

Valor: De um lado, a competitividade do agronegócio melhora com a desvalorização. De outro, voltam as retenções. Qual é o saldo?

Pelegrina: Vai depender de cada segmento, da estrutura de custos, da posição de cada empresa em termos de financiamento tomado em dólares. Ainda estamos calculando. Acabo de voltar de uma reunião com empresários da agroindústria florestal – madeira, celulose, papel – e eles relataram perda de rentabilidade como saldo. Esse é um exemplo de atividade que estava decolando e será prejudicada. A produção de aves, leite e carne de porco tem alta exposição a custos em dólar. Só que as receitas estão em outra frequência. Os produtores quase não têm capacidade exportadora e suas vendas são para o mercado interno, em pesos, então vão ser afetados.

Valor: Há outros segmentos beneficiados também…

Pelegrina: Sem dúvida, mas não será uma bonança. As economias regionais poderão exportar mais, principalmente produtores de grãos, mas repito: é preciso fazer bem as contas.

Valor: Por que a mesma medida que gerou tratoraços no campo contra Cristina Kirchner, em 2008, agora desperta reação bem mais contida do agronegócio?

Pelegrina: Porque a aplicação de retenções móveis, em 2008, foi a gota que fez o copo transbordar. Havia uma série de medidas anticampo. O kirchnerismo retinha todo o lucro dos agricultores. Agora, as retenções não podem passar de 4 pesos por dólar. São altas, mas fixas. E o valor real vai baixando ao longo do tempo por causa da inflação. Fica mais amigável.

Além disso, apoiamos a atual política agropecuária do governo, que se mostra como aliado nosso. Há uma melhoria na infraestrutura, embora lenta, e tentativa de inserção no mundo por meio de acordos comerciais. É o contrário do que ocorria no governo anterior. Desde a saída de Cristina Kirchner, as exportações de carnes dobraram.

Valor: Existe alguma expectativa de reversão ou, pelo menos, atenuação das retenções?

Pelegrina: Não, resta aceitar. É um passo para trás. Calculamos um pagamento adicional de US$ 2,6 bilhões pelo campo. O próprio presidente disse que fazia isso contra sua vontade e estendeu a medida a todos os exportadores. Esperemos que o governo também corte os seus gastos. O Estado é enorme e ineficiente.

Valor: Macri e o governo demoraram muito para acelerar o ajuste, que era gradualista?

Pelegrina: Confiaram demais que o mundo iria despejar investimentos enormes na Argentina por causa das mudanças políticas e pela imensa oferta de recursos naturais no país. Foram um pouco ingênuos, descuidados. Quem conhece o mundo sabe que não funciona assim, o mercado dá golpes, não existe essa racionalidade. Obviamente há que se considerar que o eleitorado argentino é difícil de seduzir, medidas de ajuste não caem bem e havia eleições legislativas no meio do caminho [em outubro de 2017]. Mas poderiam ter começado o ajuste mais cedo.

Valor: Qual é a principal preocupação dos empresários agora?

Pelegrina: As taxas de juros [a taxa básica subiu para 60% ao ano]. Elas são frutos do risco-país, mas estão incompatíveis com a atividade privada. Temos um plantio [de grãos] pela frente, e o crédito com essas taxas fica insustentável.

Valor: Acredita no risco de uma espiral inflacionária?

Pelegrina: Não, por enquanto não. Há condições recessivas que impedem um quadro de espiral inflacionária, mas precisamos estar atentos para o risco de estagflação [combinação de estagnação econômica e inflação elevada].

Fonte: Valor Econômico.

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