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Acidose láctica ruminal: um risco nos confinamentos

Nos últimos anos o sistema de criação de bovinocultura de corte no Brasil tem passado por grandes mudanças no seu manejo com o objetivo de aumentar o capital de giro e diminuir o custo operacional da arroba produzida, aumentando a lucratividade. Uma das estratégias utilizadas foi o emprego de confinamento ou semi-confinamento para bovinos em terminação ou em menor grau em recria. Se por um lado essas dietas ricas em grãos energéticos são extremamente vantajosas, em contrapartida podem predispor a enfermidades digestivas dentre elas a acidose láctica ruminal aguda (ALRA).

Nos últimos anos o sistema de criação de bovinocultura de corte no Brasil tem passado por grandes mudanças no seu manejo com o objetivo de aumentar o capital de giro e diminuir o custo operacional da arroba produzida, aumentando a lucratividade. Uma das estratégias utilizadas foi o emprego de confinamento ou semi-confinamento para bovinos em terminação ou em menor grau em recria.

Assim, dos 45 milhões de bovinos abatidos em 2007 estima-se que 13 % deste contingente recebeu uma dieta que continha grãos ou subprodutos industriais (polpa cítrica, caroço de algodão, casquinha de soja etc.). Essas dietas podem ser divididas em três categorias segundo a quantidade desses alimentos concentrados na dieta total: baixa (até 40 % da matéria seca ingerida) média (entre 41% a 69 %) e alta (acima de 70 %). Segundo FRANCO (2006), atualmente, pelo menos, 800.000 bovinos são arraçoados com dietas de alto grão, esperando-se em curto prazo um aumento desse contingente.

As dietas ricas em grãos energéticos aumentam o ganho de peso, favorecem a deposição de gordura na carcaça, facilitam o manejo estratégico dentro da propriedade e diminuem o tempo de confinamento, encurtando, assim, o ciclo de abate. Além disso, seus custos de armazenamento e facilidade de serem distribuídas nos cochos as tornam bastantes atrativas em grandes confinamentos.

Se por um lado essas dietas ricas em grãos energéticos são extremamente vantajosas, em contrapartida podem predispor a enfermidades digestivas dentre elas a acidose láctica ruminal aguda (ALRA). Essa doença é caracterizada por uma alta fermentação dos grãos dentro do rúmen resultando na formação de um ácido forte (ácido láctico), normalmente pouco produzido, o qual aumenta inicialmente a acidez (pH) no interior do órgão e em seguida em todo organismo, podendo matar o animal.

A ALRA geralmente ocorre em bovinos criados extensivamente que no confinamento passam a receber subitamente altas quantidades de grãos, sem uma devida adaptação; ou ainda em animais bem adaptados que por um erro na mistura da ração ingerem quantidades muito altas de concentrados, ou ainda naqueles animais muito glutões que comem exageradas quantidades de rações, principalmente após um período de privação de comida no próprio confinamento, ou ainda a colocação de bovinos não-adaptados em lotes adaptados aos grãos.

Quanto mais fácil e rápida for a fermentação dos grãos pelas bactérias ruminais maior a chance de formação de ácidos fortes no rúmen e de ocorrência de ALRA. Em ordem decrescente de facilidade de fermentação destacam-se o trigo, aveia, arroz, milho e o sorgo.

Fizemos um experimento com a polpa cítrica e detectamos que a alta ingestão dela provoca, diferente desses outros alimentos, apenas uma acidose ruminal branda e passageira. A forma com que tratamos e oferecemos o grão também interfere na produção de ácidos. Por exemplo, o grão de milho inteiro fermenta menos no rúmen que o prensado, triturado, moído (fubá), úmido e em forma de flocos (sucrilhos), em ordem crescente.

Não existem dados nacionais da freqüência da ALRA em bovinos confinados no Brasil, mas estima-se que pelo menos 10% a 15 % dos animais nestes sistemas padeçam desse mal no decorrer do período confinado. Num dos confinamentos visitados chegamos a encontrar até 30% dos animais com ALRA ocorrendo morte em 50% dos bovinos não tratados.

Os sintomas clínicos apresentados pelos bovinos com ALRA são muito variados dependendo da intensidade do quadro. Numa parte deles, que a quantidade de ácido produzido no rúmen é pequena, os animais apenas deixam de comer por um ou dois dias voltando a se alimentar em seguida. Mesmo assim, esse animal perde de 2 a 4 kg de peso vivo.

Num quadro mais intenso os bovinos param de comer e de andar, apresentam diarréia, parada de movimentação do rúmen, grande apatia, desidratação entre outros sintomas. Caso este animal sobreviva o mesmo poderá perder até 15 kg de peso vivo, pois apenas restabelece o apetite após 4 a 5 dias do início do quadro.

A ALRA pode ainda deixar conseqüências em 20% a 30 % dos animais curados, como o desenvolvimento de laminite (inflamação na parede dos cascos), que leva ao crescimento anormal das unhas e manqueira, e o desenvolvimento de inflamação na parede ruminal e abscessos hepáticos, que diminuí o ganho de peso e piora a conversão alimentar.


Foto 1. Animal com diarréia

O ponto chave da ALRA é a sua prevenção. Para tal, devemos ter em mente que o bovino e as bactérias que vivem em sua pança geralmente desenvolvem mecanismos para evitar o acúmulo de ácidos nesse órgão. Esses mecanismos se desenvolvem lentamente no decorrer dos primeiros 10 a 20 dias de confinamento e podem ser auxiliados com medidas de manejo nutricional e por alguns aditivos que são colocados nas rações. Entre essas adaptações há o crescimento da população de certas bactérias ruminais que destroem o ácido láctico aí produzido; a grande produção de saliva pelo bovino, a qual ingerida bloqueia o efeito do ácido no rúmen, entre outras.

Abaixo listamos “os dez mandamentos da prevenção da ALRA”:
1) Nos primeiros dias do confinamento ofereça mais volumoso (silagem, capim, bagaço ou feno) que concentrados, os quais devem ser oferecidos em quantidades crescentes lentamente até atingir a meta.
2) Lotes de bois ou novilhas que vieram do pasto e nunca viram concentrados na frente devem ter um período de adaptação mais longo.
3) Ofereça a ração total (TMR), em que o concentrado já está previamente misturado ao volumoso, em vez de dar o concentrado a parte, pois os bois preferem comer concentrados ao volumoso.
4) Caso não tenha o misturador para TMR e ofereça ração concentrada a parte não forneça a ração toda de uma vez, o que facilita a fermentação, mas sim distribua esta ração em duas ou três partes iguais no decorrer do dia.
5) Evite picar muito sua fonte de volumoso, pois quanto mais comprido for o capim (ideal de 1 a 3 cm) maior vai ser a quantidade de saliva produzida pelo animal. Assim, antes de iniciar o confinamento verifique se sua picadora não esta picando ou triturando demais o volumoso.
6)Nunca introduza bovinos não adaptados em grupos já adaptados, pois o primeiro lote pode ser presa fácil da ALRA.
7) Caso tenha misturador confira sempre se ele esta misturando e distribuindo quantidades esperadas de ração. Falhas mecânicas e falta de ajuste são freqüentemente encontradas.
8) Nunca deixe os bovinos sem comida, ou com cocho quase vazio. Bois com fome comem muito além da conta. Acompanhe no decorrer do dia como está o apetite e o grau de enchimento do cocho.
9) Nos primeiros dias de confinamento, ou se dieta é superior a 60 % de grãos, adicione sempre calcário na dieta, o qual tem papel semelhante à saliva.
10) Substâncias ionóforas (monensina e lasalocida) e certos tipos de probióticos aumentam a quantidade de bactérias ruminais que destroem o acido láctico, além de favorecerem o ganho de peso.

Referências bibliográficas:

FRANCO, M. Alto grão x alto volumoso. Revista DBO. (Matéria de capa) n.308, ano 25, p.54 – 58, 2006.

GLOCK, R.D.; DEGROOT, B.D. Sudden Death of Feedlot Cattle. J. Animal Science. 1998. P.76:315-319.

MARUTA, C. A.; ORTOLANI, E. L. . Susceptibilidade de bovinos das raças Jersey e Gir à acidose láctica ruminal: I – variáveis ruminais e fecais. Ciência Rural, Santa Maria, v. 32, n. 1, p. 55-59, 2002.
ORTOLANI, E. L. . Principais disturbios metabolicos que afetam vacas leiteiras. In: P. R. Piekarski. (Org.). Curso intensivo de atualização em bovinocultura leiteira. 1 ed. Curitiba: Sociedade Paranaense de Medicina Veterinária/UFPR, 1989, v. 1, p. 74-105.

RADOSTITS, O. M.; GAY, C. C.; BLOOD, D. C.; HINCHCLIFF, K. W. Clínica veterinária: um tratado de doenças dos bovinos, ovinos, suínos, caprinos e eqüinos. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 1737 p.

5 Comments

  1. Adjalma Dias da Costa disse:

    Esta é a primeira vez que abri essa seção para ler, confesso que fiquei maravilhado com o assunto e com a clareza com que foi abordado.

    Parabéns! Continue abordando temas tão relevantes assim.

  2. Thales dos Anjos de Faria Vechiato disse:

    Prezado Adjalma Dias da Costa,

    Obrigado pelos elogios. Realmente espero poder ajudar a sanar dúvidas e auxiliar na cadeia produtiva da carne. Publicamos um novo artigo nesta mesma seção relacionado a “Intoxicação por uréia em bovinos”.

    Mais uma vez obrigado. Me coloco a disposição para qualquer dúvida sobre o assunto.

    Atenciosamente,
    Thales

  3. Heleimar Aparecida Mendes disse:

    Muito bom o artigo, é pratico e objetivo. Esclareceu minhas dúvidas muito bem.

    Parabéns.

  4. Thales dos Anjos de Faria Vechiato disse:

    Prezada Heleimar Aparecida Mendes,

    Obrigado pelos elogios. Me coloco a disposição para esclarecer eventuais dúvidas.
    Atenciosamente,
    Thales

  5. Thales dos Anjos de Faria Vechiato disse:

    Prezado Julio Monken.

    Obrigado pelo elogio. Sobre a proporção de calcário na dieta, este dependerá das quantidades de volumoso:concentrado fornecido aos animais.

    Normalmente a proporção gira em torno de 1 a 2% da dieta total. Porém tem que se avaliar a categoria animal, mineralização e os ingredientes fornecidos na dieta total dos animais (por exemplo o uso de milho, farelos, polpa cítrica, etc).

    Forte abraço.
    Atenciosamente,
    Thales

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