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Agricultura “fashion” (III)

Em meus artigos anteriores, que tratavam, assim como este, de "agricultura ética" ou "comida ética", abordei "Agricultura Orgânica" e "Buy Local" (compre alimentos no local onde é produzido). Deixei o Fairtrade (troca ou comércio justo) para o final desta série de artigos, por ser uma idéia que, mesmo apresentando méritos, deixa alguns aspectos não resolvidos, ou, pior, mal resolvidos. Mas é a mais promissora das iniciativas de Agricultura "Fashion".

Em meus artigos anteriores, que tratavam, assim como este, de “agricultura ética” ou “comida ética”, abordei “Agricultura Orgânica” em 8 de maio e “Buy Local” (compre alimentos no local onde é produzido), em 29 de maio.

Deixei o Fairtrade (troca ou comércio justo) para o final desta série de artigos, por ser uma idéia que, mesmo apresentando méritos, deixa alguns aspectos não resolvidos, ou, pior, mal resolvidos. Mas é a mais promissora das iniciativas de Agricultura “Fashion”.

Mas o que é Fairtrade?

É um sistema que, através de subsídios explícitos a certos produtos agrícolas, oriundos de determinados países em desenvolvimento (i.e. pobres), objetiva aumentar a renda dos agricultores. O consumidor de países ricos que compram produtos com etiqueta Fairtrade, sabem que estão pagando mais caro, mas acreditam que algum empobrecido agricultor africano, asiático ou sul-americano estará se beneficiando com isso. Louvável, não? Certamente. Atinge os objetivos propostos? Quase nunca. Ao menos, não até agora.

Primeiro, porque boa parte deste subsídio concedido pelos consumidores não chega aos produtores 1 (mais uma vez, os intermediários são os grandes beneficiários). Em segundo lugar, porque mesmo o pouco que vem a beneficiar diretamente agricultores pobres, é suficiente para induzi-los a produzir mais daquele determinado produto – ao invés de diversificar sua produção – causando, ao longo do tempo, queda de preços por excesso de produção (estimulada).

Existem muitas objeções ao Fairtrade, além das duas mencionadas acima: (I) A concessão do certificado é arbitrária, discriminatória, e, não raro, injusta. (II) Só é permitida a concessão de Fairtrade a pequenos agricultores, em geral cooperativados, o que discrimina médios produtores, e também os grandes produtores e os funcionários destes (que, recebendo menos por seu produto, pagariam salários piores). (III) Estaria sendo utilizada por grandes corporações apenas para melhorar sua imagem. O exemplo mais citado é a Nestlé, que vende mais de 8.000 produtos não-Fairtrade, mas que lançou recentemente uma marca de café chamada Partner´s Blend, cuja matéria prima é exclusivamente Fairtrade. A crítica, neste caso específico, é que o impacto no comércio internacional de café – e nos preços – é mínimo. Mas o efeito para a imagem corporativa da Nestlé, seria imensa.

Pessoalmente, acho que, no caso em tela, os xiitas são os críticos do Fairtrade e não os ambientalistas com cunho sócio-econômico, ou as empresas comprometidas com este sistema (uma rara inversão de valores, aliás). Afinal, não se constrói um novo tipo de relacionamento sem tentativas e erros, e em tão pouco tempo.

Todas as críticas ao Fairtrade têm alguma validade, e há muito o que aperfeiçoar, e muitos preconceitos a serem eliminados, inclusive o que acredita que apenas “small is beautiful”. Ainda assim, é uma formidável ferramenta para progresso, não apenas no preço mínimo dos produtos beneficiados com a certificação, como também na sua qualidade. Para ficarmos no caso do café: a transparência de iniciativas como o Starbucks´ CAFE, ou o “Cup of Excellence”, de uma maneira ou outra ligadas ao Fairtrade, têm contribuído muito para o aprimoramento da qualidade do café (e também do preço), em diversos países, inclusive no Brasil. Seu impacto ainda não é relevante, no cômputo agregado (no preço) do comércio mundial do café, mas já é um começo. O mesmo ocorre com produtores de cacau da África Ocidental, beneficiados por esta política.

Como mencionei nos dois artigos anteriores, acho o conceito de “comida ética” admirável, e não deve ser motivo de menosprezo, mesmo quando dá origem a conceitos extravagantes. Afinal, nada há de errado com tentativas de proteger o Meio Ambiente, estimular desenvolvimento sustentável, e lutar por comércio mundial mais justo. Cidadãos que tentam contribuir para o bem, mesmo que equivocadamente, são sempre preferíveis àqueles que nada fazem.

Nesses meus três artigos sobre Agricultura “Fashion“, nenhuma das bem intencionadas tentativas, parece dar muito certo. Seria o caso de abandoná-las? Não. A genuína preocupação com os semelhantes, e com o futuro do nosso planeta é algo que não deve ser subestimado, nunca.

Apenas considero que o voto em políticos e partidos que genuinamente defendam políticas eficazes para diminuir desigualdades, e proteger a Terra da destruição insensata em curso – é mais eficiente que o ingênuo “voto com carrinho de supermercado”, defendido por muitos.

Realmente, a solução para estes problemas está na esfera dos governos, e não da dos indivíduos. Enquanto não houver diminuição da imensa cadeia de cotas, tarifas e barreiras diversas concedidas pelos países desenvolvidos – da Europa principalmente – a seus ricos, e nem sempre eficientes agricultores; enquanto não houver cobrança de uma taxa mundial punitiva para emissão de gases que causam efeito estufa; e enquanto não houver reforma séria no sistema de comércio internacional, os conceitos de “agricultura fashion” permanecerão sendo apenas isso: louváveis iniciativas individuais, capazes de aplacar consciências pessoais. Mas não suficientes para tornar nosso mundo em um lugar melhor para se viver.

Prezado leitor, você estará livre de mim por um bom tempo. Daqui a duas semanas, vou para o Peru com meu filho mais velho, onde passaremos quase um mês. Além de ser um país belíssimo, com diferentes opções aos visitantes, desde selva amazônica até altitudes acima de 5.000 mts. com neves (ainda) eternas dos Andes, e uma cultura muito rica, abriga o que para mim foi, e continua sendo, um insondável mistério.

Como o espanhol Francisco Pizarro em 1532-1533, comandando apenas 170 homens, e dotado de alguns poucos cavalos, conseguiu aniquilar o império Inca, que se estendia pelo oceano Pacífico desde o sul da Colômbia até o norte da Argentina. Afinal, os Incas eram um povo guerreiro, tão cruel e agressivo quanto o invasor, e possuidor de exército numeroso, e de um sistema administrativo sofisticado, que por vezes lembra o do império Romano. Além disso, em diversos aspectos, eram também culturalmente mais adiantados que os europeus. Na minha primeira ida ao Peru, há quase 30 anos atrás, visitei o país como mero turista. Desta vez, vou com encontros agendados com historiadores e antropólogos peruanos – a quem espero não aborrecer com minha ignorância, e de quem pretendo aprender muito.

Pobre de meu filho de 17 anos, que ainda não sabe dessas entrevistas, e também que provavelmente não encontrará lan houses ou videogames em Puno, Nazca, Arequipa, Machu Pichu, Cuzco, Huancayo, Cajamarca e locais afins.

A educação de filhos, no sentido mais amplo desta palavra, obriga às vezes que pais sejam um tanto… esquecidos.

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1Tim Harford (The Undercover Economist – 2005) calcula que apenas 10% do subsídio chega realmente às mãos do público alvo.

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