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A utilização do monóxido de carbono em embalagens de carne

Por Angélica Simone Cravo Pereira1

Segundo estudos da Universidade de Oklahoma, em 2003, pelo menos US$ 1 bilhão por ano é perdido por comerciantes devido ao escurecimento da carne em contato com o oxigênio. Nesse sentido, algumas técnicas são utilizadas a fim de minimizar este problema.

O monóxido de carbono (CO) é amplamente utilizado na indústria de carnes, devido às ligações gasosas com o pigmento responsável pela cor da carne, a proteína mioglobina, produzindo um aspecto vermelho brilhante nos músculos embalados. Além disso, a mioglobina pode se ligar a diferentes substâncias, incluindo gases, para criar uma variedade grande de cores.

O oxigênio, por exemplo, é presente no ar em quantidade suficiente (20%) para produzir uma coloração vermelho-brilhante na carne e é sempre utilizado em embalagens desse produto, com valores elevados de 80%, com o objetivo de aumentar a coloração natural dos cortes. Quando o CO se liga à mioglobina produz uma coloração visualmente idêntica àquela produzida pelo oxigênio, porém com maior estabilidade.

É sabido, por meio de vários estudos realizados com consumidores, que estes avaliam a qualidade da carne no momento da compra, em princípio, pela cor do músculo e da gordura de cobertura. A cor da carne bovina aceitável pelos consumidores é vermelha cereja brilhante, entretanto, possui curta vida útil. Isto ocorre principalmente em cortes de carne vermelha em que a perda da cor na superfície é inevitável.

Dessa forma, essa descoloração é interpretada como indicação de carne não saudável, freqüentemente discriminada pelos consumidores. A cor dos diversos cortes de carne é diferente, isto é, pode ser mais clara ou escura. Essas diferenças de coloração ocorrem, entre outros fatores, porque os cortes têm diferentes concentrações de mioglobina. (Judge et al., 1989).

Normalmente, a superfície da carne exposta à venda, é vermelha brilhante porque a mioglobina está oxigenada. Mas, pode ocorrer deterioração dessa cor, durante o armazenamento e exposição, devido à oxidação de pigmentos e mesmo de lipídeos, entre outros motivos.

Radicais livres produzidos durante a oxidação de lipídeos podem alterar a química do grupo heme e iniciar a oxidação da mioglobina, provocando a perda de cor da carne (Lynch et al., 1999, citado por Pereira, 2002). Portanto, é inevitável a perda do oxigênio em cortes expostos no varejo. Assim, a maior durabilidade da cor, resultado do uso de CO tem sido base para análises com embalagens com a presença de CO, com reivindicações em que consumidores devem consumir produtos cárneos ausentes de alterações de cor.

Enquanto têm-se documentado que a presença de CO pode prolongar a cor vermelha em músculos embalados, mesmo com altos níveis de crescimento bacteriano é altamente improvável que a carne, a qual pode se tornar “estragada”, pudesse ser consumida, ainda que a cor permanecesse vermelha, devido à presença de sinais, tais como, odores estranhos (outros gases “invisíveis”), ambos resultando em pigmento vermelho na carne.

O pigmento da carne baseado em oxigênio é desigualmente aceito como uma cor considerada “normal” ou “esperada” para cortes frescos. Porém, da mesma maneira que o oxigênio, o CO também não é considerado um aditivo de cor em produtos cárneos (Wilkinson et al., 2006).

Portanto, a ligação entre o CO e a mioglobina torna-se muito estável, não ocorrendo a deterioração da cor, necessária para indicar o fim da vida-de-prateleira do produto. Por outro lado, isso permite que alguns locais comercializem carnes que não estão mais frescas, que os consumidores só percebem quando abrem a embalagem em casa, se houver algum tipo de odor, pois não há rótulos não mencionam o uso de monóxido de carbono na carne.

Muitos pesquisadores, no cenário internacional de carnes, têm se preocupado com a segurança das embalagens de cortes cárneos contendo monóxido de carbono (CO) (Sorheim et al., 1997; Eilert, 2005; Wilkinson et al., 2006; Sebranek et al., 2006).

Desde 1985, na Noruega, o monóxido de carbono tem sido utilizado comumente em embalagens de carne, com aproximadamente 60% dos produtos vendidos no varejo, em embalagens com atmosfera modificada com uma mistura contendo 0,4% de CO (Sorheim et al., 1997).

Após 19 anos de sucesso com sua aplicação, entretanto, o uso do CO em carnes foi reduzido em 2004, devido à pressão dos comerciantes europeus. Por outro lado, o interesse na continuidade do uso desse produto ainda permanece e há pela área econômica européia uma proposta (autorização) de sua utilização, provavelmente dentro de alguns anos.

Em 2002, o uso de níveis baixos (0,4%) de CO, em embalagens “masterpack”, foi classificado como GRAS (Substances Generally Recognized as Safe), ou seja, substância, de modo geral, reconhecida como segura), aprovada pelos Estados Unidos para aplicação em carnes (US FDA, 2002). Similarmente, o uso tem sido aprovado na Nova Zelândia e Austrália, onde o CO é considerado um auxiliar no processamento. Além disso, a “GRAS” foi aprovada e registrada nos Estados Unidos em 2004 (US FDA, 2004) para a adição de CO, primariamente em sistemas de embalagens, no qual a mistura em embalagens de atmosfera modificada é descarregada diretamente nas bandejas contendo cortes cárneos.

De acordo com Felício, 2006 (comunicação pessoal) o Dr. Melvin Hunt, da Kansas State, um entusiasta do CO, relatou que a aprovação nos EUA foi baseada em estudos dele. Porém, essa aprovação foi para carnes embaladas que serão desembaladas para exposição no varejo, de modo que o consumidor perceba que a carne está ficando “marron” (por meio da formação de metamioglobina) formada com o decorrer das horas. Contudo, também tem havido questionamento das associações de consumidores que não concordam com o uso de CO.

Especificamente, no Brasil, o uso de CO não foi aprovado pelas agências reguladoras para uso comercial com carnes, devido, principalmente, a questões de segurança.

Alguns trabalhos mais antigos com o uso de CO em embalagens de carne indicaram uma associação de riscos para o consumidor, devido à natureza tóxica do gás (Wolfe, Brown & Silliker, 1976, citados por Wilkinson et al., 2006). Todavia, Sorheim et al. (1997) observaram que o emprego do CO com baixas concentrações, em embalagens, não apresentou qualquer toxicidade e riscos aos consumidores. Assim, ainda há controvérsias quanto ao risco dessa substância nas embalagens de carnes, para consumidores e embaladores de carnes.

De acordo com uma nota do USFDA, (2002) descreveu-se o consumo estimado de CO, por refeição, como conseqüência de seu uso pretendido como um componente no sistema de embalagens com atmosfera modificada (MAP) de carne. Assumindo que 30% do CO presente em “MAP” é absorvido pela carne e há uma redução de 85% de CO devido ao cozimento da carne, calculou-se um consumo estimado em 0,084 mg de CO por refeição. Calculou-se, também, um consumo estimado de 1,88 mg de CO por refeição, assumindo que 100% do CO presente em MAP é absorvido pela carne e que não há uma redução do mesmo durante o cozimento.

Estes dados publicados sustentaram a suposição de que a exposição ao CO é segura a estes níveis. A legislação americana limita o seu uso em embalagens de carne, com níveis recomendados abaixo de 0,4% de CO (Sebranek et al., 2006).

Por outro lado, afirmações de que embalagens de produtos contendo CO poderiam oferecer algum risco à saúde, ainda requerem estudos mais aprofundados.

Inevitavelmente, a introdução de novas tecnologias tem um grande potencial em alterar o mercado. Neste caso, embalagens contendo CO competem com embalagens com altos níveis de oxigênio presentes, para carnes frescas. Entretanto, com o oxigênio em níveis elevados, faz-se uso de antioxidantes a fim de conter o efeito oxidativo da elevada concentração de oxigênio presentes nas embalagens. Assim, a utilização de CO em embalagens, oferece uma redução para o mercado de antioxidantes, inclusive com a aprovação da USDA para utillização em embalagens para carnes resfriadas.

Segundo Sorheim et al. (1997), a mistura de 2% de CO e 98% de ar foi muito efetiva na estabilidade da cor dos cortes embalados por até 15 dias, comparados a 5 dias somente com a presença de ar nas embalagens. Ainda, músculos moídos e em atmosfera de 1% CO/50% CO2/49% de ar conservaram uma estabilidade em relação à cor por até 6 dias, enquanto as amostras estocadas em ar tiveram estabilidade de cor por somente 3 dias.

Adicionalmente, amostras desses músculos foram expostos ao CO puro por 2-6 horas antes de submetê-los à embalagem com ar. A estabilidade da cor nos músculos tratados com CO, não foi maior, quando comparadas aos não tratados. Por outro lado, Brewer et al. (1994), em experimento com a exposição da carne ao CO, antes de embalar a vácuo, relatou uma melhora da cor dos cortes durante os processos de resfriamento e conseqüente congelamento dos mesmos.

Pesquisas muito recentes realizadas por Wilkinson et al. (2006) com carne de suínos, concluíram que a inclusão de CO (0,4%) em mistura de gases foi claramente mais vantajosa, em relação à utilização de 100% de CO2 na manutenção do brilho da cor, com aspecto de produto fresco em embalagens com atmosfera modificada (ver artigo 18/08/2005). Ainda, de acordo com esses autores, embalagens com atmosfera modificada contendo 0,4% de CO foram recomendadas por prolongar o período de armazenamento da carne resfriada de suínos. Portanto, cortes destinados à exportação à longas distâncias poderiam utilizar esse tipo de embalagem.

Considerações finais

A cor é uma indicação de qualidade verificada pelo consumidor no momento da compra de produtos cárneos. Nesse sentido, algumas técnicas são utilizadas a fim de minimizar este problema, como o emprego do CO, utilizado na indústria de carnes. Ainda existem controvérsias no emprego do CO e mais estudos devem ser realizados.

Certamente, é essencial que o consumidor seja informado em relação à segurança do uso de CO, inclusive com a presença de rótulos nas embalagens e seja protegido quanto à prática insegura de sua utilização, pois a relação de confiança deve permanecer entre varejistas e consumidores.

Referências bibliográficas

BREWER, M.S.; WU, S.; FIELD, R.A.; PAY, B. Carbon Monoxide Effects on Color and Microbial Counts of Vacuum-Packaged Fresh Beef Steaks in Refrigerated Storage. J. Food Qual., v.17, p.231-244, 1994.

EILERT, S.J.New packaging technologies for the 21 st century. Meat Sci., v.71, p.122-127, 2005.

JUDGE, M,; ABERLE, E. D.; FORREST, J. C., HEDRICK, H. B., MERKEL, R. A. Principles of Meat Science. Dubuque: Kendall/Hunt, p.351, 1989.

PEREIRA, A.S.C. Qualidade da carne de bovinos Nelore (Bos taurus indicus) suplementados om Vitamina E. Pirassununga, São Paulo, 2002. 100 p. Tese (Mestrado) – Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos.

SEBRANEK, J.G.; et al. Carbon Monoxide Packaging of Fresh Meat. Disponível em http://www.meatami.com/StoryLinks/2006/FoodTechnologyMAPArticle060206.pdf. Acesso em 07 de Junho de 2006.

SORHEIM, O., AUNE, T.; NESBAKKEN, T. Technological, hygienic and toxicological aspects of carbon monoxide used in modified-atmosphere packaging of meat. Trends in Food Science & Technology, v.8, p.307-312, 1997.

US FDA, 2004. Agency response letter. GRAS notice n.GRN 0000143. Disponível em: http://www.cfsan.fda.gov/~rdb/opa-g143.html. Acesso em 16 de Junho de 2006.

US FDA, Agency response letter. GRAS notice n.GRN 000083. Disponível em: http://www.cfsan.fda.gov/~rdb/opa-g083.html. Acesso em 14 de Junho de 2006.

WILKINSON, B.H.P.; et al. The effect of modified atmosphere packaging with carbon monoxide on the storage quality of master-packaged fresh pork. Meat Sci., v.73, p.605-610, 2006.

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1Angélica Simone Cravo Pereira, doutora USP-FZEA

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