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A ‘bombeira’ em meio ao fogo cruzado

Já passava das 19h00 do dia 28 de junho, em Bruxelas, e as negociações entre Mercosul e União Europeia transcorriam em clima bem mais frio do que sugeriam os 25ºC que marcavam, na capital da Bélgica, o início do verão europeu. Naquela quinta-feira, como nos últimos 20 anos, as conversas pareciam caminhar, mais uma vez, para o fracasso.

Os tradutores já haviam sido dispensados, e no 11º andar do Edifício Berlaymont, a sede da Comissão Europeia, o cansaço dominava ministros e vice-ministros dos dois blocos, já sem esperanças de chegar a um consenso. Nessa hora a ministra brasileira da Agricultura, Tereza Cristina, do alto de seu um metro e sessenta, abordou o Comissário da Agricultura da UE, Phil Hogan, um gigante de quase dois metros, e o chamou para um canto da sala.

Quem viu a cena conta que a conversa foi dura. O corpo a corpo durou cerca de 15 minutos, durante os quais Tereza cedeu em alguns pontos para convencer Hogan de que produtos do Brasil, como carne bovina e açúcar, não inundariam a Europa se houvesse acordo, e que o país seguiria à risca as imposições ambientais da UE, historicamente protecionista na área agrícola.

Hogan gostou do que ouviu, testemunharam o chanceler Ernesto Araújo e o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, segundo pessoas que estavam na sala. E o irlandês deixou isso claro no café da manhã do dia seguinte com negociadores dos dois lados, quando foram delineadas as bases para que o acordo de livre comércio fosse finalmente sacramentado, apesar dos riscos que ainda o cercam.

E esses riscos têm aumentado, afirmam observadores, em larga medida por causa da retórica ambiental inconsequente do chefe da ministra brasileira. Com aparente desprezo pela sustentabilidade da produção agropecuária e ofensas à alemã Angela Merkel e ao francês Emmanoel Macron, o presidente Jair Bolsonaro poderá colocar muita coisa a perder, a despeito das recorrentes intervenções públicas de Tereza Cristina na direção oposta.

O episódio retrata os agitados primeiros oito meses de Tereza Cristina no governo que ela foi fundamental para eleger, pelo apoio que ajudou a angariar no setor de agronegócios, e do qual se tornou peça das mais importantes. Continua a ter o apoio de produtores, executivos e empresários do setor e, até certo ponto, é respeitada pelos “inimigos”, pelo jeito educado e afável como rebate críticas e acusações. Mas isso não significa que sua gestão à frente da Agricultura não esteja sendo encarada com ressalvas, até pelo tempo que ela é obrigada a gastar apagando incêndios muitas vezes provocados por “fogo amigo”, como apontaram quase duas dezenas de fontes consultadas pelo Valor nas últimas semanas.

Em meio à barafunda ambiental, alimentada por muitos ataques pertinentes e outros nem tanto, perpetrados por quem prefere ver o Brasil atolado em suas confusões, a ministra não consegue, por exemplo, convencer a opinião pública sobre a aceleração da liberação de agrotóxicos no país. É mais clara na defesa da Amazônia do que do Cerrado, e tem sobre temas fundiários e indígenas posições que, na maior parte das vezes, passam quase despercebidas.

Nas negociações do Plano Safra atual (2019/20), reclamam produtores, a Agricultura perdeu para a Economia e houve elevação de juros e queda do montante de crédito rural a taxas controladas. Ao mesmo tempo, Tereza Cristina destacou como grande conquista a ampliação dos recursos do programa federal de seguro rural para R$ 1 bilhão em 2020, mas essa pode ter sido uma vitória de Pirro, uma vez que esses recursos são normalmente contingenciados.

“A ministra é muito dedicada e tem agradado ao setor, mas tem que enfrentar um incêndio atrás do outro e sua agenda, com certeza, ficou comprometida”, afirma Geraldo Borges, presidente da Abraleite, entidade que representa produtores de leite. No front interno, uma das prioridades que estão engavetadas são as medidas que permitirão a ampliação do autocontrole em empresas de alimentos, sobretudo frigoríficos. No front externo, apesar da “vitória” nas negociações entre Mercosul e UE, encara dificuldades para reabrir mercados fechados a produtos brasileiros por questões sanitárias e tem pouco a mostrar no que diz respeito à abertura de novas fronteiras para o comércio.

Para a ala do agronegócio que mais se modernizou nos últimos 30 anos, exportar é questão de sobrevivência. Tereza Cristina sabe disso, e em setembro, vai embarcar para mais um périplo internacional, com escalas no Oriente Médio (Arábia Saudita, Egito, Kuwait e Emirados Árabes) e na Europa (Alemanha e Suíça). No Oriente Médio, seu extintor tentará manter baixas as chamas da ameaça – não cumprida – de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém; na Europa, terá de lidar com o incêndio causado pelas posições ambientais do chefe.

“Para nós, é importante que o governo mostre lá fora que existem leis ambientais rígidas no Brasil. Se isso não acontecer, poderemos criar uma desconfiança infundada por parte dos importadores”, diz André Nassar, presidente da Abiove, entidade que representa no Brasil grandes tradings mundiais como as americanas ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company.

Serão novos testes para o poder de mediação de Tereza Cristina, que tem sido desafiada desde os primeiros dias do governo Bolsonaro. Logo de cara, sobrou para ela contornar, junto aos pecuaristas brasileiros, a decisão do governo de pôr fim às barreiras antidumping sobre as importações de leite em pó de UE e Nova Zelândia; foi ela que teve que articular a derrubada do decreto editado ainda no governo Temer que reduzia os descontos da conta de luz do setor agropecuário; e coube a ela conter a reação negativa da China às declarações hostis do chanceler Ernesto Araújo a Pequim.

A ministra conversou com o Valor na manhã de ontem sobre todos esses temas. Argumentou que seu ministério ficou maior do que já era e disse que a modernização em curso de sua estrutura, que permitirá agilizar as respostas às tantas questões que o desafiam, é lenta. E, como não poderia deixar de ser, defendeu o presidente Jair Bolsonaro, ainda que tenha demonstrado preocupação com o rumo de alguns debates. “No setor, alguns entendem que o tom do discurso do presidente precisa estar mais afinado e vou levar a ele essa posição”, afirmou ela (ver ‘Não foi o governo de Jair Bolsonaro que devastou a Amazônia’).

A capacidade política de Tereza Cristina, que já foi secretária de governo em Mato Grosso do Sul, líder partidária na Câmara, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e relatora de projetos de lei considerados difíceis, como o do Refis do Funrural e o que agiliza o registro de agrotóxicos, também vem sendo posta à prova em Brasília, muitas vezes às custas de parte de seu imenso prestígio junto à bancada ruralista.

Nesse sentido, um interlocutor lembra que, nos bastidores e de forma “bem mineira” – Tereza Cristina se formou em agronomia na Universidade de Viçosa (MG) -, a ministra atuou para garantir votos de deputados indecisos para a aprovação da Reforma da Previdência e distensionar a insatisfação dos ruralistas com a agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. O próprio Guedes e o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, com quem a ministra mantém canal direto, já foram à sede da Agricultura pelo menos duas vezes para reuniões com ela, o que é considerado um gesto político incomum na Esplanada.

Ex-ministro da Agricultura no governo Lula, Roberto Rodrigues, um dos “papas” do agronegócio brasileiro, avalia que nunca a bancada ruralista e o ministro da Pasta estiveram em tamanha sintonia com o governo como agora – o que, em tese, facilita as discussões das demandas do setor. “Na minha época, a bancada não apoiava o governo, mas apoiava o ministro. A bancada hoje é, sem sombra de dúvidas, muito alinhada com o governo”, afirma Rodrigues. Para ele, o maior desafio de Tereza Cristina continuará sendo na esfera internacional, onde há grande potencial para o crescimento do setor.

Apesar de não ser considerada da ala radical do governo e procurar se descolar de temas delicados como arrendamento de terra indígena para plantio de soja, Tereza Cristina é a ministra da Agricultura e, por isso, não tem como escapar dos reflexos das polêmicas geradas pelo governo, observa Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB. A ministra já foi do partido, mas se desligou em 2018 – para evitar uma expulsão após ter votado a favor da reforma da Previdência no governo Temer – e foi para o DEM. “A política ambiental deste governo é desastrosa e vai criar muitos problemas, inclusive para a ministra, que não é radical”, afirma Siqueira. “Não foi o governo Bolsonaro que devastou a Amazônia”, rebate a ministra.

“A ministra é ruralista e houve uma decisão política clara, ao nosso ver, de indicá-la ao cargo para acelerar o ritmo da liberação de agrotóxicos. Então não tinha espaço para a gente achar que ia melhorar”, diz Marina Lacôrte, coordenadora da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace. Outras tantas declarações nesse sentido estarão no caminho de Tereza Cristina enquanto ela ocupar seu cargo em Brasília. Ela tem demonstrado ser resiliente, mas, segundo as fontes ouvidas pelo Valor, essa resiliência depende do poder do seu extintor.

Fonte: Valor Econômico.

1 Comment

  1. GUSTAVO SILVEIRA MENEZES disse:

    A MINISTRA TEREZA CRISTINA É UMA MINISTRA QUE REPRESENTA A CLASSE DO AGRONEGOCIO DO BRASIL SABE O QUE FALA DIFERENTE DO GOVERNO LULA E DILMA ..QUE ERAM MASSACRADOS OU POSTE DO GOVERNO ..HOJE O MITO DA CARTA BRANCA PRA ELA ..TEM APOIO DO GOVERNO …SE HOJE FOSSE PT JA TINHA SEM TERRA NA FRENTE DO PLANALTO COM BARRACA

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