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Ações de agro têm ganhos expressivos e safra recorde justifica novas altas

O período de pandemia reacendeu a força do agronegócio brasileiro não só no mercado interno, mas, sobretudo, em escala global. Com as sucessivas safras recordes registradas no campo, o setor caminha contra os efeitos da crise e garante ainda mais relevância para a atividade do país. Para além do Brasil, o segmento se beneficia de uma demanda externa a todo vapor e um estoque de grãos ainda estreito, fatores que empurram os preços do mercado internacional para cima e sustentam o otimismo sobre a produção interna. Em paralelo, os resultados atraentes fortalecem a imagem de empresas do setor na renda variável, que acumulam ganhos expressivos no ano.

E, à primeira vista, motivos não faltam para enxergar o agronegócio como uma oportunidade de investimento. Ao considerar o bom desempenho do setor, George Wachsmann, sócio e chefe de gestão da Vitreo, chama atenção para a importância do agronegócio para o mercado mundial e, sobretudo, para o Brasil.

“É um setor que responde por mais de 25% do PIB e que, há 20 anos, cresce mais de 3,5% ao ano. É quase o coração da economia brasileira. Nós sentimos as dores da inflação, mas também as vantagens de ser um dos principais exportadores de diversas commodities agrícolas”, enfatiza.

Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio alcançou a marca recorde de 24,31%. Com o resultado, o setor expandiu para 26,6% sua participação no PIB total, contra 20,5% no ano anterior. Os dados são da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) e levam em consideração o movimento de toda a cadeia do setor: produção, insumos, agroindústria e serviços.

Rafael Panonko, analista chefe da Toro Investimentos, segue a mesma direção de Wachsmann e pondera que o agronegócio é o motor do Brasil. Ele atribui o potencial do país não só em relação à extensão de terra, mas no que diz respeito à capacidade de terra produtiva, além das boas condições climáticas para o cultivo de diversas commodities agrícolas. “Olhando para a economia, no ano passado a atividade teve um novo recorde e, neste ano, deve ter mais uma marca inédita de safra, mesmo com a crise hídrica”, avalia.

Conforme o profissional, o momento se mostra positivo para o agronegócio, sobretudo em razão da valorização do dólar. “No atual patamar, a moeda estrangeira beneficia as commodities, principalmente no caso da exportação, a exemplo do que aconteceu na arroba do boi gordo, que chegou a ultrapassar os R$ 300″.

Por isso, destaca Panonko, as empresas ligadas ao setor de frigoríficos listadas na bolsa, como Marfrig, BRF e JBS, tiveram boa geração de receita. Neste ano, os papéis das companhias acumulam ganhos superiores a 10%, com destaque para as ações ordinárias (ON, com direito a voto em assembleia de acionistas) da Marfrig. Em 12 meses, os retornos ultrapassam 20%, conforme mostra levantamento feito pela Quantum Finance para o Valor Investe.

Para o analista da Toro, entre os papéis do segmento de carnes e derivados, os da JBS se destacam como preferidos. “É um dos maiores frigoríficos do mundo, então tem receita bem considerável atrelada ao dólar. Além disso, a gestão de hoje é diferente da que era no passado, na época dos escândalos de corrupção, então vejo a companhia com bons olhos”, afirma.

Sobre o desempenho negativo das ações da Minerva, que acumulam forte queda em 12 meses, Panonko afirma que, desde o ano passado, os papéis ficaram mais voláteis em razão da covid-19. Ainda, apesar da companhia ter sido beneficiada pela valorização do dólar frente ao real, o recuo no mercado doméstico prevaleceu. “Se comparar com outras empresas do setor de frigorífico, a Minerva tem uma gestão operacional menos eficiente e, talvez, não seja a preferida dos investidores”.

Vale lembrar, destaca o profissional, que o mercado se frustrou com os resultados da empresa em uma janela de um ano, devido ao bom momento para as companhias de proteína animal. “Apesar do cenário positivo, o mercado teve uma expectativa que não foi confirmada, então o preço do papel acabou caindo”, finaliza.

Quando se olha para além das ações do agronegócio listadas no Ibovespa, continua Panonko, o leque de opções aumenta. “Nós [Toro] gostamos da gestão da SLC, empresa que teve valorização recente pela alta do preço dos grãos e pelo patamar do dólar, o que resultou no crescimento da receita”, comenta. “Vale destacar, porém, que o preço da ação está bem ‘precificado’, ou seja, não está barato. Pode ser que o valor dos grãos continue subindo, mas o ideal é olhar a relação de risco e retorno. Não é porque trata-se de um bom setor que vale a pena comprar a qualquer preço”, lembra.

No ano, as ações ordinárias da SLC apresentam rentabilidade superior a 60%, enquanto que, em 12 meses, o retorno alcança o patamar de 100%. No segmento de agricultura, com foco na produção de grãos, entretanto, os papéis da Terra Santa se destacam com ganhos de 87% e 172%, respectivamente.

As empresas Camil, de alimentos, e M. Dias Branco, de biscoito, frisa o analista da Toro, são diretamente impactadas pela elevação do custo de produção, pois as commodities, como o milho, o trigo, a soja e o arroz, tiveram aumento no preço. Mas a conta ficou desigual, já que, conforme Panonko, tanto a Camil quanto a M. Dias Branco não conseguiram repassar integralmente o aumento no valor final. “No momento de crise, ambas reduziram a margem de lucratividade. São companhias que realmente sofreram mais e não devem ser comparadas com as produtoras de grãos”, pondera.

Em contrapartida, João Daronco, analista da Suno Research, demonstra otimismo com as empresas do agro ligadas à agricultura e à pecuária, sobretudo pelo preço da soja. Neste contexto, o profissional ressalta que as ações ordinárias da Boa Safra, BrasilAgro, SLC e Terra Santa devem continuar se beneficiando do momento. Quanto aos segmentos de carnes e derivados, estes, por sua vez, complementa Daronco, não devem ter o mesmo desempenho. Isso porque, como o valor do boi gordo está muito caro, o consumo diminui e, consequentemente, pressiona a receita das empresas.

Apesar do melhor cenário para um segmento em detrimento de outro, o analista da Suno enfatiza a importância da visão de longo prazo para o agronegócio. “Nós [Suno] fazemos operações pensando em um horizonte entre 5 e 10 anos. A questão climática, por exemplo, pode ser um obstáculo, mas é pontual. Não é porque em um determinado período teve muita seca e prejudicou o plantio que a situação vai se perpetuar pelos anos seguintes”, sugere. Para Daronco, a volatilidade costuma ser de curto prazo e, portanto, há oportunidade para comprar na renda variável em períodos de estresse.

Mesmo que haja alguns percalços durante o caminho, o analista lembra que o agronegócio brasileiro ainda está em processo de transformação. “Tem a implementação da biotecnologia, o desenvolvimento de novas sementes e fertilizantes que vão dar um gás em toda a cadeia no longo prazo, além, é claro, da capacidade de aumentar a área cultivada do país e a modernização dos equipamentos usados no campo”.

Panonko, da Toro, entretanto, observa que o setor do agronegócio deve ser visto com atenção pelo investidor, pois a safra recorde e o patamar do dólar não necessariamente garantem bons resultados às empresas. “O custo de plantio de criação de gado no Brasil é elevado, então as companhias acabam tendo um custo de produção alto. E, se o processo não sai conforme o planejado, elas podem ter dificuldade. Ainda, se a gestão for ruim, pode colocar o investimento a perder”, afirma.

E a crise hídrica?
Conforme Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da FGV/EESP, na última crise hídrica, uma bolha de ar seco se instalou no Sudeste e não permitiu que a umidade do Atlântico chegasse ao bioma da Amazônia, enquanto que as massas polares do Sul não conseguiram sair do lugar. Por isso, o clima seco prevaleceu no Cerrado e, por outro lado, o tempo chuvoso se instalou no Paraná. “Crise hídrica nunca é um bom sinal porque não tem como saber qual região e, inclusive, qual cultura vai sofrer mais com a recessão, pois pode haver queda de safras em situações diferentes”.

Caso a situação se agrave, pondera Daronco, a produção de grão pode ser impactada e, como um efeito dominó, afetar o segmento pecuário, já que os rebanhos se alimentam de ração. Ainda, se houver pouco volume de chuva, o agricultor não vai conseguir produzir a mesma quantidade, então a receita pode ser prejudicada e recair por toda a cadeia do agronegócio, pois os profissionais ficariam descapitalizados.

Apesar dos possíveis efeitos que a crise hídrica pode causar no agronegócio, o analista da Suno avalia que, tratando de um investimento pensado para o longo prazo, a recessão não deve ter tanta importância na tomada de decisão. “É um setor em constante crescimento e que mantém a resiliência independente de como anda o Brasil. Além disso, as pessoas sentem fome, e a população mundial está aumentando, então estamos falando de um mercado que sempre vai ter demanda para suprir”, conclui.

Fonte: Valor Investe.

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