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‘Agricultura do sol’ avança no Vale do Araguaia

Onde antes só se via boi, despontam os pivôs que tornaram viável a transformação de pastos em lavouras. A pecuária extensiva abriu espaço para a rotação de culturas, e com a irrigação a “agricultura do sol” mudou a lógica produtiva de uma área que durante décadas permaneceu estagnada, como fotografia de um modelo de negócios rurais que, aos poucos, vai sendo engolido pelo tempo.

Localizada no município de Britânia, na porção goiana do Vale do Araguaia, a Fazenda Santa Elisa, de propriedade da Mitre Agropecuária, é uma das tantas na região que vive essa transformação. Não é a única que busca imprimir veia profissional às mudanças e projeta expansão das atividades.

Mas, como todas as outras, encara para seguir sua trilha amplo debate sobre o uso das águas em um dos principais polos turísticos do Centro-Oeste.

Fabricio Mitre, que aos 33 anos comanda a Mitre Agropecuária e a maior parte dos negócios da família, lembra que a Santa Elisa, onde na infância costumava passar férias, estava esquecida no início desta década.

Com 1,5 mil hectares, a propriedade era exclusivamente voltada à pecuária extensiva, e como negócio era uma operação questionável. O potencial de desenvolvimento era claro como os dias de céu aberto desta época do ano em Britânia.

Formado em engenharia, com especializações em economia e filosofia em Londres e experiência no mercado financeiro, Fabricio não deixou o cavalo encilhado passar batido. Comprou fazendas vizinhas, passou a contar com 4 mil hectares e a gestar uma nova dinâmica.

Inicialmente, é verdade, investiu na própria pecuária de corte. Mas logo partiu para a integração entre pecuária e lavouras, com um “projeto sustentável”, como define, de plantios de feijão e soja transgênica intercalados por capim.


Fabricio Mitre, na fazenda Santa Elisa, em Britânia (GO): plano do empresário é expandir a área irrigada para cerca de 10 mil hectares em um prazo de sete anos

“Foram três anos para obter os licenciamentos necessários e quatro para colocar o projeto de pé”. Para poder ligar os nove pivôs de irrigação instalados na fazenda atualmente, o empresário conta que precisou investir em uma rede elétrica de 41 quilômetros. “Usamos apenas um décimo da energia da rede, o resto doamos para a concessionária [Celg]”, afirma.

Apesar de concentrar as atenções, diz Antonio Rondon Pereira de Lima, diretor agrícola da Mitre, os pivôs, de acesso remoto, não são a única tecnologia na Santa Elisa. Maquinário como tratores com GPS, sistemas de análise de solo e variedades (sobretudo de feijão) adaptadas à região são outros “motores” do avanço agrícola do grupo.

A expansão e a transformação da Santa Elisa absorveram investimentos totais da ordem de R$ 25 milhões, mas hoje o valor de mercado da fazenda chega a cerca de R$ 100 milhões, segundo o empresário. Os pivôs que irrigam as produções alternadas de feijão, soja e capim cobrem uma área de plantio de 911 hectares.

Da área restante, parte é ocupada por reservas florestais e parte ainda pela pecuária. Mas os bois que pastam na Santa Elisa não são mais de propriedade da Mitre Agropecuária.

O rebanho – que varia, mas pode chegar a 10 mil cabeças – é de um parceiro, que na hora da venda divide o valor equivalente ao ganho de peso dos animais com a empresa. “E esse ganho, sem confinamento, chega a 1,3 grama por dia”. Fabricio diz que, a depender do mercado, a implantação de um confinamento não está descartado.

Agora o objetivo da Mitre Agropecuária é chegar a 10 mil hectares em um prazo de sete anos, em terras próprias e arrendadas. “Já temos garantido o arrendamento de mais 1,3 mil hectares, sujeitos a licenciamento, para a safra 2017/18. E estamos negociando outras aquisições”, afirma. O fato é que as vendas de feijão na região vão bem, a soja continua com bastante liquidez e alguma diversificação também está nos planos. Mas o foco, no curto prazo, continuará mesmo sobre o feijão.

É a leguminosa que permitirá que a Mitre Agropecuária ao menos mantenha sua participação de 7% no faturamento do grupo, que em geral está em alta e deverá somar R$ 220 milhões em 2018. No médio e longo prazo, contudo, a manutenção do ritmo de avanço dependerá do aumento da disponibilidade de água para irrigação. E é esse o debate que domina a parte goiana do Vale do Araguaia atualmente.

Ante as recorrentes acusações de que a agricultura irrigada pode causar prejuízo hídrico permanente ao Vale, o agrônomo e consultor José Roberto de Menezes, responsável por diversos projetos agrícolas na região – inclusive o da Mitre – busca dissipar preocupações. Ele afirma que, entre agosto e setembro, pico da seca, os pivôs são usados pontualmente. Ficam ligados com mais intensidade de abril a junho, voltam à carga em outubro e são novamente deixados de lado com as chuvas de verão.

“Se somarmos todas as horas de uso, temos de 40 a 50 dias de irrigação ao ano. Mas 20% da água utilizada volta ao lençol freático de agosto e setembro”, afirma Menezes, que cunhou o termo “agricultura do sol” pra definir os novos contornos da produção agrícola da região.

Como parte de sua campanha de convencimento, mais de 70 produtores criaram um “braço” da Associação dos Produtores do Vale do Araguaia (Aprova) com foco na agricultura – a “Aprova” original é voltada à pecuária – e tem participado das discussões por meio da entidade. “Temos procurado uma maior cooperação com os governos municipais e com o Estado. Estamos participando de audiências públicas e trabalhado junto às comunidades locais, inclusive com ações junto a escolas”, afirma Antônio Celso Barbosa Lopes, diretor da Aprova.

Fonte: Valor Econômico, adaptada pela Equipe BeefPoint.

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