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A Pista de julgamento: O céu parece ser o limite

Depois de receber o convite para escrever sobre a dicotomia entre a seleção artificial e a seleção natural, decidi reeditar um artigo que foi extremamente polêmico na minha época de diretor técnico da ABCZ e que infelizmente ainda é pertinente. Continuo afirmando que a pista de julgamento precisa refletir os nossos sistemas de produção e não o contrário. Imaginar uma seleção para tamanho adulto vs. tamanho de abate continua sendo uma incoerência face aos princípios de seleção de um Brasil que tem como suporte da sua indústria frigorífica, líder mundial de exportação de carne bovina, a produção de carne a pasto com limitações de sazonalidade.

Depois de receber o convite para escrever sobre a dicotomia entre a seleção artificial e a seleção natural, decidi reeditar um artigo que foi extremamente polêmico na minha época de diretor técnico da ABCZ e que infelizmente ainda é pertinente. Continuo afirmando que a pista de julgamento precisa refletir os nossos sistemas de produção e não o contrário. Imaginar uma seleção para tamanho adulto vs. tamanho de abate continua sendo uma incoerência face aos princípios de seleção de um Brasil que tem como suporte da sua indústria frigorífica, líder mundial de exportação de carne bovina, a produção de carne a pasto com limitações de sazonalidade.

O gigantismo das fêmeas nas pistas de julgamento e em leilões continua sendo assustador e ainda não conheço vaca de uma tonelada desmamar cinqüenta por cento do seu peso. Não se trata, porém de preconizar vacas pequenas nos nossos criatórios, mas sim de tamanho adaptado ao sistema de produção. Vacas grandes em sistemas de produção de alto in put são mais eficientes que vacas pequenas. O contrário também é verdadeiro. O que é uma realidade é que vacas de porte médio são ideais para um Brasil com tanta biodiversidade e sistemas de produção diferentes. Vacas de porte médio a pasto e na pista de julgamento precisam apresentar disparidades em função de diferenças de seleção, de manejo e de regimes nutricionais, mas estas diferenças não podem apontar desproporcionalidades entre a pista de julgamento e a seleção a pasto. “Não é igualar ‘elite’ com ‘comercial’, mas ambas precisam manter vínculos mínimos para que a genética que opere em um, subsista e contribua em outro.“*

Quando, em 2005, criamos na área técnica da ABCZ o escopo da Expo Genética, o conceito inovador desta exposição seria discutir a sinergia que deve existir entre o conjunto: selecionador – indústria – consumidor. Este conceito ainda não foi tratado na forma da idéia original que incluía abates técnicos de animais oriundos de vários programas de melhoramento, de diferentes tipos para discutir o que a indústria deseja e o que o consumidor valoriza através de painéis sensoriais de degustação; Genética zebuína para que e para quem. Mas, o reencontro de pecuaristas que não participam das pistas de julgamento, porém são selecionadores de talento reconhecido, com Uberaba através da Expo Genética é um sinal de aproximação entre a pista de julgamento e a seleção natural.

O peso de desmama é a característica fenotípica que permite estimar a habilidade materna, mas seu significado é muito mais amplo. Comportamento maternal engloba a facilidade de parto, a habilidade para levantar o bezerro, o tamanho dos tetos para amamentar o recém-nascido, a resistência à dor da mãe na primeira amamentação, o grau de imunidade que ela transmite ao bezerro e, sobretudo, a luta do conjunto vaca-cria pela sobrevivência. Em qualquer programa de seleção de criação extensiva no mundo tropical, mais importante que um bezerro pesado é um bezerro vivo. O efeito materno é traduzido por produção de leite, pois a correlação entre esta e o peso de desmama é maior que 60%, sendo este último a única variável mensurável para avaliá-lo. Qualquer artificialismo que se utilize durante o aleitamento do bezerro mascara os genótipos para imunidade biológica e comportamento maternal. Portanto, componentes que podem afetar a capacidade maternal de uma fêmea e que, possivelmente, não estão associados à característica peso, estão sendo frequentemente desprezados. É evidente que, quando se trata o bezerro na cocheira desde o nascimento e ainda se tem uma ama de leite, o efeito da mãe está viciado. É preocupante quando escutemos nas pistas de julgamento e em leilões argumentar sobre a habilidade materna de uma vaca cuja cria não sabe o que é pastar e nunca saiu da cocheira. Ou ainda estas fêmeas e suas crias participarem de avaliações genéticas, mascarando resultados que são utilizados como argumentos de marketing.

No ano de 2006 recebi uma carta de um criador de ovinos que, mais que um desabafo era uma gritante preocupação e um alerta que nos levou a uma profunda reflexão sobre os rumos da pista de julgamento e suas consequências sobre a pecuária seletiva naquela época.

Nelson,

“Desejaria conhecer seu ponto de vista sobre um quase dilema que estamos vivenciando em nosso trabalho de melhoramento de ovinos da raça Santa Inês, dilema este que resumo a seguir: A expressiva valorização da raça vem fazendo com que a maioria dos melhoristas invista cada vez mais pesado na sofisticação do manejo de seus plantéis. Rações a preços tão onerosos, a ponto de agredir nossos mais íntimos sentimentos de responsabilidade social, quando as comparamos com a comida consumida pelos pobres deste nosso país, são fornecidas visando ponderais inimagináveis. Com esse mesmo objetivo toda sorte de medicamentos estimuladores de apetite são utilizados para elevar mais e mais o consumo das rações e consequentemente o peso dos animais.

Paradoxalmente outras tantas drogas, entram em cena no afã de fortalecer ligamentos e estruturas ósseas combalidas por esse exagero de peso que entorta aprumos, que arreia boletos e colunas vertebrais.

De tempos para cá, também tem sido cada vez mais adotados os exercícios físicos para melhorar a musculatura dos ovinos. São sessões forçadas de natação além de intensas e constantes caminhadas não menos forçadas sobre aquelas mesmas esteiras, usadas em academias de ginástica.

O céu parece ser o limite!

Não temos feito uso de tais práticas, mas constatamos que nossa performance nas pistas das exposições tem caído e nossos animais vem deixando de acompanhar os níveis de preços de outros cabanheiros.

Gostaria de merecer um comentário seu, o mais sincero possível, a respeito deste nosso dilema.

Que caminho seguir ou como agir frente a essa realidade? Deve existir limite para as práticas de manejo? Como e de que forma devemos estabeler e identificar tais limites?

Peço-lhe desculpas por minha falta de cerimônia, mas saiba que o entenderei perfeitamente se achar que deve declinar de responder minhas indagações. De qualquer forma lhe agradeço.”

Devo confessar que esta carta deixou-me perplexo, pois temos que admitir que tal sinceridade não podia ficar sem uma resposta com a mesma postura sincera. Infelizmente precisamos assumir que não somente acontece na raça Santa Inês, mas também em outras raças nas quais os prêmios tem consequências mercadológicas substanciais e desproporcionais frente à realidade que vive hoje a pecuária que tem como objetivo a produção de mais quilos de carne por hectare ano. Minha resposta foi a seguinte:

As preocupações da área técnica da ABCZ estão muito próximas das suas: rações com promotores de crescimento, uso de hormônios de utilização restrita, utilização de medicamentos estimuladores de apetite, sofisticados programas de exercícios físicos, agressão aos sentimentos de responsabilidade social, adulterações de registros de nascimento e de paternidade e suas consequências sobre as avaliações genéticas. Parte considerável dos touros contratados pelas centrais continuam saindo de sistemas de produção que mascaram a interação genética-ambiente com a agravante que estes touros serão os avôs dos reprodutores que serão utilizados em sistemas extensivos.

O céu parece ser sim o limite da irresponsabilidade de quem não vive de pecuária e pratica formas de comercialização fictícias que desrespeitam princípios elementares de ética comercial para com uma atividade que responde por quase cinco bilhões de dólares de exportação na balança comercial.

Muitas soluções tem sido experimentadas nos últimos anos sem sucesso. Sempre acreditamos no treinamento e orientação dos nossos técnicos e na conscientização do equilíbrio entre a seleção natural e a artificial inseridas nas exigências do mercado consumidor. Algumas medidas estão ainda sendo ensaiadas como as auditorias de fazendas, cuja eficiência resta a verificar, pois implicaria medidas para as não conformidades encontradas, que em última instância teriam conseqüências sobre o mercado de leilões e sobre o registro genealógico. Se as sanções pertinentes forem aplicadas podemos esperar o efeito desejado, caso contrário seria uma tentativa a mais de moralizar as pistas de julgamento.

Estudos de uma legislação antidoping nas pistas de julgamento e sistemas de detecção que poderiam ser implementados foram também cogitadas, sendo deixadas de lado pela complexidade e aplicabilidade. Testes de paternidade foram implementados entre os campeões; inconformidades foram encontradas, mas sem consequências, pelas implicações legais do processo.

Hoje, 2009, continuamos a afirmar que nada poderá ser feito sem a participação efetiva dos criadores. O maior desafio continua sendo orientar e reeducar o mercado. Estes processos são lentos, onerosos e exigem o envolvimento dos criadores, dos jurados, das associações e de seus dirigentes para que em todos os ambientes competitivos formulemos propostas de moralidade. Tenacidade e determinação são indispensáveis para alcançar metas com objetivos muito claros.

Ainda relembro algumas colocações que fiz há dez anos e que acredito continuem pertinentes, pois a área técnica da ABCZ e os jurados são continuamente cobrados e o problema os envolve tanto quanto toda a sociedade e nossas lideranças: precisamos definitivamente uniformizar os critérios de julgamento através da utilização de uma metodologia constante de avaliação do tipo; regulamentar e gerenciar os julgamentos através de um sistema operacional dinâmico, interativo, autocrítico, ético, tecnicamente consistente e que gere confiança no meio dos criadores. Definir regras, fixar metas, cobrar resultados e eliminar as não conformidades. É assim que se criará um modelo diferente. Esta tarefa é de todos nós e tem um preço. Resta saber quem paga a conta?

*Comunicação particular de Luiz Antonio Josahkian, Superintendente Técnico da ABCZ. 2009

0 Comments

  1. Helvecio Oliveira disse:

    Engrandecedor seu artigo Nelson. O ponto de mutaçao se estabelece exatamente quando ideias paralelas remetem-nos `a reflexao sobre o caminho seguido e o que esta por vir.

    Que fique a semente.

    Parabens.

  2. Nelson Pineda disse:

    Caro Helvecio,
    Agradeço seu comentario.
    Atenciosamente,
    Nelson Pineda

  3. Diethelm Hammer disse:

    Parabens Nelson, concordo plenamente com a sua opinhao!
    Em 25 anos de observervacao da selecao brasileira como criador e expositor ativo e como importador de genética e prestador de servicos, eu reparei que o objetivo da selecao e dos julgamentos é bem diferente da pratica na Alemanha, onde eu nasci numa fazenda. O criador alemao tenta usar sempre o melhor reprodutor com prova atual para melhorar o rebanho dele enquanto o brasileiro usaria aquele touro velho, do qual ele gostou do filho, para repetir o resultado, mesmo que à muitos anos ele já morreu, em vez de aproveitar da geracao jovem. Sé o filho nao é melhor que o pai esquece do velho! Ainda ele paga um absurdo para aquele semen, justificando que o investimento retornará quando usado na multiplicacao via TE e FIV, tecnologias reprodutivas modernas nas quais o Brasil é tao campeao que eu recomendo hoje aos veterinários na Alemanha de fazer a especializacao em TE/FIV no Brasil. Na Alemanha só uma vaca com prova extraordinária vale a pena ser coletada e multiplicada – com reprodutor idem provado, confiante na seriedade dos resultados das provas e indices.
    A questao do criador alemao é de saber quais sao os melhores animais em produtividade e a exposicao é para mostrar exemplares com tipos ideais, ao contrário do Brasil onde o criador defende o nome ou a marca dele, disputando premios e pontuacoes em julgamentos para justificar que ele é o melhor criador e por isso o seu gado vale mais – as vezes ele nem precisa ser um criador, basta saber como fazer o “show” e ser um bom comerciante!
    Nisso eu vejo o dilema: Uma alteracao do sistema colocaria a fama, as vezes construida em anos de trabalho e exposicoes, em risco de declinar. Ninguem faria isso! O custo é que o Brasil apesar do seu rebanho imenso e das tecnologias mais modernas vai precisar de continuar se abastecendo com a genética provada do exterior..
    Nao quero ofender ninguem com o minha experiencia – tenho grandes criadores entre os meus amigos e nunca vou esquecer dos encontros e das horas animadas em exposicoes e julgamentos – até hoje eu viro um torcedor, pelo menos quando a criacao que eu levantei entra na pista.
    Esta sensacao é mais uma vantagem do Brasil que nos nao temos na Alemanha!
    Saudacoes!
    Diethelm Hammer, RBW-Herbertingen, Alemanha
    http://www.eugen.de

  4. jeferson moreira correa disse:

    como resolver esse dilema quen ta nas pistas quer que fique como esta,porque esta ganhando muito dinhero e quen ta fora se quiser ganhar dinhero tem que entrar nesse sistema,e um ponto fundamental na pecuaria do futuro,penso que somente com novas diretrizes da ABCZ poderia dar uma regulamentasao no tema, porque as coisas so mudan quando mexe no bolso,exelente artigo.

  5. Nelson Pineda disse:

    Caro Sr. Hammer,

    Alguns anos atrás o meu mestre o Prf° Fries falou: “O Brasil conseguiou por linhas tortas ter a pecuária mais competitiva do mundo.” Imagine onde estaríamos se juntassemos o talento do selecionador brasileiro com a disciplina germanica, onde estaríamos. Tentei na época colocar o livoi de merito para credenciar as vacas a serem doadoras de embriões quase apanhei junto com a área técnica da ABCZ. Chegaremos lá.
    Muito obrigado,
    Nelson

  6. Nelson Pineda disse:

    Caro Sr. Jeferson,
    A resposta esta no fim do meu artigo, quem para a conta. O ônus de enfrentar o status quo, com decisões tecnicamente consistentes e éticas corretas.
    Obrigado,
    Nelson

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