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Países buscam combater obesidade

Países como Chile e Malásia anunciaram medidas para combater a obesidade, batendo de frente com grandes indústrias de alimentos.

Malásia

Nas últimas três décadas, além de próspera, esta nação se tornou também o país mais gordo da Ásia, onde quase metade da população adulta tem problema de sobrepeso ou obesidade. Por isso, há vários anos, o Dr. Tee E Siong, um dos maiores especialistas nacionais em nutrição, decidiu agir, organizando um estudo minucioso das dietas locais, hábitos e estilos de vida.

Tee E Siong (Foto: Rahman Roslan para o The New York Times)

A pesquisa, conduzida por cientistas da Sociedade de Nutrição da Malásia, presidida por Tee, produziu vários artigos para publicações acadêmicas, mas os colegas não foram os únicos a fazer a resenha do material: ele também foi analisado pela Nestlé, maior empresa alimentícia do mundo, que financiou a empreitada.

Entre os textos, havia um que concluía que as crianças que tomavam bebidas maltadas no café da manhã – categoria dominada aqui pelo Milo, achocolatado em pó feito pela Nestlé –, tinham maior tendência de serem ativas fisicamente e passarem menos tempo na frente do computador ou da TV.

O projeto é um exemplo típico de uma prática que começou no Ocidente e se instalou, juntamente com os níveis crescentes de obesidade, nos países em desenvolvimento: parcerias financeiras abrangentes entre os conglomerados alimentícios e nutricionistas, políticos e acadêmicos.

Com o objetivo de expandir seus mercados, essas multinacionais estão investindo pesado nos países em desenvolvimento, como Índia e Camarões, para obter o apoio dos cientistas locais. O setor custeia projetos de pesquisa, paga consultoria a estudiosos e patrocina as maiores conferências sobre nutrição quando as vendas dos ultraprocessados dispararam: só na Malásia, aumentaram mais de 105 por cento nos últimos cinco anos, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado Euromonitor.

Além da Nestlé, o trabalho de Tee foi custeado pela Kellogg’s, PepsiCo e Tate & Lyle, uma das maiores fabricantes de xarope de milho com alto teor de frutose, entre outros produtos. Ele justifica dizendo que os cientistas precisam de cooperação e apoio financeiro das empresas, que têm condição de fornecer os recursos tão necessários.

E observou que a cozinha nacional tradicional, com seus curries e outras comidas de rua cheias de açúcar, são os principais causadores da obesidade, afirmando também que trabalhar com camelôs e empresas de fundo de quintal para tornar seus itens mais saudáveis é muito difícil – ao contrário das grandes empresas, cujo processo é mais simples e produtivo.

Tee afirma que usa sua posição para pressionar o governo a tomar medidas regulatórias importantes, incluindo a lei de 2003, que exigia que a indústria alimentícia incluísse as informações nutricionais – os níveis de gordura, açúcares e proteína – nas embalagens.

“Fomos um dos primeiros países da Ásia a tomar essa medida”, explica.

Para a Nestlé, é importante colaborar com as iniciativas de melhoria da nutrição ao redor do mundo.

“A Nestlé acredita que as questões de saúde pública só podem ser resolvidas por um grupo de empresas grandes, com o poder de cumprir um papel catalisador”, informou a corporação, através de e-mail.

A companhia lê os artigos antes de serem publicados como parte do acordo fechado com a Sociedade de Nutrição de Tee, e declara que faz a resenha do material “para garantir que a metodologia esteja cientificamente correta”.

Ainda em sua declaração: “Abordamos as pesquisas de forma transparente e aplicamos padrões rígidos para garantir a integridade do projeto até a publicação do estudo”.

Recentemente levamos Tee para um passeio aos corredores feericamente iluminados do supermercado em um subúrbio da capital malaia. As prateleiras estavam lotadas com itens hoje encontrados em qualquer parte do mundo: macarrão instantâneo, molho pronto de tomate, refrigerante e uma infinidade de cereais adoçados, incluindo Stars, da Nestlé, cujo conteúdo tem 28 por cento de açúcar e um círculo em vermelho vivo, na parte inferior da embalagem, que diz: “Considerada a opção mais saudável pelo Ministério da Saúde da Malásia”.

“Temos que parar de culpar as multinacionais; o verdadeiro problema não é o tipo de comida que a população consome, mas as quantidades, e o estilo de vida que leva”, afirma Tee.

“Os malaios estão sempre comendo. E não se exercitam. Não estou falando nem de ir à academia, mas de fazer uma caminhada. É fácil e barato. Tem que levantar da cadeira e se mexer!”, completa.

Dois membros do alto escalão do Ministério da Saúde recentemente se reuniram para discutir a questão da obesidade e o papel de Tee na resposta nacional ao problema.

“Eu o admiro muito. Não há ninguém que o substitua como presidente da Sociedade de Nutrição”, exclama Zalma Abdul Razak, responsável pela seção de nutrição do ministério.

De acordo com seus relatórios anuais, a instituição recebeu milhares de dólares do setor alimentício, incluindo pelo menos US$188 mil da Nestlé e da Cereal Partners Worldwide, uma joint venture entre a suíça e a General Mills, para o estudo do café da manhã. Além disso, teve outros US$44 mil diretamente da Nestlé para outros projetos e parcerias; cerca de US$11 mil da indústria de laticínios; US$10 mil da Ajinomoto, que faz aspartame; mais US$40 mil da empresa de comida para bebê Philips Avent, para projetos relacionados à nutrição maternal e infantil.

A PepsiCo e a Tate & Lyle custearam a conferência anual da sociedade, além da Southeast Asia Public Health Network de Tee, mas ambas se recusaram a divulgar os valores.

O ethos da parceria corporativa também está presente em inúmeras iniciativas de saúde na Malásia: um comitê do Ministério da Saúde se uniu à Federação de Fabricantes Malaios, que inclui representantes das grandes empresas alimentícias, para desenvolver um sistema de rotulagem para o público que informe ao consumidor quais os alimentos processados “mais saudáveis” em relação a outros, da mesma categoria.

Entre as opções de que obtivemos essas informações estão os cereais açucarados infantis e o Gatorade Quiet Storm, que contém 16 gramas de açúcar por porção e recebeu uma nota baixa por seu conteúdo nutricional do “Food Educate”, aplicativo que avalia diversos alimentos e recebeu vários prêmios.

Para S. Subramaniam, ministro da Saúde malaio, não é função do governo vigiar as multinacionais alimentícias.

“É mais uma questão de cooperação”, resume.

Porém, alguns nutricionistas dizem que as diretrizes alimentares do país, que Tee ajudou a definir, não são tão rígidas em relação ao açúcar como deveriam. O guia estimula o consumo de grãos e cereais e limita a gordura entre vinte e trinta por cento das calorias diárias – recomendação que foi retirada do manual norte-americano, em 2015, depois que ficou comprovado que a dieta pobre em gorduras não só não reduz a obesidade como pode contribuir para o problema.

(Foto: Rahman Roslan para o The New York Times)

“O financiamento corporativo da ciência nutricional na Malásia enfraquece o combate ao consumo de açúcar e alimentos processados”, afirma Rohana Abdul Jalil, especialista formada em Harvard que trabalha em Kelantan, cujo índice de obesidade é tão alto quanto o das metrópoles, apesar de ser uma região rural.

“Nunca houve uma campanha explícita e agressiva contra o açúcar”, completa.

Ela atua em Kota Bharu, capital do estado, onde há barraquinhas e carrinhos na porta das escolas vendendo copos imensos de refrigerante, vários tipos de chocolates e salgadinhos de milho e arroz nos sabores camarão e queijo.

Rohana dá aulas de conscientização alimentar e ainda se surpreende ao perceber que muitos participantes não têm a mínima consciência dos perigos do excesso do consumo de açúcar.

A nutricionista, que não recebe verba das grandes empresas, promove uma alimentação básica, com muito arroz integral nativo e outros legumes e verduras da terra.

E critica os documentos resultantes do estudo sobre o café da manhã feito pela sociedade de nutrição. Além do relatório que liga as bebidas maltadas à maior disposição para exercícios físicos e menos tempo diante da tela de TV/computador, Tee e seus colegas publicaram uma análise voltada para os cereais matinais, que não fazem parte da dieta malaia, classificando-os como “importante fonte de nutrientes”, embora tenha revelado também um alto teor de açúcar.

Por sua vez, Tee diz que os riscos de obesidade no país seriam maiores sem a ajuda das multinacionais e que não poderia realizar seus objetivos sem a ajuda delas.

“Há quem diga que não devíamos aceitar dinheiro para nossos projetos, nossos estudos, nossas pesquisas. Sei muito bem disso. Tenho duas escolhas: não fazer nada ou trabalhar com os conglomerados”, conclui.

Vishen Lakhiani

O empresário da Malásia, Vishen Lakhiani, empreendedor, inovador da tecnologia da educação, palestrante, investidor e filantropo, além de fundador e CEO da Mindvalley, uma empresa especializada em inovação na educação, fez uma transmissão ao vivo

O vídeo foi realizado no dia 11 de fevereiro. “Se você assistir isso, vai pensar novamente sobre como está se alimentando e alimentando seu filho.”

“Compartilho os dados científicos mais recentes e trago convidados especiais como Dr. Mark Hyman, MD e Steven Kotler.”

Ele afirmou que trouxe informações uteis para pais e mães, bem como para jornalistas e governos, que os ajudarão a lutar contra as mentiras da indústria de alimentos.

A palestra inclui:

* Como a propaganda do açúcar é tão ruim quanto a propaganda de cigarros era há 50 anos.

* Por que um médico americano diz que os anúncios do “Milo” no Sudeste Asiático deveriam ser considerados “criminosos”.

* A verdadeira ciência sobre obesidade e por que o exercício é inútil. É tudo sobre o que você come. A mentira do exercício é uma mentira conveniente que as empresas de alimentos querem que você acredite.

* Steven Kotler refuta a alegação de que o Milo é necessário para o desempenho em crianças.

* Por que as empresas de alimentos criam novos nomes para o açúcar, para que os consumidores se confundam mesmo quando leem rótulos.

* Hyman fala sobre a ciência mostrando como dar bebidas açucaradas a seus filhos antes da escola afeta negativamente seu aprendizado e cria uma “lacuna de realização” – as crianças que comem dessa maneira têm notas mais baixas.

* Uma história surpreendente sobre o que aconteceu quando uma empresa de Big Food tentou contratar uma das principais mentes da América para descobrir como comercializar bebidas açucaradas para adolescentes.

Laisheni tinha publicado outro vídeo criticando o leite maltado Milo, da Nestlé, onde afirma que o açúcar representa 40% de uma porção da bebida em pó. O site da Milo afirma que há 40,5g de açúcar em cada 100g de porção de pó.

No vídeo, Laisheni falou sobre a cultura que encoraja as crianças pequenas a consumir vários copos da bebida por dia na Malásia.
O vídeo teve 823 mil visualizações até agora.

Um dos médicos mais famosos dos EUA, Mark Hyman, acabou de escrever sobre a Nestlé na Malásia em um artigo sobre como as grandes empresas de alimentos estão vendendo uma mentira.  Ele fala sobre a mentira vendida pela indústria de alimentos de que o controle do peso é uma questão puramente matemática: o quanto de calorias ingerido menos o quanto de calorias gastas. No entanto, a ciência mostra que nem todas as calorias são iguais. Uma dieta à base de 2.000 calorias vindas de refrigerantes não é equivalente a uma dieta com 2.000 calorias vindas de vegetais, por exemplo.

Hyman cita o Milo, da Nestlé, eu seu artigo, dizendo que se trata de um mistura de “farinha, açúcar e chocolate com o mesmo índice glicêmico que a Coca Cola. Lixo puro promovido como comida de saúde.” Ele diz que a Nestlé usa a mentira do “gap de energia”, que não tem base científica, para vender seu produto para crianças, usando de forte publicidade para apoiar isso.

Chile

Eles acabaram com o tigre Tony. Puseram fim a Chester Cheetah, o personagem associado aos salgadinhos Cheetos. Proibiram o Kinder Ovo, um chocolate oval que traz um brinquedo como brinde surpresa.

O governo chileno, diante de uma disparada nos índices de obesidade, declarou guerra aos alimentos insalubres, impondo numerosas restrições de marketing, mudanças obrigatórias nas embalagens, e regras de identificação de produtos que têm por objetivo alterar os hábitos de alimentação dos 18 milhões de habitantes do país.

Os especialistas em nutrição dizem que as medidas são a mais ambiciosa tentativa no mundo de redesenhar a cultura alimentar de um país, e podem se tornar um modelo de como reverter a epidemia mundial de obesidade, que, segundo pesquisadores, contribui para quatro milhões de mortes prematuras a cada ano.

(Foto: Victor Ruiz Caballero para o The New York Times)

“As ações do Chile são realmente significativas, e tomar as medidas adotadas foi muito difícil diante das pressões usuais”, disse Stephen Simpson, diretor do Charles Perkins Centre, uma organização de estudiosos que se concentram na ciência e políticas públicas da nutrição e obesidade. As multibilionárias indústrias da alimentação e refrigerantes exerceram pressão semelhante para evitar com sucesso a adoção de medidas regulatórias em muitos outros países.

Desde que a lei de alimentação entrou em vigor, há dois anos, ela vem forçando multinacionais como a Kellogg a remover os personagens que enfeitam as caixas de seus cereais açucarados, e proibiu a venda de doces como os ovos Kinder, que usam brindes para atrair os consumidores menores de idade. A venda proíbe a venda de junk food, como sorvetes, chocolates e batatas chips, nas escolas chilenas, e proíbe publicidade desse tipo de produto em programas de TV e sites dirigidos a audiências jovens.

A partir do ano que vem, os anúncios desses produtos estarão completamente proibidos na TV, rádio e salas de cinema, no horário entre as 6h e as 22h. Em um esforço para encorajar o aleitamento materno, no segundo trimestre deste ano entrará em vigor uma proibição à publicidade de leite em pó.

Ainda quer uma Coca-Cola? No Chile, as bebidas com alto teor de açúcar pagam 18% de imposto, uma das alíquotas mais altas do planeta.

(Foto: Victor Ruiz Caballero para o The New York Times)

A peça central da iniciativa é um novo sistema de rotulação que requer que as empresas que vendem alimentos embalados exibam sinais de advertência pretos em forma de uma placa de “pare”, em produtos com alto teor de sal e açúcar, alta contagem de calorias ou alto teor de gordura saturada.

O setor de alimentos define as regras do governo como abuso de poder. Felipe Lira, diretor da associação setorial Chilealimentos, disse que os novos rótulos sobre nutrição causam confusão e são “invasivos”, e que as restrições ao marketing desses produtos se baseiam em correlações cientificamente inapropriadas entre a promoção de alimentos insalubres e o ganho de peso. “Acreditamos que a melhor maneira de abordar o problema da obesidade seja educar o consumidor e mudar os hábitos das pessoas”, ele afirmou, via e-mail.

A Pepsi, fabricante do Cheetos, e a Kellogg, fabricante do Frosted Flakes, foram à Justiça, argumentando que os regulamentos violam sua propriedade intelectual. O caso ainda não foi decidido.

Maria José Echeverría, porta-voz da Pepsi, disse que a empresa cumpria rigorosamente as leis e não tinha interesse em derrubá-las, e estava apenas tentando proteger sua capacidade de usar uma marga registrada vigente no Chile.

A Kellogg se recusou a comentar.

A disparada nos índices de obesidade está forçando governos de todo o mundo a enfrentar uma das mais sérias ameaças de saúde pública em uma geração.

(Foto: Victor Ruiz Caballero para o The New York Times)

Até o final dos anos 80, a subnutrição era generalizada entre os chilenos pobres, especialmente as crianças. Hoje, três quartos dos adultos sofrem de excesso de peso ou são obesos, de acordo com o Ministério da Saúde do país. As autoridades estão especialmente alarmadas com o índice de obesidade entre as crianças chilenas, que está entre os mais altos do mundo – mais de metade das crianças chilenas de seis anos de idade têm excesso de peso ou são obesas.

Em 2016, os custos médicos da obesidade atingiram os US$ 800 milhões, ou 2,4% dos gastos do país com a saúde, uma proporção que os analistas estimam venha a subir a quase 4% em 2030.

Estatísticas assim preocupantes ajudaram na criação de uma coalizão de autoridades eleitas, cientistas e ativistas da saúde pública, que superou a feroz oposição dos fabricantes de alimentos e de seus aliados no governo.

“Foi uma guerra de guerrilha muito árdua”, disse o senador Guido Girardi, vice-presidente do Senado chileno e médico, que propôs a nova regulamentação em 2007. “As pessoas têm o direito de saber o que as companhias de alimentos estão colocando nesse lixo e, com a legislação adotada, creio que o Chile tenha feito uma grande contribuição para a humanidade”.

Da Índia à Colômbia, passando pelos Estados Unidos, países ricos e pobres vêm batalhando para combater a alta da obesidade – e encontrando resistência feroz das empresas de alimentos, ansiosas por proteger seus lucros.

No Chile, os interesses empresariais postergaram a aprovação da lei por quase uma década, e em duas ocasiões havia tantos lobistas lotando audiências do Congresso quanto ao projeto que o presidente do Senado se viu forçado a suspender as sessões e esvaziar a sala.

Mas a indústria raramente enfrenta adversários como o senador Girardi. Treinado como cirurgião e dotado de talento dramático, ele é uma figura chave na coalizão da presidente Michelle Bachelet. Na longa disputa quanto à lei de alimentação, Girardi, 56, atacou publicamente as empresas de alimentos, chamando-as de “pedófilos do século 21”, e antes da posse de Bachelet realizou um protesto de semanas de duração diante do palácio presidencial, com cartazes que acusavam o predecessor dela, Sebastián Piñera, de destruir a saúde do Chile ao vetar uma versão anterior da legislação.

“O açúcar mata mais gente que o terrorismo e os acidentes de automóvel combinados”, ele declarou em entrevista, sacudindo uma caixa do cereal Trix como adereço. “É o veneno da nossa era”.

Houve outros fatores que tornaram a legislação possível, entre os quais um Legislativo determinado a enfrentar a alta nos custos econômicos da obesidade, e o apoio de Bachelet, socialista que tem formação como pediatra.

Por fim, a pressão da indústria conseguiu aliviar algumas das regras que constavam do texto original, o que inclui um afrouxamento das restrições publicitárias e a remoção de uma medida que proibiria a venda de junk food perto de escolas.

Caminhar pelos corredores de um supermercado chileno pode ser uma experiência surpreendente, no aspecto visual. As embalagens do achocolatado Nesquik, da Nestlé, não incluem mais o coelhinho agitado. As velas dançarinas que enfeitam os pacotes do chocolate M&M no mundo todo também se foram.

E há os alertas publicados na porção frontal das embalagens de numerosos produtos.

Barras de cereais, iogurtes e caixas de suco, produtos que por muito tempo foram anunciados como “saudáveis”, “naturais” ou “fortificados com vitaminas e minerais”, agora portam um ou mais dos sinais pretos de alerta. Uma variedade de molho para saladas light da marca Great Value porta os quatro sinais de advertência, o que significa que ela tem alto teor de sal, açúcar e gordura, e alto valor calórico.

“Eu na verdade nunca prestei atenção aos rótulos”, disse a contadora Patricia Sánchez, 32, que tem dois filhos, durante as compras em um supermercado de Santiago, para as quais ela conta com ajuda ocasional de sua filha de sete anos de idade. “Mas agora eles nos forçam a prestar atenção. E se eu não o faço, meus filhos fazem”.

Os índices de obesidade chilenos ainda não caíram, e os especialistas dizem que pode demorar anos para que a maneira pela qual as pessoas comem seja modificada de modo significativo. Mas ao concentrar atenções nas embalagens e publicidade de alimentos insalubres que atraem as crianças, a esperança do governo chileno é a de reprogramar a próxima geração de consumidores.

“É preciso mudar todo o sistema de alimentação, e não se pode fazê-lo da noite para o dia”, disse a Dra. Cecilia Castillo Lancellotti, antiga diretora de nutrição no Ministério da Saúde chileno, e uma das primeiras proponentes da legislação.

As novas embalagens já criaram um benefício inesperado: as companhias de alimentos estão modificando seus produtos voluntariamente a fim de evitar os temidos rótulos pretos.

De acordo com a AB Chile, uma associação do setor de alimentos, mais de 1,5 mil itens, ou 20% dos produtos vendidos no país, passaram por reformulação em resposta à lei. A Nestlé reduziu o teor de açúcar em seu achocolatado Milo, o McDonald’s oferece purê de frutas, iogurte e tomates-cereja como parte de seus Happy Meals, e empresas locais estão lançando novos produtos como frutas secas, bolos de arroz e frutas desidratadas para venda em escolas.

No mês passado, a Coca-Cola deu início a uma campanha publicitária para novas versões de Sprite e Fanta, com a assinatura “livre de rótulos e igualmente ricos” – um reconhecimento de que os refrigerantes não portarão mais os rótulos de advertência porque a empresa substituiu metade do açúcar dos produtos por adoçantes artificiais.

Ben Sheidler, porta-voz da Coca-Cola, disse que a empresa havia criado 32 bebidas novas nos últimos 18 meses, e que 65% de sua linha de bebidas no Chile agora podia ser descrita como portadora de teores baixos ou reduzidos de açúcar.

Um porta-voz da Pepsi disse que dois terços das marcas de bebidas da empresa no Chile também podiam ser descritas como sem açúcar ou portadoras de baixo teor de açúcar, e que mais de 90% de seus salgadinhos tinham baixos teores de sódio e gordura saturada.

Outras empresas adotaram o sistema de rotulação como forma de alardear produtos saudáveis. A Soprole, uma empresa chilena de laticínios, produziu um comercial que mostra crianças apresentando telejornais e explicando o sistema de rótulos de uma maneira que a garotada entenda.

“Originalmente não acreditávamos que os rótulos fariam muita diferença, mas descobrimos em grupos de foco que as crianças realmente prestam atenção neles”, disse a Dra. Camilla Corvalan, da Universidade do Chile, que está estudando o impacto do novo sistema de rótulos. “Elas chamam a atenção das mães para os rótulos e dizem que não poderiam levar algo com tantos rótulos à escola porque o professor não permitiria”.

Pouco depois de os rótulos começarem a ser usados, a AB Chile divulgou um comercial online que usava celebridades chilenas para atacar a nova regulamentação. Em uma das cenas, um conhecido apresentador de TV, supostamente doente, considera, em sua cama de enfermo, uma bandeja contendo bolachas de água e sal e marmelada – itens que ele diz que a nova lei definiu como insalubres. “Isso é o que minha mãe me serviu a vida inteira e agora não posso mais comer?”, ele pergunta, indignado. Outra cena mostra uma atriz tirando um monte de pastilhas de menta de sua bolsa. “Claro que o teor de açúcar delas é alto”, ela diz. “Mas só como duas ou três.

O anúncio provocou forte reação adversa na Internet, e a reação ganhou circulação viral. Em um dos contra-ataques, o ator chileno Pablo Schwartz postou um vídeo que o mostrava contemplando uma pilha de pó branco. “Todo mundo diz que cocaína faz mal, claro, mas você cheiraria 250 gramas de uma vez?”, ele pergunta, antes de cheirar uma carreira. “Tudo está nas porções”.

A associação cancelou o anúncio no qual criticava as novas regras.

O trabalho de implementar as regras cabe a um grupo de assessores técnicos que se reúnem semanalmente no Ministério da Saúde, e oferecem orientação sobre a necessidade de um fabricante de salgadinhos remover de sua embalagem o desenho de um gato dançarino, ou sobre a substituição de uma voz infantil, em um comercial de rádio para salgadinhos de milho, pela voz de um adulto.

“Às vezes é fácil, por exemplo se um cachorro usa óculos e fala como se fosse humano, mas às vezes não é”, disse a Dra. Lorena Rodríguez, diretora de nutrição do ministério. “Brigamos, brigamos e brigamos, até chegarmos a um consenso”.

O Dr. Jaime Burrows Oyarzún, vice-ministro da Saúde Pública, está confiante em que o governo vencerá nos tribunais, Como principal árbitro dos novos regulamento, ele muitas vezes arca com a maior parte da ira da indústria. Depois da proibição ao Kinder Ovo, um executivo italiano da empresa fabricante e o embaixador italiano no Chile o acusaram de “terrorismo alimentar”, em uma visita ao seu escritório, ele recordou em entrevista.

Mauro Russo, diretor executivo da Ferrero, fabricante do Kinder Ovo, disse que a lei havia sido aplicada erroneamente ao seu produto, porque o brinquedo é parte intrínseca do pacote, e não um “truque promocional”, que é o termo usado na legislação, com o objetivo de estimular vendas. Ele também contesta que o produto seja insalubre, apontando que os ovos têm 110 calorias e que raros consumidores compram mais de um ou dois por ano. “O impacto do Kinder Ovo sobre a obesidade é muito marginal”, ele disse.

Alguns dos ativistas pela boa nutrição imaginam quanto tempo a lei conseguirá sobreviver em sua forma atual. Piñera, o ex-presidente recentemente eleito novamente para o posto, sucederá Bachelet em março; ele é um empresário conservador que vetou o projeto de lei de rotulação em 2011 durante seu primeiro mandato presidencial. O governo dele apoiava, em lugar da lei, uma iniciativa de alimentação financiada por empresas multinacionais, que enfatizava receitas saudáveis, exercício e moderação no consumo de junk food. A campanha foi projeto da primeira dama Cecilia Morel Montes.

“Não precisamos de mais impostos”, ela disse em entrevista.

Um porta-voz de Piñera disse que ele provavelmente “reconsideraria a lei e estudaria maneiras de melhorá-la”, depois de assumir.

Enquanto isso, outros países latino-americanos, como o Equador e o Brasil, buscam tomar alguns elementos de empréstimo à iniciativa chilena. O Dr. Carlos Monteiro, professor de nutrição e saúde pública da USP, no Brasil, disse que os líderes da região não podiam mais ignorar a alta dos custos médicos associados a doenças como o diabetes e a hipertensão.

“A epidemia de obesidade é muito clara e prejudicial a toda a população, o que inclui a elite política, e nenhum país está obtendo sucesso em controlá-la sem regulamentar o ambiente da alimentação”, ele disse. “Fazer nada deixou de ser opção”.

Fontes: The New York Times, Folha de São Paulo, Zero Hora,
Vishen Lakhiani em sua página no Facebook, Asian Correspondent, http://drhyman.com, adaptada e traduzida parcialmente pela Equipe BeefPoint.

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