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A Farm Bill e a retomada da Rodada de Doha

As engrenagens das negociações multilaterais da OMC voltaram a girar em janeiro. Depois de sucessivos impasses, surge uma "janela de oportunidade" para tentar fechar a rodada ainda este ano. Cinqüenta países relançaram as negociações na última reunião do World Economic Forum, em Davos.

As engrenagens das negociações multilaterais da OMC voltaram a girar em janeiro. Depois de sucessivos impasses, surge uma “janela de oportunidade” para tentar fechar a rodada ainda este ano. Cinqüenta países relançaram as negociações na última reunião do World Economic Forum, em Davos. O Executivo americano solicitou a renovação da TPA (autorização para negociar acordos comerciais) ao Legislativo e apresentou a sua versão da Lei Agrícola 2008-2013. Novas propostas e uma intensa discussão sobre números e flexibilidade tomaram conta de Genebra.

O principal entrave para o avanço das negociações continua sendo a agricultura. Em acesso a mercados, esperam-se movimentos da Europa, do Japão e de algumas economias emergentes. A fumaça em torno da questão do “corte médio de tarifas” esconde o verdadeiro problema: a abertura de novas exceções no formato de produtos “especiais” e “sensíveis”, cotas tarifárias e salvaguardas. Tais exceções produziriam reduções tarifárias sensivelmente menores em produtos-chave, matando a ambição liberalizadora da rodada.

Na área dos subsídios domésticos, as atenções voltam-se para os EUA, que dobraram o apoio aos seus produtores agropecuários em 2002 e agora resistem a reduzi-los. Nesta área a União Européia (UE) está bem mais tranqüila, depois dos cortes de gastos da Política Agrícola Comum ocorridos em 1999 e 2003.

Num contexto de preços agrícolas elevados e profundo déficit fiscal, o habilidoso secretário da Agricultura dos EUA, Mike Johanns, apresentou na quarta-feira passada a sua proposta para a Farm Bill 2007, que poderá agora sofrer toda sorte de mudanças no Congresso. O projeto aponta para gastos globais de US$ 87 bilhões nos próximos cinco anos, um montante US$ 10 bilhões inferior ao utilizado no último qüinqüênio.

Especialistas do mundo inteiro se debruçaram sobre a proposta americana para analisar os seus impactos no mercado mundial e nas negociações. Há concordância generalizada de que os cortes propostos são extremamente modestos e seriam insuficientes para levar ao fechamento da rodada. Na realidade, a proposta traz no seu bojo uma complexa engenharia de “migração de subsídios” dentro das três categorias definidas pela OMC.

Fizemos uma simulação para verificar o efeito dos novos parâmetros no cenário de preços vigentes entre 2002 e 2006. Verificamos que o montante global de subsídios distorcivos praticamente não se alteraria, mas haveria uma redução de US$ 1,8 bilhão nos subsídios mais distorcivos da chamada caixa amarela, vinculados às condições correntes do mercado (preços e quantidades plantadas na mesma safra).

Ao mesmo tempo, haveria uma ampliação de US$ 1,5 bilhão nos pagamentos complementares vinculados às áreas cultivadas no passado (caixa azul) e de cerca de US$ 700 milhões nos pagamentos diretos teoricamente desvinculados da produção corrente (caixa verde). O algodão é o produto que mostra maior “migração” de subsídios entre caixas, mas a proposta não traz a tão aguardada implementação dos resultados do painel vencido pelo Brasil na OMC. A proposta também prevê mudanças cosméticas nos regimes de subsídios do açúcar e de lácteos, insuficientes para o avanço imediato das negociações.

Ou seja, a proposta do Executivo mantém a estrutura básica de hipersubsidiação da Lei Agrícola de 2002, baseada em forte proteção da renda do agricultor sempre que as condições de preços (e agora também de produtividade) se deterioram. A Lei Agrícola garante pagamentos anticíclicos que podem representar entre 30% e 150% do valor da produção de trigo, milho, soja, algodão e arroz em anos de preços baixos. Além disso, produtos como açúcar, etanol, lácteos e suco de laranja dispõem de elevadas proteções de fronteira (tarifas e cotas tarifárias), que garantem preços aos produtores superiores aos vigentes no mercado internacional.

Contudo, a leitura atenta das entrelinhas da proposta permite constatar que os EUA teriam um espaço para realizar reformas profundas nos subsídios do leite, açúcar e milho, que favoreceriam a transferência de US$ 9 bilhões da caixa amarela para a azul e a verde. Obviamente, esta não seria uma boa notícia para o Brasil, caso estes venham parar na soja, no algodão ou no arroz.

É por isso que temos insistido na necessidade de limitar o apoio doméstico em três níveis: 1) um corte global ambicioso sobre o total de subsídios distorcivos; 2) um teto máximo para cada caixa e; 3) um teto de gastos por produto, fixado com base no seu efeito adverso potencial sobre os preços mundiais. A Rodada de Doha precisa fechar a generosa torneira de subsídios dos EUA, que beneficia basicamente oito produtos e menos de 20% dos agricultores. A lógica econômica aponta para a necessidade de uma reforma mais ambiciosa da Farm Bill. Mas, infelizmente, a lógica da ação coletiva aponta na direção oposta, já que os lobbies envolvidos farão de tudo para evitar a reforma.

A boa notícia é que hoje conhecemos a fundo todos os meandros e armadilhas do protecionismo agrícola e temos uma noção precisa do acordo que desejamos, em subsídios e acesso a mercados, nos EUA, na UE, nos países emergentes, etc.

Além da participação da sociedade civil, o governo deu a devida importância à matéria com o reforço da equipe de negociadores. A nomeação do experiente ministro Roberto Azevedo para a Subsecretaria-Geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos do Itamaraty é uma merecida premiação por seu notável desempenho à frente da Coordenação Geral de Contenciosos, complementada pela indicação do ministro Carlos Marcio Cozendey para o Departamento Econômico e pela continuidade de Flávio Soares Damico na Divisão de Produtos de Base. Este time de diplomatas experientes e dedicados mostra empenho e seriedade do governo no trato das negociações multilaterais da OMC.

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