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A vulnerabilidade do agronegócio às influências do tabelamento dos fretes

No final de maio, o Brasil enfrentou a paralisação de milhares de caminhoneiros, em uma greve de 11 dias corridos, alegadamente motivada pela incompatibilidade do custo crescente dos combustíveis em relação ao valor de mercado do frete, num mercado em que a concorrência aumentou significativamente com o crescimento no número de veículos, dado o apoio de programas oficiais.

Como efeitos imediatos, a população enfrentou desabastecimento, alta de preços no varejo e os mais diferentes setores econômicos enfrentaram impactos negativos diversos pelo País, devido à dominância absoluta do modal rodoviário na matriz de transportes brasileira.

Em reação, diante da pressão popular e da necessidade de conter a crise, o governo federal brasileiro fez uma série de concessões e promessas à classe caminhoneira e de transportes. Entre elas, está a Política de Preços Mínimos de Transporte Rodoviário de Carga, editada na Medida Provisória 832/2018, cuja aprovação foi realizada em plenário do Congresso apenas no último 11 de julho. Em linhas gerais, o projeto prevê tabelas com preços mínimos para o transporte de cargas geral, algo que antes era determinado pelo mercado, com o equilíbrio da oferta e da demanda pelo serviço de transporte.

Tal política tem sido alvo de fortes críticas de diferentes segmentos da sociedade e ganhado os holofotes do debate econômico, devido a impactos diretos sobre os custos nos diversos elos das cadeias produtivas e, inevitavelmente, sobre preços a consumidores finais. Tudo isso se dá em meio a um contexto de lenta retomada do crescimento econômico do País, em que permanecem resilientes o alto déficit fiscal, um elevado nível de desemprego e as crises político-institucional.

Atualmente, o agronegócio no País vive um momento de produção em alta, com elevada produção no segmento primário e retomada da agroindústria. Em 2017, o PIB-volume do setor expandiu 7,6% e, para 2018, estimativas apontam crescimento em torno de 3,5%. Porém, o agronegócio vem se deparando com a elevação dos custos de produção e a queda de preços de seus produtos, o que faz com que a renda geral do setor (PIB-renda, conforme definição metodológica do Cepea) recue. Em 2017, a renda real do agronegócio (PIB-renda) registrou queda de 4,4% e, para 2018, estima-se novamente uma redução de quase 5%.

Lançando foco específico sobre os custos de transporte, desde 2010, segundo informações de Péra et al. (2018)1 , os preços do frete rodoviário do agronegócio apresentam tendência ascendente – movimento que também é verificado ao serem analisados os preços de fretes em atividades específicas, como para açúcar, grãos e fertilizantes. Conforme esse estudo, o tema tem especial relevância ao setor, tendo em vista as características intrínsecas aos produtos do agronegócio que, de modo geral, apresentam baixo valor em relação ao volume transportado – de modo que o preço dos fretes rodoviários tem elevado impacto nos preços de comercialização dos produtos.

A possibilidade de aumento dos custos e ineficiências por meio do tabelamento de fretes com precificação mínima, definida por imposição governamental e com definição fora do meio concorrencial de mercado, expõe, portanto, o risco relacionado à vulnerabilidade das atividades do agronegócio com relação à alta vinculação de seu preço ao frete (e logo, sua competividade e os preços ao consumidor).

Ao serem analisadas as matrizes de insumo e produto do IBGE2 , com o uso de procedimentos metodológicos desenvolvidos pelo Cepea para o cálculo do PIB do Agronegócio brasileiro3 , avalia-se que o setor será mais prejudicado, em comparação com o restante da economia, por eventuais elevações e incertezas de custos motivadas pelo tabelamento de preços.

Isso ocorre porque 42,3% de todos os serviços de transporte no País, com base em 2010, foram utilizados pelos produtos do agronegócio (percentual que provavelmente não passou por alterações muito significativas até o período presente) – Figura 1. Dentro do agronegócio, destacam-se, no uso dos serviços de transporte no Brasil, a agricultura e a agroindústria (com 16,7% e 23,79%, respectivamente). Dentre os produtos agrícolas, soja, cana- -de-açúcar e milho são os principais produtos com relação ao uso de serviços de transporte; já na agroindústria, as indústrias sucroalcooleira, de abate, óleos vegetais e de bebidas são os destaques em uso de serviços de transporte.

Além do uso absoluto dos serviços de transporte, é interessante avaliar a vulnerabilidade dos setores por meio da sua intensidade de uso do transporte, ou seja, comparando-se os valores utilizados em transporte com o valor de produção total relacionado aos produtos.

Nota-se, pela Figura 2, que o agronegócio e, sobretudo, o segmento primário da agricultura, apresentam intensidades de uso dos serviços de transporte expressivamente superiores à média das atividades da economia brasileira.

Na agricultura, os produtos com maiores intensidades de uso de transporte são o milho (8,45%), a laranja (6,98%) e o arroz (5,96%). Na pecuária, destaca-se a produção de leite, com intensidade de uso de transporte de 3,8%. Diante da elevada relação destacada, é importante se ponderar não apenas sobre o aumento de custos sobre os agentes do agronegócio, mas também sobre os impactos decorrentes deste efeito sobre a sociedade brasileira.

A consequência direta de uma possível elevação de custos de transporte seria o repasse de parte desses custos aos preços ao consumidor final, influenciando diretamente na elevação da inflação e diminuição de poder de compra do consumidor brasileiro. Estes fatores têm grande relação com o preço dos alimentos e, sobretudo, com o bem-estar da população mais pobre.

É importante salientar que, assim como tende a aumentar o preço ao varejo, o aumento do frete necessariamente tende a reduzir o preço ao produtor rural. Ou seja, consumidor e produtor arcarão com a elevação do custo de transporte. O agronegócio tem contribuído na história recente para uma maior oferta de alimentos, fibras e energia a preços decrescentes.

Segundo dados do Cepea, desde 2010, enquanto a produção do agronegócio (PIB- volume) aumentou 54%, os preços relativos do setor recuaram 26%. Especificamente em 2017, a deflação de 1,87% do índice IPCA para o segmento de alimentação e bebidas, que corresponde a cerca de 25% do índice total, foi determinante para a baixa variação do índice geral do IPCA no ano (2,95% ), ou seja, bem abaixo da meta perseguida pelo governo.

Já em 2018, e deste ano em diante, com a possível pressão sobre os custos do agronegócio a partir do tabelamento dos fretes, e o repasse destes custos ao consumidor final e ao produtor rural, prevê-se impacto inflacionário importante e desestímulo à produção do agronegócio, o que pode ser temerário em um período em que a economia brasileira ainda apresenta frágil perspectiva de recuperação.

Destaca-se que o Brasil ainda enfrenta questões cambiais, déficit fiscal elevado e constantes crises institucionais – que podem ser agravadas com o pleito eleitoral –, e que decisões governamentais equivocadas ou com impactos pouco conhecidos, neste momento, tomadas sob a luz de necessidades imediatistas, podem apresentar consequências bastantes custosas ao País em um futuro breve.

Com isso, entende-se que o governo deve buscar políticas mais efetivas para lidar com a questão da classe caminhoneira e de transportes; políticas menos distorcivas e prejudiciais ao agronegócio e à economia brasileira, como: redução dos níveis de tributos e impostos relacionados a transporte e combustíveis; moderação com relação a preços de pedágios; melhores condições viárias e, a médio e longo prazos, com planejamento adequado, a revisão da matriz de transportes brasileira, com diminuição da dependência rodoviária.

Tais medidas, entre outras possibilidades que podem ser debatidas e melhor analisadas, poderiam reduzir de maneira mais efetiva os custos dos transportadores e atender suas demandas. É necessário que o governo tenha uma visão menos limitada e que trabalhe com o planejamento necessário, de modo que ações equivocadas, pouco avaliadas e imediatas, não tragam grande ônus social nem prejudiquem o desenvolvimento do País.

Fonte: Cepea.

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