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Anatomia do açougue moderno

Balcão do Belcampo Meat Co., em Russian Hill, San Francisco. Foto de Cassandra Landry.

Por Cassandra Landry

Em um corredor do Belcampo Meat Co., em San Francisco, Estados Unidos, duas galinhas empalhadas estão suspensas no teto, pernas e asas estendidas, preparadas para descansar para sempre.

Mais algumas estão reunidas nas vigas, em cima das prateleiras de livros, um conjunto de plumagem e escamas, pés e olhos redondos, observando esse híbrido de açougue e restaurante. Música country toca nos alto-falantes, e o primeiro cliente do dia acaba de entrar com cem dólares no valor de caldo de osso.

Brian Merkel é o açougueiro chefe aqui. Um ruivo magro com uma marcha lenta e constante, cabelo puxado para trás em um coque, Merkel não vem da Costa Oeste, mas de uma pequena cidade em Michigan, onde aprendeu a caçar cervos e peixes. Ele possuía uma companhia de salsicha em Detroit, Porktown Sausages & Charcuterie, e fazia festas onde ele e alguns amigos desmembravam porcos inteiros em seus quintais. A carne era apenas algo que ele fazia, de forma que ocasionalmente ele criava conteúdo de marketing para a Ford ou fazia trabalho comercial pro bono para organizações sem fins lucrativos. No momento em que ele desembarcou em Nova York, todas as coisas efêmeras da vida tinham virado uma coisa só: ser açougueiro em período integral.

Agora ele está aqui, em um dos mais amplos açougues desse admirável mundo novo – seis locais de norte a sul da Califórnia, apoiados por sua própria fazenda de 20.000 acres na base de Mt. Shasta, uma planta de processamento privada, e operado em conjunto com um restaurante de mesmo nome. É um negócio enorme, ambicioso e aparentemente bem intencionado, ao invés de ser um negócio sombrio devido ao alto volume de produção de carne. São as planícies ensolaradas da Belcampo Farms seu poder mágico?

Talvez, e talvez não ainda. A Belcampo é a garota-propaganda de uma fazenda para se sentir bem, rodeada de ar fresco e abate humanitário. Ela verifica todas as caixas que um consumidor preocupado precisa checar e, ainda, nós hesitamos. Chame isso de ser arisco.

“Não é fácil fazer um negócio de sucesso vendendo carne fresca. Você realmente precisa convencer os consumidores que vale a pena”, disse Merkel. O produto é notoriamente caro – a costeleta de lombo naquele dia em particular estava saindo por US$ 44,07 por quilo – mas, novamente, os cortes brilham como lajes vermelho escuro e ovos Fabergé rosa. As capas de gordura são maiores e mais macias, como caramelo de puxar. Há toda essa sinfonia de poesia existencial da carne que alardeia em seu cérebro quando você olha esse caso, impedindo a percepção de que você embaçou o vidro de excitação. “Há uma diferença tão grande entre a carne que você compra no supermercado e a carne de alta qualidade que e produzida por pequenos produtores… eu acho, espero, que as pessoas estejam chegando”.

Essa diferença é importante. Nós sabemos que é. Podemos ver isso, brilhando, e podemos sentir a diferença imediatamente, como cozinheiros profissionais ou como leigos. Por cerca de duas horas depois que assistimos seja qual for o documentário que está em destaque no Netflix, estamos enfurecidos com essa diferença. Mas também somos otários implacáveis para barganhar preços e facilidades, de forma que embora o açougue moderno precise ser um farol desses produtos de qualidade superior para ainda manter nossa atenção, se isso significa nos conduzir no abismo do entendimento de como nos relacionar com a carne, ele precisa ser mais. Precisa ser de boa vizinhança, inteligente, mas acessível.

Balcão do Belcampo Meat Co., em Russian Hill, San Francisco. Foto de Cassandra Landry.

Balcão do Belcampo Meat Co., em Russian Hill, San Francisco. Foto de Cassandra Landry.

 

“Está definitivamente na moda. As pessoas gostam de ver, de sentir a cultura por trás desse tipo de sistema de consumo artesanal”, admite ele. Um sistema de consumo artesanal, embora seja uma forma menos romântica de observar, é exatamente o que buscamos, mesmo que não admitamos isso por medo de ser rotulado de hipster. Nós esperamos autenticidade e estilo, mesmo no formato de produção em massa. E o que está errado com isso? “Mais pessoas estão cozinhando em casa e prestando mais atenção ao que estão comendo. Então, eu gosto de pensar que as pessoas estão buscando qualidade. Elas querem algo que se encaixe em um padrão ético, mas que também seja delicioso”.

Se isso realmente contar como uma tendência ou uma revolução tão esperada no pensamento, redes como a Belcampo Meat Co. estão cavando para a maré lenta. Pelas contas de Merkel, eles atualmente abatem 12 a 13 novilhos por semana, que são então divididos entre as lojas de varejo. O truque do açougue é ficar nesse ponto: fornecendo o que você tem a uma taxa que permita o que você tem para florescer. No segundo em que isso é abalado, quando a demanda começa a pressionar seus princípios centrais, é quando aderir às suas armas proverbiais é mais crucial – e mais desafiador.

“Eu gosto do aspecto criativo de tudo isso”, disse Merkel. “Estamos tentando usar o animal inteiro e estamos tentando fazer dinheiro. Estamos tentando educar os consumidores e trabalhar com muita eficiência como podemos. O que podemos fazer em casa para eliminar o desperdício? O que será delicioso? O que podemos oferecer a nossos clientes que seja diferente?”

O bife surpresa é uma boa aposta. O corte, tirado da borda interna da escápula, só é encontrado ao quebrar todo o chuck. Não é algo que você encontre nos freezers do Whole Foods. Nem as tiras de bacon, marinadas e preservadas, inspiradas pela mãe de um chef chinês que ele conheceu.

“As pessoas da nossa geração estão focadas em encontrar um trabalho pelo qual tenham paixão. Construir um negócio onde possam se entregar”, disse ele, antes de mencionar a proliferação de programas de treinamento, como o Fleisher’s Pasture-Raised Meats em Nova York. Os açougueiros recém formados ainda querem ficar no sistema Fleisher ou abrir um negócio em uma loja tipo butique. “Isso não está acontecendo somente em San Francisco ou Nova York. Está em Virginia, Colorado, por toda parte”.

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Camas Davis, com os Chapolards. | Foto de Eugenie L. Frerichs para Edible Portland

 

Quando Camas Davis retornou para Portland, Oregon, após passar um verão aprendendo sobre a arte do açougue no sudoeste da França, ela convenceu a loja para a qual estava trabalhando a tentar uma nova tática: exibir o lombo suíno inteiro, sem cortar em partes, na vitrine.

Ela tinha visto esse trabalho nos mercados franceses, enquanto estava atrás dos Chapolards, uma família de açougueiros e produtores rurais que a colocou sob suas asas. Dessa forma, não havia cortes pequenos lentamente oxidando no ar da manhã; os clientes especificariam a quantidade que precisavam e seria feito o corte. Algo sobre a simplicidade disso estava em sua mente, de forma que por um dia, um lombo inteiro foi colocado e as portas foram abertas.

Todos que chegavam achavam que era um atum. Os compradores regulares de costeleta suína não o reconheceram e, assim, não compraram nenhum pedaço dela, e na hora de fechar, um dos cortes mais populares de carne mal tinha sido tocado.

“A resposta para o ponto cego é simples: brilhar uma luz grande sobre ele. Com um cutelo. Nós não pegamos um tomate e ficamos nervosos, mas vamos à casa de carnes ou ao balcão de carnes e ficamos um pouco nervosos”, disse ela. “Não sabemos a diferença entre uma costeleta de lombo ou de ribeye. Não há ninguém atrás do balcão de carnes para nos falar, então, em quem você confia?”

Davis é uma jornalista que se tornou açougueira que se transformou na fundadora do Portland Meat Collective (e sua filial, Meat Collective Alliance) e tomou como missão erradicar uma coisa que ela disse que define nossa relação com a carne: medo. Medo de matar uma coisa viva, medo de apoiar as mega-companhias erradas, sem alma, medo de tudo o que se encontra fora da zona de conforto gastronômica. Visando acalmar grande parte dessas ansiedades o máximo possível de uma só vez, sua empresa permite que as pessoas comprem carne diretamente dos pequenos produtores rurais e serve como centros educacionais sobre açougue, processo de cura e de cozimento. As aulas vão desde fabricação básica de salsicha até açougue suíno e abate de aves.

“Esse é o buraco negro profundo que ninguém sabe como se aproximar”, disse ela. “Quem tocou nessa carne? De onde ela vem? É louco pensar que nós então continuamos a pegar as costeletas de porco do buraco negro e a comê-la”. Todos nós já fizemos isso. Veja você, com um lombo estranho pré-marinado em uma embalagem de plástico do Trader Joe’s.

Mesmo quando a Portland Meat Collective foi surgindo como mais do que uma centelha de uma ideia, Davis foi aproveitada para histórias da mídia, frases de impacto e painéis sobre consumo ético – um deles colocando a seu lado um professor de filosofia vegan e um advogado dos direitos dos animais. Ela estava, segundo suas palavras, “rasgada em pedaços”.

“Estava muito claro que eu era inimiga de muitas pessoas”, relembra ela. “Simplesmente dar aulas sobre isso ou se envolver no ato de criar animais ou abatê-los ou processá-los era considerado muito ruim. Esse foi o ponto em que eu comecei a ver que havia algumas lacunas na conversa que poderiam ser preenchidas. Foi onde foquei minha energia”.

Talvez seja mais fácil servir àqueles que já falam sua língua, mas Davis queria por tudo abaixo. Para fazer isso, ela primeiro teria que refinar seus próprios pensamentos sobre o movimento que tinha inadvertidamente se tornado parte. O que mesmo ela estava tentando fazer? Não era sobre glorificação da carne, ela decidiu, mas sim, uma mudança fundamental sobre a forma como valorizamos isso. “Há um grande ponto cego sobre o qual todos estão ficando realmente nervosos. Simplesmente ir à loja e comprar algum tipo de alimento está se tornando essa coisa ansiosa para as pessoas, de forma que qualquer tipo de desmistificação é boa”, disse ela. “A esperança é que as pessoas comecem a fazer pequenas mudanças, que ao longo do tempo se tornem algo maior”.

A resposta para o ponto cego é simples: coloque luz nele. Com um cutelo.

“Em quase todas as aulas de açougues de suíno, há um momento onde alguém diz, ‘é daí que vem o bacon?’”, disse ela. “Ver as pessoas perceberem que alguém matou esse animal, que alguém teve que lidar com os intestinos, alguém teve que tirar os pelos… isso muda a forma como eles valorizam a carne. Isso muda todo o jogo”.

É fácil supor que as aulas de Davis ensinam uma habilidade, algo que seus alunos podem usar como um truque de festa ou que os permita subir de nível em algum tipo de Super Mario Bros com cenário de comida. É maior que isso: eles vêm por causa da vaga sensação de que perderam o controle sobre o que colocam em seus corpos. Eles buscam uma alternativa, mesmo se não têm certeza de qual seja.

“Meu objetivo era originalmente abrir uma loja de animais inteiros, mas o que percebi dentro de uma semana ou duas era que simplesmente não havia uma base de consumidores, mesmo em Portland, para apoiar isso”, disse ela. “Quando você está pagando por ossos e sangue e orelhas de porco e focinhos e todos esses outros cortes, você precisa fazer muita educação no açougue, mas ao mesmo tempo, você está perdendo receita e carne. Então, ao invés disso, eu me tornei mais interessada em criar uma base de consumidores que apoiariam um açougue como esse”.

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Michael Dulock | GALDONES PHOTOGRAPHY

 

Essa loja existe, escondida atrás de uma fachada indescritível em Somerville, Mass., onde a única sinalização é um pequeno decalque de vinil plastificado na porta onde se lê M.F. Dulock – carnes produzidas a pasto.

As pessoas são atraídas pela propaganda boca a boca ou pela carne que vai sendo rapidamente aparecendo nas janelas em todo o comprimento da loja.

“O moderno açougue remonta à década de 1940. Somos mais do que um lugar para comprar carne. Somos um centro comunitário”, disse o proprietário, Michael Dulock. Isso vem de um homem cuja mãe tinha três açougues que lotavam nos fins de semana; o Paul’s Cold Cuts em Everett, MA, era como uma religião, disse ele. Eles estavam lá toda semana. “Por um longo tempo, como uma cultura, nós nos afastamos disso e começamos a gravitar em direção a grandes lojas, onde todos são sem nome e sem rosto, mas você pode ter o que quiser. Você pode entrar em qualquer dia que quiser e pegar 50 quilos de bife se você quiser. Essa não era a loja que queríamos construir”.

A loja que eles queriam construir está agora aberta desde 2012. Ela representa sua segunda incursão no mundo da carne após o fechamento do Concord Fish & Prime, que ele tinha com seu pai e irmão. “Eu sempre disse às pessoas que entrei no negócio de carne por acidente”, disse ele. Ele normalmente começa a história desse jeito, porque em Boston, o nome Dulock é sinônimo de frutos do mar; esse mercado em Concord foi originalmente concebido como um mercado de peixe, mas um pedaço a mais de terra o levou ao negócio de carne pela primeira vez em sua vida.

“Eu nunca tinha cortado carne em outro local que não meu prato, mas se você pode usar uma faca, você pode cortar a carne fora da caixa”, ele explicou. Ele contratou um açougueiro experiente, e eventualmente o deixou fazer suas próprias coisas. Ele queria aumentar suas habilidades e começou a comprar suínos e cordeiros de um abatedouro.

Em 2008, 90% de seus clientes estavam pedindo carne encaixotada, do tipo USDA Prime. Em 2012, quando ele se preparou para abrir seu próprio açougue, o pêndulo tinha mudado para o outro lado. A demanda por animais locais, criados a pasto, estava fora dos gráficos. Esse foi um momento crucial em sua carreira.

“Nós decidimos que não venderíamos nenhuma carne commodity. Não faríamos nada além do animal inteiro. Essa era definitivamente a direção mais desafiadora e não era o caminho mais fácil para a lucratividade. Mas é maior que isso. Trata-se de uma diferença filosófica de consumo. Para fazer isso, você precisa viver isso”.

“Tudo o que você aprendeu e tudo o que lhe disseram nessa indústria é quase certamente aberto para interpretação. Para mim, dizer que há menos valor em um beef shank (perna/músculo) do que em um tenderloin (contrafilé) é uma bobagem. Esse animal foi abatido e trazido do mercado. Não há parte dele que deve ser desperdiçada”.

A decisão levou à criação do programa clube da carne. Uma vez por mês, os membros recebem cinco libras (2,27 quilos) de carne, contendo de tudo, “dos pés ao tenderloin”. Isso demorou para decolar; novamente, as pessoas precisavam ser convencidas. Dulock calculou que tudo o que eles precisariam era de dez pessoas por semana. Dez pessoas e eles estavam no negócio. Dois anos depois, há uma grande lista de espera.

“Eu nunca dei lição de moral. Nunca abaixei meu nariz para alguém que prefere comer tenderloin. Englobamos todos os tipos. O que fazemos aqui é oferecer às pessoas a chance de comer da forma que comemos. Se eles escolherem isso, é ótimo. Se não, não há nada de errado com isso”.

Dulock é claro em suas crenças, mas totalmente desinteressado em fazer qualquer julgamento, seja de seus clientes, produtores, colegas. Ele dirige sua empresa dessa maneira, mas é isso. Onde outros podem se envolver em política e ativismo, ele tende a ficar de fora da briga. Ele é um intermediário entre “carnívoros conscientes” e os produtores rurais que pretendem apoiar, não um evangelista querendo converter as massas.

“O que percebi é que não houve nunca uma resposta clara. Tudo o que você aprende e tudo o que é dito nessa indústria é quase certamente aberto à interpretação. A verdade da questão é, como proprietários de um pequeno negócio, somos reacionários. Mas você pode ser reacionário e ter princípios”.

É uma forma de pensar e de viver. M.F. Dulock é uma loja em que você pode confiar, que o ensinará se você pedir e que exemplifica uma prática ética sem um palanque.

“Sou um açougueiro. Venho trabalhar todos os dias, corto carne, falo com as pessoas. É o que eu faço”, disse ele. “Quando não houver mais demanda por fazer o que acreditamos ser correto, então a loja fechará”.

Fonte: http://www.misemagazine.com, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.

1 Comment

  1. Mateus Arantes disse:

    Muguel a Fazenda São Matheus acredita neste caminho e no dia 02-07-2015 fizemos um encontro fantástico com uma história q tem mais de 100 anos e a melhor carne Nelore que muitos comeram e apreciaram. Essa é a nossa história, essa é nossa carne, um projeto genuinamente brasileiro.

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