Fechamento – 12:15 – 06/12/01
6 de dezembro de 2001
Primeiro caso de “vaca louca” é detectado na Finlândia
10 de dezembro de 2001

Qualidade da carne brasileira e o mercado europeu

“O ano 2001 vai ser um ano excepcional para as exportações brasileiras de carne”.

As previsões da ABIEC, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne é de que o ano termine com 580 mil toneladas de carne exportadas, que vão representar cerca de US$ 800 milhões em divisas. Em 2002 a meta é de 750 mil toneladas exportadas, representando US$ 1,2 bilhão

Sorte e competência

A causa desse boom em nossas exportações está em uma coincidência de diversos fatores na conjuntura nacional e internacional:

– a desvalorização cambial;
– a desconfiança em relação à carne européia por causa da recente crise da vaca louca;
– o fechamento do mercado internacional às exportações argentinas e uruguaias devido à epidemia de febre aftosa que atingiu os rebanhos destes dois países exportadores.

Substituindo Argentina e Uruguai no fornecimento do mercado mundial e impulsionado pelo câmbio favorável, o Brasil acabou consolidando sua posição como exportador e conquistou mercados importantes, como os países do Oriente Médio. Somente para estes países, nossas exportações de carne bovina saltaram de 29,58 mil toneladas no ano 2000 para 61,65 mil toneladas no primeiro semestre de 2001.

O maior mercado para a carne brasileira no entanto continua sendo a Europa. Apesar da recente crise de EEB que afetou drasticamente o consumo de carne vermelha em todo o continente, a Europa representa ainda 39,3% do total exportado pelo Brasil, ou seja 100,39 mil toneladas (dados da Secex jan-jun 2001).

Qualidade

Mas será que nossa carne corresponde às expectativas do consumidor europeu em termos de qualidade? O problema começa na definição dos critérios de qualidade da carne, que não se restringem somente às suas qualidades organolépticas, mas passam também pela microbiologia, apresentação, modo de produção, entre outros.

Por enquanto vamos concentrar nossa análise à qualidade da carne propriamente dita, definida por:

– maciez
– sabor
– flavor
– suculência
– cor

Maciez – a maciez da carne está diretamente ligada à proporção entre miofibrilas e colágeno. Quanto mais colágeno na carne, mais dura ela é. Esta proporção varia:

1) com o tipo de músculo, que depende de como o músculos são utilizados pelo animal. Filé por exemplo é um dos músculos com menor teor em colágeno e pouco utilizado pelo animal. Músculos com alto teor de colágeno necessitam de um tempo de cozimento maior, para que este se dissolva aos poucos na água quente.

2) com a idade do animal, já que um animal mais velho tem menos capacidade de formar e substituir a proteína dos músculos, o que aumenta proporcionalmente o teor de colágeno.
Além do teor em colágeno, a maciez da carne está relacionada com o processo de maturação pós-abate, que está associada à atividade de enzimas ativadas pela acidificação do músculo. Este processo de acidificação é diretamente relacionado ao teor em glicogênio do músculo. Por atividade enzimática, o glicogênio é transformado em ácido láctico. Um bom teor em glicogênio no músculo, significa que o animal está bem nutrido e não está estressado, resultando em boa acidificação da carcaça, e consequentemente uma boa maturação. Carne com pH alto, cerca de 5,7 ou mais são escuras, grudentas e secas.

3) O terceiro fator que pode influenciar a maciez da carne é a presença de gordura “marmorizada” entre as fibras musculares. Pesquisadores australianos do Centro de Pesquisas Cooperativas para qualidade de gado de corte afirmam ter identificado um gene em particular que estaria associado a uma carne mais macia. O Dr. Bernie Bindon, responsável pela equipe, diz que a pesquisa pode ajudar na seleção genética de gado de corte usando um teste genético que pode identificar a frequência deste gene no rebanho.

Sabor e flavor – sabor é o que sentimos com a língua:

– doce (sacarose 20g/l),
– salgado (NaCl 3g/l),
– azedo (Ácido cítrico 0,7g/l)
– e amargo (Quinino 10mg/l).

Todo o resto do gosto que sentimos ao comer é causado por substâncias flavorizantes que são sentidas pelo olfato. Estas substâncias são compostos heterocíclicos, álcoois, ésteres, hidrocarbonetos, ácido carboxílico, lactonas e outras substâncias que na carne são em grande parte armazenados em tecidos adiposos. Desta forma, a presença de gordura no músculo é também responsável em grande parte pelo sabor da carne.

Suculência – a sensação de “água na boca” na hora de comer. Também aqui a gordura ajuda, pois nossas glândulas salivares são estimuladas pela presença de gordura.

Cor – a cor da carne é dada pela presença da proteína mioglobina e de seus estados de oxi-redução. A forma oxidada, a oximioglobina, tem cor vermelho vivo enquanto a forma reduzida, a metamioglobina, tem cor escura. Por isso a carne embalada à vácuo tem cor escura e uma vez aberta a embalagem, ela volta à cor vermelha. Mas de modo geral, raças associadas a um crescimento rápido como Blonde d’Aquitaine apresentam uma coloração mais clara, assim como animais mais jovens. Também a alimentação pode influenciar a coloração final da carne (Ferro, vitaminas).

A preferência do consumidor pela cor na Europa varia segundo as regiões. Enquanto o sul, Portugal, Espanha, Itália e Grécia preferem uma cor clara, países do norte: França, Alemanha e Inglaterra preferem o vermelho vivo.

Outros critérios de escolha

Mas além da qualidade da carne em si mesma, os europeus tem outros critérios na hora de escolher o que comer. Um estudo de comportamento realizado na França revela os fatores que são mais observados pelo consumidor na hora da compra de carne:

– Frescor
– Maciez
– Ausência de hormônios
– Criação e alimentação naturais
– Preço
– Apresentação
– Tipo do corte
– Informações no rótulo garantidas
– Animais bem tratados
– Origem
– Raça

O Brasil com certeza já é uma origem com boa reputação no mercado principalmente pelos métodos de criação extensiva sem hormônios e alimentação natural à base de pasto. Mas quando comparada à carne argentina por exemplo, a carne brasileira deixa a desejar em qualidade, maciez, sabor, suculência, o que fica evidenciado pela diferença de preço pago aos argentinos pelos mesmos cortes de carne no mercado europeu. A razão disto não está na indústria processadora, pois nossos frigoríficos são tão ou mais competentes do que os argentinos ou europeus, a principal razão está na qualidade genética do rebanho.

Restaurantes e hotéis

O mercado da carne brasileira na Europa é principalmente baseado em restaurantes e na rede hoteleira, onde o consumidor não é o responsável direto pela escolha da carne que vai comer. No entanto, se quisermos garantir nossa presença no mercado europeu e conquistar novos setores como supermercados, onde podemos oferecer nossa carne diretamente ao consumidor, teremos que avançar muito no que se refere à traçabilidade e à genética de nosso rebanho.

O Brasil precisa de uma melhoria urgente na qualidade do gado abatido. Não que devemos trocar todo nosso rebanho por gado Angus, sabemos que é inviável criar gado europeu puro no calor tropical, mas devemos investir muito nas cruzas industriais e na produção de gado mais precoce e de melhor qualidade.

Mercado disputado

O Brasil ainda tem a chance de aumentar sua cota Hilton de exportação na próxima rodada de negociações na OMC, que começa agora em novembro. Mas se as previsões argentinas estivessem corretas, a epidemia de aftosa já estaria em regressão e a reabertura de fronteiras seria agora em princípios do ano que vem. Assim como no Uruguai, (cuja abertura está prevista para finais deste ano), a competição pela qualidade começará novamente.

0 Comments

  1. Daniel Furquim disse:

    Matéria muito bem escrita, focalizando de forma simples e direta, o atual cenário da cadeia da carne brasileira. Mas acho que a saída não é simplesmente o cruzamento do nelore com raças britânicas. Embora melhore a maciez da carne, necessitariamos de um novilho com grau de sangue britânico superior a 25%, o que acarretaria em perda de rusticidade e adaptação ao meio. Com isso teremos um outro problema, que é a regularidade de oferta desse tipo de matéia-prima. Se a indústria tiver condições, o que seria mais viável é a separação de carcaças proveninetes de animais jovens abatidos no ponto ideal (peso com acabamento) e posterior maturação dessa carne. O que não acontece hoje. Animais erados são desossados juntos com animais jovens, não se diferencia por idade e sim por padrão, ou seja, se os cortes da carcaça apresentarem peso,conformação acabamento (principalmente no contrafilé) este é destinado à exportação. Cabe ao setor produtivo entregar uma matéria-prima PADRONIZADA E DE QUALIDADE. No caso da indústria, cabe a ela diferenciar as carcaças através de um sistema de classificação e tipificação de carcaças, o que torna possível a rastreabiliadde por lote. Além do mais, cabe à indústria remunerar ou não o pecuarista por qualidade da matéria-prima.

plugins premium WordPress