EUA: Produtores promovem carne bovina em carrinhos de supermercado
17 de setembro de 2002
Entidades discutem impactos da MP 66
19 de setembro de 2002

A utilização de estimulação elétrica na melhoria da qualidade da carne bovina

Por Angélica S. C. Pereira1

Consumidores tendem a avaliar a qualidade da carne com base na maciez, suculência, sabor e aroma. A cor da carne é outra característica importante, amplamente determinante na decisão de compra do consumidor (Byrne et al., 2000). Entretanto, de todas as características organolépticas que contribuem para a qualidade da carne, a maciez é provavelmente a mais importante (Steen et al., 1997). Além disso, a aceitabilidade da carne após a compra é determinada quase que exclusivamente pela satisfação derivada do consumo (Jeremiah et al., 1991).

Alguns fatores ante mortem influenciam de forma direta na consistência da carne, entre eles, a espécie animal, idade, sexo, atividade física, função do músculo e outros fatores como características genéticas, fatores de ordem fisiológica, nutrição e manejo dos animais. Além disso, muitos desses fatores podem ser controlados para se produzir carnes com melhor qualidade degustativa. Sabe-se porém, que todos esses fatores exercem ação sobre as proteínas do tecido conjuntivo e/ou dos componentes fibrilares do músculo. Portanto, a aplicação de tratamentos que influenciem de forma positiva na maciez da carne no período pós-abate é de extrema importância para a cadeia do setor de carnes.

A estimulação elétrica de carcaças tem sido utilizada com sucesso para melhorar a maciez e a qualidade da carne de bovinos, ovinos e perus. (Judge et al., 1989). Alguns mecanismos aparentemente trazem a produção de efeitos desejáveis.

A passagem de uma corrente elétrica através da carcaça, com o objetivo de acelerar a glicólise e produzir carnes mais macias, além da tentativa de se evitar o efeito de encurtamento pelo frio, foi primeiramente descrita por Harsham & Deatherage em 1951, e vem desde então sendo estudada e empregada em muitos países em escala industrial.

Dessa forma, a corrente elétrica que passa através da carcaça tem por objetivo promover mudanças além das transformações ocorridas no processo normal de abate, como a variação da temperatura na carcaça após o estímulo, com prováveis influências na glicólise e proteólise, que exercem efeitos significativos na qualidade da carne.

Segundo Judge et al. (1989) a maciez da carne por estimulação elétrica tem sido atribuída a três principais fatores: prevenção do encurtamento pelo frio através da aceleração da glicólise e início do rigor antes da temperatura influenciar a extensão do rigor mortis, ativação da proteólise enzimática (lisossômica) através da acidificação à altas temperaturas e disfunção física da estrutura da fibra através de contrações extremas do músculo. Porém, a relativa importância desse mecanismo depende das condições de resfriamento, bem como o acabamento da carcaça dos animais. Geralmente, aquelas carcaças que já são extremamente macias sem estimulação elétrica não serão alteradas pelo tratamento. Animais com idade mais avançada podem ter a carne mais macia com o tratamento elétrico, em relação aos animais com idade reduzida. Consequentemente, a estimulação elétrica é mais apropriada para carcaças de animais jovens não alimentados com dietas de alta energia, ou que necessitam de inerente maciez.

Além disso, a estimulação elétrica traz rápidos benefícios para o desenvolvimento das características qualitativas da carcaça, como coloração vermelho brilhante do músculo, firmeza do músculo e solidificação do desenvolvimento da gordura intramuscular mais rapidamente que em carcaças não estimuladas (Byrne et al., 2000). Judge et al. (1989) afirmaram que o pico de voltagem utilizado com sucesso para carcaças estimuladas deveria variar de 30 a 3600V.

Voltagens menores causariam contração muscular pela combinação da estimulação direta e propagação dos estímulos do sistema nervoso. Altas voltagens produzem estimulação direta e uniforme através de toda a carcaça (Figura 01). De acordo com Takahashi (1992), a temperatura de resfriamento da carcaça, dependendo da velocidade de transferência de calor pode iniciar o processo de encurtamento pelo frio, modificar a velocidade proteolítica, influenciar na cor e exercer apreciável efeito sobre a perda de peso e crescimento bacteriano.

Ainda segundo o mesmo autor, para animais com elevado grau de acabamento e uniformidade da gordura subcutânea, a estimulação elétrica exerce efeito reduzido na maciez, visto que a probabilidade de ocorrência de encurtamento pelo frio é menor. Contudo, as combinações de voltagem, amperagem e freqüência, tempo de aplicação pós-abate, duração do estímulo e características dos pulsos, devem ser estudadas.

O efeito da estimulação elétrica na maciez se dá pela aceleração do processo de rigor, com ativação das proteinases que tornam o músculo macio antes do resfriamento da carcaça (Etherington, 1984). Assim, seu efeito é resultante da aceleração da glicólise e hidrólise do ATP, que causam a redução do pH, ainda com a temperatura elevada nas carcaças. Promove-se, então a formação de ácido láctico, fosfato inorgânico e calor. O pH baixo em temperatura alta rompe a membrana lisossômica e libera enzimas atuantes na degradação dos componentes que formam a miofibrila (Puga et al., 1999).

Neste mesmo trabalho foram observados efeitos semelhantes na qualidade da textura da carne (estimulada aos 40 minutos após o abate, com um transformador com corrente elétrica senoidal, 60Hz, com voltagem de 250V, durante 90 segundos) aos da carne maturada por 14 dias e evidenciados da mesma forma pela análise sensorial e força de cisalhamento.

Pesquisas realizadas por diversos autores têm mostrado que à medida em que se aumenta a proporção de Bos indicus, diminui a maciez da carne. O efeito da raça foi descrito por reduzir o potencial de maturação da carne de Bos indicus levando a um aumento da atividade da protease cálcio dependente inibidora, a calpastatina.

Hwang et al. (2001) relataram que a aplicação de estímulo elétrico durante o período post mortem tem reduzido os níveis de micro-calpaínas e subseqüente aumento da maciez. Por outro lado, a carne dura de carcaças não estimuladas eletricamente (com taxas menores de glicólise) pareceram estar associadas à ativação mais lenta do sistema de calpaínas.

É claro neste estudo que as propriedades elétricas estão relacionadas com a taxa de glicólise post mortem, coloração e conseqüente maciez da carne, portanto, essa rápida medida física pode ser utilizada como indicadora de qualidade.

Conclui-se dessa forma, que a estimulação elétrica na carcaça é amplamente praticada em muitos países trazendo benefícios para os produtores, processadores e consumidores de carne. Esta explicação reduz o período de alimentação do animal, o tempo de maturação da carne, preconizando o desenvolvimento da qualidade da carne e favorecendo a maciez.

Figura 01 – Diagrama dos efeitos da estimulação elétrica na carcaça (Fonte: Judge et al., 1989).

Referências Bibliográficas

BYRNE, C.E.; TROY, D.J.; BUCKLEY, D.J. Postmortem changes in muscle electrical properties of bovine M. longissimus dorsi and their relationship to meat quality attributes and pH fall. Meat Science, v.54, p.23-34, 2000.

ETHERINGTON, D.J. The contribution of proteolytic enzymes to post mortem changes in muscle. Journal of Animal Science, v.59, n.6, p.1644-1650, 1984.

HWANG, I.H.; THOMPSON, J.M. The interaction between pH and temperature decline early postmortem on the calpain system and objective tenderness in electrically stimulated beef longissimus dorsi muscle. Meat Science, v.58, p.167-174, 2001.

JEREMIAH, L.E.; TONG, A.K.W.; GIBSON, L.L. The usefulness of muscle colour and pH for segregating beef carcasses into tenderness groups. Meat Science, v.30, p.97-114, 1991.

JUDGE, M.; ABERLE, E.D.; FORREST, J.C.; HEDRICK, H.B.; MERKEL, R.A. Principles of Meat Science. Dubuque: Kendall//Hunt, p.351, 1989.

TAKAHASHI, G. Técnicas para melhorar a qualidade: Fatores “post mortem”. Revista Nacional da Carne. v.16, n.184, p.14-20, 1992.

PUGA, D.M.U.; CONTRERAS, C.J.C.; TURNBULL, M.R. Avaliação do amaciamento de carne bovina de dianteiro (triceps brachii) pelos métodos de maturação, estimulação elétrica, injeção de ácidos e tenderização mecânica. Ciência e Tecnologia de Alimentos, v.19, n.1, p.88-96, 1999.

1Angélica S. C. Pereira é Médica Veterinária, doutoranda em Qualidade e Produtividade Animal da FZEA-USP, Pirassununga, SP.

Os comentários estão encerrados.

plugins premium WordPress