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“A brutalidade com o boi ainda é rotina” confira entrevista com Mateus Paranhos

É  o velho Brasil dos contrastes. Ao mesmo tempo em que é o maior exportador mundial de carne, o que traduz eficiência, qualidade e respeito ao ambiente, convive com práticas cruéis no trato do gado.

Segundo Mateus Paranhos, de 57 anos, introdutor do tema bem-estar animal no país, uma batalha sem tréguas é travada visando diminuir o assustador índice de hematomas nas carcaças dos bois por conta do manejo desleixado. Sofrem o animal e o caixa da fazenda.

De 40 milhões de animais abatidos ao ano, a metade tem ferimentos.Os alertas e as orientações aos fazendeiros e vaqueiros para dar toda atenção aos bichos são dados pelo professor em simpósios e nas propriedades. Ele diz que a sociedade está  vigilante e o paradeiro ao sofrimento tem de ser apressado.

Mateus Paranhos da Costa, zootecnista, é professor de etologia e bem-estar animal da Unesp JaboticabalCaptura de Tela 2014-03-17 às 15.25.29

Globo Rural:  O que é bem-estar animal?

Mateus Paranhos:  A definição de bem-estar animal é complexa. Inclusive dentro das universidades há divergências do conjunto de pesquisadores. Cientificamente, acreditamos que é uma característica de cada animal, e isso abre um vasto leque de interpretações. A definição de que eu mais gosto é a do estado do organismo em sua tentativa de se ajustar ao ambiente. Ter conforto na superfície, água, comida, saúde, fuga do estresse e atenção do vaqueiro.

Globo Rural: É parecido conosco.

Mateus Paranhos: Diria que é igual!

Globo Rural: É enorme o prejuízo causado pelo manejo inadequado da boiada. Dá para estimar a quantidade de animais que se perdem?

Mateus Paranhos:  É assustador. Levantamento que fizemos em três anos de pesquisas, acompanhando o abate de 100 mil cabeças, mostra que pelo menos 50% dos animais têm um hematoma na carcaça. Numa projeção, se o país abate 40 milhões de bois ao ano, a metade apresenta ferimentos sérios, ou seja, pelo menos 20 milhões.

Gostaria de enfatizar o “pelo menos”, pois  pesquisas com conjuntos menores de animais – até 1.000 cabeças – constatam, às vezes, 70% com hematomas. Trabalhamos com 50% de perdas ao abate, eliminando assim qualquer probabilidade de erro.

Globo Rural: Quanto isso dá em dinheiro?

Mateus Paranhos: Numa média, pois tem carcaça em que é encontrado um machucado, enquanto outras estão totalmente feridas, seriam 500 gramas de carne jogados fora por hematoma, totalizando 10 milhões de quilos. Lembre-se que 20 milhões de bovinos são lesionados.

A arroba (15 quilos) em São Paulo, no dia 14 de janeiro, estava cotada em R$ 114, o que daria R$ 7,60 por quilo. Considerando-se 10 milhões de quilos desperdiçados, chega-se a um prejuízo de R$ 76 milhões. Só com hematomas. E atenção: 40% dessas lesões não ocorrem durante o transporte ou o abate, e sim dentro da fazenda.

Globo Rural: O que fazer para mudar?

Mateus Paranhos: Dar 100% de atenção ao gado.

A responsabilidade é do produtor, que deve saber que o animal muitas vezes não tem escolha. É o produtor que tem de fornecer água e comida e também analisar o comportamento do bicho e a temperatura ambiente.

Fundamental ainda é ensinar a equipe de vaqueiros a ser menos agressiva, já que a brutalidade ainda é uma rotina. A negligência pode ser fatal e trazer prejuízo, além de influenciar negativamente a imagem da pecuária frente à opinião pública.

Globo Rural: O senhor introduziu no país o conceito de bem-estar animal. Há mais dificuldades em seguir as recomendações por aqui?

Mateus Paranhos: Eu estava na Inglaterra em 1998, no auge das pressões sobre proteção animal. Os produtores reagiam, mas as forças políticas e das organizações eram poderosas. As pressões levaram o Parlamento a criar leis e regulamentações.

Gostaria de lembrar que a discussão sobre bem-estar animal é recente no mundo inteiro. Aqui no Brasil, o processo está sendo mais lento e focado na educação e na informação, e esse caminho demanda  tempo. Não houve imposição.

Globo Rural: Mas nós temos normas?

Mateus Paranhos: Temos algumas, como a lei anticrueldade, que é mais antiga. Existe desde os tempos de Getúlio Vargas. Também a do abate humanitário, do ano 2000, que foca o tratamento dado aos bichos de produção em todas as fases do manejo pré-abate e abate.

Só que não possuímos ainda um conjunto de regras amplas e detalhadas como a Europa. Mas estamos avançando. O bem-estar é uma demanda da sociedade, que não suporta mais o sofrimento do bicho, e essa questão tem efeito direto no mercado.

Globo Rural: E os confinamentos? Eles ocupam menos área, o que é lucrativo e sustentável, porém, há queixas quanto ao bem-estar.

Mateus Paranhos: O confinamento está se transformando numa atividade tão intensificada que as pessoas ficam cada vez mais distantes dos animais. Há plantas nas quais é provável o gado não ver gente durante semanas. O trabalhador passa com o caminhão ou o trator, coloca a ração no cocho e vai embora.

Uma das recomendações dadas por nós é: ao mesmo tempo em que é preciso fazer a leitura correta da alimentação, é imprescindível praticar a “leitura” dos animais.

Nós já vimos bicho dormindo, a cara ia caindo, caindo e, quando chegava à lama, ele acordava. A presença do homem facilmente detecta um machucado e o animal é levado para tratamento no ato. Além disso, amansa o boi. Outro alerta  é contra a poeira, tão presente nos confinamentos e que causa doenças pulmonares temidas.

Globo Rural: E o espaço que o bicho ocupa? É confortável?

Mateus Paranhos: Na verdade, não preconizamos o espaço ideal, e sim tentamos identificar um limite. Agora, diante de um confinamento onde um animal ocupa entre 3 e 4 metros quadrados, alertamos acerca da imagem trágica que será difundida por ONGs.

Realizamos um experimento importante em uma planta usando três medidas: 12 metros quadrados por bicho, que é a média nacional, a metade disso e o dobro, 24 metros quadrados.

O resultado foi impressionante. Os animais com mais espaço ganharam mais peso e o diagnóstico de problemas pulmonares e renais também mostrou diferença alta.

Globo Rural: Uma novidade é que, lá fora, fundos ambientais e do bem-estar animal, assim como ONGs, adquirem ações de empresas e influenciam nas decisões. É isso mesmo?

Mateus Paranhos: Como eu disse, o desenvolvimento do bem-estar animal foi movido pela lei, pela educação e agora tem foco no lado comercial. Os fundos estão realmente investindo em empresas que tenham um comportamento ético em relação aos animais e ao meio ambiente.

Existe também um outro lado. São as ONGs de proteção animal, que têm muito dinheiro de doações e compram ações preferenciais de empresas que lidam com a produção animal. Elas ganham assento no conselho e desfraldam suas bandeiras. São movimentos muito importantes.

Globo Rural: Trabalhos científicos mostram que o boi tem memória e expressa sentimentos como os humanos. Vou ao limite, professor, e pergunto: o animal tem alma?

Mateus Paranhos: Eu não tenho dúvida alguma de que os animais têm sentimentos e emoções. Com relação à transcendência para o lado espiritual, aí nós entramos num universo mais complicado. Envolve crenças e religiões. Tem os espíritas, os cristãos, os budistas, os hinduístas.

Eu diria o seguinte: não é possível se falar em alma, mas acho também que ninguém tem o direito de desrespeitar a crença do outro. Eu não vou querer provar que não existe alma se não tenho como fazer isso. Quem faz da crença um ato de fé, eu respeito.

Fonte: Globo Rural, adaptada pela Equipe BeefPoint.

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