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Anabolizantes, crime hediondo ou ferramenta zootécnica?

O uso de anabolizantes é reconhecidamente uma ferramenta bastante eficaz em aumentar a produtividade animal, tanto individual como do sistema como um todo. Porém, o uso dessa ferramenta é proibido no Brasil. O objetivo deste radar será o de abordar de maneira rápida o uso de promotores de crescimento na produção de carne e seus benefícios no sistema de produção, bem como a segurança para a saúde humana com o consumo de carne oriunda de animais tratados.

Entende-se por promotores de crescimento substâncias exógenas, não nutritivas e que promovem o crescimento e desenvolvimento animal. Exemplos são: BST (somatotrofina bovina), agonistas beta-adrenérgicos, antibióticos, probióticos, ionóforos (monensina, lasalocida) e os hormônios anabolizantes. Nesta última categoria estão os implantes hormonais de origem estrogênica, progestágena ou androgênica, sintéticos ou não. Ao utilizarmos o termo promotor de crescimento no texto estaremos nos referindo a hormônios anabolizantes.

Hormônios são substâncias naturalmente produzidas por seres vivos, sendo responsáveis pelas mudanças morfológicas, comportamentais, fisiológicas e bioquímicas entre machos e fêmeas, animais inteiros e castrados. Bovinos castrados são menos eficientes na produção de carne magra. O uso de anabolizantes aumenta essa eficiência. Eles vêm sendo estudados e usados a mais de 40 anos como ferramenta para aumentar a eficiência na produção de carne.

O primeiro produto utilizado com objetivo de aumento na produção de carne bovina foi o dietiletilbestrol (DES), em 1947, sendo o uso comercial aprovado pelo FDA em 1954. Desde então uma série de outros produtos como benzoato de estradiol, zeranol, acetato de trembolona, e suas combinações e dosagens vêm sendo estudadas para serem utilizados comercialmente (Tabela 1) em vários países, principalmente nos Estados Unidos (Raun e Preston, 1997).

Tabela 1: Principio ativos e concentrações de implantes hormonais comercializados nos EUA.

Os anabolizantes, sintéticos ou não, podem ser estrógenos (17 -estradiol, benzoato de estradiol e Zeranol, etc.), androgênicos (testosterona, acetato de trembolona, propionato de testosterona, etc. ) ou progestágenos (acetato de melengestrol, progesterona, etc.). Os mecanismos de ação podem ser diretamente na célula (andrógenos) ou indiretamente através do aumento da secreção pituitária de hormônio de crescimento (estrogênicos e progestágenos), resultando em maior síntese de proteína e, consequentemente, hipertrofia muscular, ou seja maior desenvolvimento do músculo.

A intensidade das respostas, bem como as variações, ocorrem principalmente devido ao tipo do princípio ativo do implante, do número e repetição de implantes, além, é claro, da nutrição e do sexo do animal. No tabela 2 é possível observar que associação entre princípios (estrógeno e andrógeno) e o uso de estrógeno forte promoveram as melhores respostas.

Tabela 2: Tipo de implante na resposta animal.

Animais inteiros em geral são menos responsivos que animais castrados e novilhas. Entretanto, segundo Preston (1998), há uma tendência a maior deposição de gordura em animais inteiros tratados com anabolizantes. O efeito do implante pode ser minimizado quando a nutrição é deficiente ou inadequada, pois animais tratados apresentam maiores consumos de alimentos e exigências diferenciadas de animais não tratados.

Os resultados em diversos trabalhos publicados no Brasil e no mundo indicam um aumento no ganho de peso variando de 5 a 30%, com valores médios de incremento em torno de 15%, acompanhado de aumento no consumo de alimentos com evidente melhoria na conversão alimentar (5 a 15%). No Brasil, antes da proibição do uso de promotores de crescimento, foram realizados diversos trabalhos que claramente demonstravam tais observações, dentre eles podemos citar Leme et al (1984), onde os ganhos de bovinos Nelore castrados implantados foram 38% maiores que os não implantados (tabela 3). No geral os implantes chegam a promover em média 1 @ mais de carcaça em relação aos animais não implantados.

Tabela 3: Efeito do implante no desempenho de bovinos castrados em confinamento

Preston (1998) concluiu que o uso de promotores de crescimento em confinamento, nos Estados Unidos, gerava uma rentabilidade de US$20-75 a mais por animal implantado, em relação aos não implantados, com estimativa de redução nos custos de produção total em torno de 7%, o que torna a indústria da carne americana, de certa forma, mais competitiva em relação a outros países. Também estima-se (com base em dados de 1996) que a proibição do uso de anabolizantes naquele país reduziria a participação de carne bovina de 31,9 para 29,8% no mercado de carne americano, provavelmente devido ao aumento nos custos de produção com migração do consumidor para outras carnes. Esta pequena queda de 2% acarretaria US$1,4 bilhões de perdas na comercialização de cortes, o equivalente a exatamente 50% do valor exportado pelo Brasil em 2001 (US$2,8 bilhões).

Segurança para saúde humana

No início dos anos 70 surgiram os primeiros questionamentos sobre a segurança do uso de promotores para saúde humana, sendo aprovada uma lei que produtos para fins de produção de carne não deveriam apresentar resíduos, e se qualquer espécie animal apresentasse indícios de tumores ou resíduo devido ao uso de tais produtos, estes deveriam ser banidos. Nos anos 60 apenas 0,5% dos fígados (órgão de excreção do DES) bovinos analisados apresentavam resíduos, porém as carcaças inspecionadas não apresentavam estes resíduos. Anos mais tarde, a incidência de detecção em resíduos no fígado aumentou para 2-2,5%, devido a superdosagem na administração oral e ausência de período de carência após a retirada de implantes. Isto levou o FDA a banir o DES oral, e estabelecer um período de 120 dias de carência após o implante.

No final dos anos 70, o DES (análogo de estrogenio), quando ingerido na forma de medicamento por humanos, e não através da carne de animais implantados, mostrou ser um possível agente cancerígeno. Desta forma o uso do DES foi banido para uso em animais de produção. Isto ocorreu após a constatação de “raros casos” de adenocarcinomas em filhas de mulheres que durante o primeiro semestre de gravidez ingeriram remédios com este princípio. Mais tarde foi demonstrado que, na maioria dos casos, os remédios foram prescritos e ingeridos de forma errada (Raun e Preston, 1997). A fabricação do composto atualmente é proibida.

Antes de se falar em segurança no consumo de produtos cárneos produzidos em sistemas com auxílio de promotores de crescimento, é necessário conhecer as concentrações de hormônios em diversos alimentos (de origem vegetal ou animal), e a produção diária destes em humanos (tabelas 4 e 5). Para melhor entendimento das unidades a serem usadas: 1 bilhão de nanogramas (ng) é o equivalente em peso a 1 grama.

Tabela 4: Produção diária de hormônios em seres humanos.

Tabela 5: Concentração de estrógeno em porções 500 gramas de alguns alimentos

Como pode ser observado, alimentos (óleo de soja) apresentam concentrações até 1 milhão de vezes maior que carne de bovinos implantados, enquanto estes apresentam, em média, apenas 2 unidades a mais que animais não implantados. Estas 2 ng a mais, ainda são 20-25 mil vezes menores que a produção diária de estrógeno de meninos e meninas pré-púberes, sendo praticamente impossível que esta ínfima dose diária de hormônio na carne possa causar grandes alterações no desenvolvimento da crianças, ou que possa causar algum efeito negativo em seres humanos adultos.

Para garantir segurança quanto ao máximo de resíduo em alimentos, existe órgão regulador ligado a FAO, o Codex Alimentarios, onde com base em pesquisas no mundo inteiro se estabelece os níveis de segurança de elementos químicos nos alimentos.

Como exemplo, podemos citar a regulamentação para as dose de acetato de trembolona (17-TBOH e 17TBOH), que é estabelecida com base na dosagem que provoca alterações no animal mais sensível, no caso o suíno (10 g/kg PV de 17-TBOH e >360 g/kg de 17TBOH). Estas doses são multiplicadas pelo peso de um humano (Peso= 60kg) e ainda dividido por um fator de segurança de 100 vezes ( Dose*60/100), estabelecendo-se a dose aceitável de ingestão diária.. Estabeleceu-se que para 17-TBOH o consumo aceitável diário para humanos era de 6 g/kg, e para a 17TBOH de 216 g/kg. Na tabela seguinte são apresentadas as concentrações destes compostos em alguns alimentos, bem como os consumos “potencial” de cada alimento e respectivo resíduo. Os consumos potencial para os resíduos do acetato de trembolona foram 4600 e 11900 vezes menores que o consumo aceitável.

Tabela 6: Consumo potencial humano

Em 1995 foi realizada na Europa uma reunião da Comissão Européia de Agricultura para Conferência Ciêntífica Sobre Uso de Promotores de Crescimento na Produção de Carne, para discutir principalmente agentes anabolizantes. Nesta ocasião concluiu-se que “com base nas informações disponíveis não há risco para o público ou qualquer ser vivo como resultado da administração correta de promotores de crescimento, esteróides anabolizantes, para bovinos de corte” (Maddox, 1996). Em outras palavras, não existem resultados na literatura internacional que comprovem efeitos negativos para a saúde humana de anabolizantes usados na produção de carne.

A comunidade Européia proíbe o uso e importação de carne bovina que tenha recebido qualquer tipo de agente anabolizante, apesar de não terem justificativas científicas para tal. O que leva a acreditar que o impedimento é muito mais de ordem econômica e política, para preservar a produção agrícola subsidiada. Outros países, como EUA, Argentina, África do Sul, Austrália, Canadá, Colômbia, Chile, Japão, México, Nova Zelândia e Venezuela utilizam promotores de crescimento, sendo que destes, muitos são concorrentes em potencial da carne brasileira. As importações feitas pela Europa de carne destes países são provenientes de sistemas de produção específicos que não usam implantes.

No Brasil após idas e vindas, o uso de promotores de crescimento em bovino foi proibido de maneira definitiva em 1986, aparentemente sem maiores justificativas científicas. A situação política e econômica da época, associadas ao sensacionalismo da imprensa e desconhecimento da população sobre o assunto, podem ter sido as verdadeiras causas da proibição no país.

O uso de hormônios anabolizantes em bovinos visando à produção de carne é bastante eficiente, aumentando o retorno por maior produtividade, sendo que, como discutido, não há evidências de riscos à saúde pública. É amplamente divulgado que o mercado interno de carne oscila em função do poder aquisitivo da população e, principalmente, pelo preço da carne, que pode ser produzida e vendida a menores custos com o auxílio de implantes hormonais. Para isto seria preciso fornecer informações de maneira coerente e responsável sobre a segurança do produto, além, é claro, da criação de sistemas eficientes de fiscalização, evitando o uso de promotores na clandestinidade e de forma irresponsável. Para produção de carne para determinados nichos de mercado, como o Europeu, a alternativa seria da formação de grupos com sistemas específicos de produção, a partir da iniciativa dos próprios exportadores e produtores, como foi sugerido em discussão em fórum técnico do BeefPoint recentemente.

Literatura Consultada

Preston, R. L. Strategy for the use of implants in beef cattle production. Simpósio sobre Produção Intensiva de Gado de Corte. CBNA. p. 22. 1998.
Lima, M. L. P.; Leme, P. R.; Freitas, E. A. B.; Moura, A. C. Aditivos e promotores de crescimento na produção de bovinos de corte. Boletim técnico 39. 3ª ed. 1998. 92p.
Leme, P. R.; et al. Efeito do zeranosl no desempenho de bovinos da raça Nelore inteiros e castrados em confinamento. Zootecnia, Nova Odessa, v.47, n.2, p.169-172, 1990.
Maddox, J. Proceedings of Scientic Conference on growth promotion in meat production, European Commission, Directorate-General VI, Agriculture Brussels, Belgium. 1996.
Raun, A.; Preston, R. L. History of hormonal modifiers use. In. Symposium of Impact of implants on performance and carcass value of beef cattle. Oklahoma State University. p.1-9, 1997.
Duckett, S.; Owens, F. Effects of implants on performance and carcass traits of feddlot steers and heifers. In. Symposium of Impact of implants on performance and carcass value of beef cattle. Oklahoma State University. p.63-82, 1997.
Boots, R. Growth stimulants: Couponds, concentrations, combinations and regulations. In. Symposium of Impact of implants on performance and carcass value of beef cattle. Oklahoma State University. p.10-14, 1997.
Prestom, R. L. Rationale for the safty of implants. In. Symposium of Impact of implants on performance and carcass value of beef cattle. Oklahoma State University. p.199-203, 1997.

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