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Os produtores rurais, assim como os índios, devem se sentir enganados – Newley Amarilla

Representante de 11 produtores rurais de Dois Irmãos do Buriti e região, cujas terras estão fincadas em meio ao conflito fundiário com etnias indígenas no Mato Grosso do Sul, o advogado Newley Amarilla traça um panorama sombrio sobre as perspectivas de acordo mediado pelo Governo Federal. Segundo ele, a possibilidade de novos confrontos entre produtores e índios é procupante.

Nesta entrevista a Revista Semana Online, Amarilla oferece o ponto de vista dos produtores rurais em um conflito que tem sido continuamente negligenciado pelo Estado brasileiro e que já deixou um rastro de mortes e destruição.

Newley Amarilla

A questão indígena em Mato Grosso do Sul tem sido um problema de difícil resolução. O que é preciso para solucionar este impasse? 

É preciso que o Governo Federal se empenhe e forneça meios, dinheiro.

Há muitas dúvidas sobre o processo que levou o homem branco a se apossar destas terras no passado…

É preciso entender como aconteceu o povoamento do território do sul do Mato Grosso. Sabemos que, até a Guerra do Paraguai, entre 1865 e 1870, o povoamento desta região não preocupava o império. Quando o teatro de operações se deu aqui, findada a guerra, esta preocupação surgiu e o império resolveu incentivar os militares que estavam sendo desmobilizados a se assentarem, conferindo a eles a posse de terras.

Há como garantir a legitimidade de todos estes títulos?

Especificamente nos casos de Cachoeirinha, Dois Irmãos de Buriti e Sidrolândia, não há dúvida nenhuma de que os títulos foram expedidos da maneira mais legítima possível. Basta fazer uma pesquisa muito simples, que é chamada busca da certidão vintenária. Posso afiançar que são raríssimas as regiões do Estado, e nenhuma delas é indígena, em que haja dificuldade de demonstrar esta legitimidade.

De qualquer forma, trata-se de um problema que deriva de uma visão preconceituosa do indígena.

Os índios, na história do Brasil, foram muito pouco respeitados, tratados como seres inferiores, como pessoas de segunda categoria, que estavam em um estágio de civilização que, com o tempo, evoluiria, transformando-os em brancos. A política de então refletiu este tipo de pensamento.

Logo que proclamada a República, criado o Serviço de Proteção ao Índio, que é o antecessor da Funai, passou-se, nas regiões em que a população não índia começava a conviver com a população índia, a se criar reservas. Ou seja: a ideia era de que os índios iriam ficar confinados e todo espaço de sobra seria dado à produção agrícola e pecuária. E estes índios ficariam ali até se tornarem brancos. Isso era defendido inclusive por cientistas sociais.

Uma visão etnocêntrica que se estendeu por décadas…

Sim. Por pressões de uma série de lobbies esta política foi mudando. O índio vai ser índio, definiu-se na Constituição de 1988. Para ele viver do seu modo é preciso terra.

Como fazer? Criou-se uma ficção, que é a de dizer que terra indígena é toda aquela que o índio efetivamente ocupa e necessita para o desenvolvimento de suas tradicionalidades. Então, em Dois Irmãos do Buriti não eram mais 2 mil hectares que eram indígenas, eram 19 mil. Lá em Cachoeirinha não eram mais 2,6 mil hectares, eram 36 mil.

Esta ficção chocou-se com a situação fundiária consolidada segundo a lei anterior. O proprietário como fica? Será indenizado, se de boa fé for, pelas benfeitorias feitas, cercas, pastagens. Nada pela terra nua. Evidente que isso se chocou com uma série de padrões legais e constitucionais que normatizam a vida civilizada.

Daí o conflito.

Sim. Houve uma reação muito forte dos produtores e da Justiça. No caso específico de Dois Irmãos do Buriti, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, que jurisdiciona Mato Grosso do Sul e São Paulo, já decidiu que a terra não é indígena, é dos proprietários rurais. Por isso houve aquela reintegração de posse em cujo cumprimento, na fazenda do Ricardo Bacha, aquele índio acabou sendo morto e se criou toda esta mobilização do Governo Federal.

O que já devia ter ocorrido.

Sim, o Governo Federal – e aí eu me refiro ao Governo Federal como instituição e não como governo deste ou daquele partido – já devia ter se mobilizado. Não precisava esperar um cadáver para sobre ele tentar ações que são inócuas. O Governo Federal insiste em não colocar a mão no bolso para resolver esta questão.

Qual a perspectiva dos produtores rurais diante das ações do Governo Federal?

É muito ruim. Os produtores rurais se sentem, assim como os índios devem se sentir, enganados, enrolados. Somos chamados a reuniões nas quais se diz que num curto prazo tudo vai se resolver. Mas, só há uma maneira de se resolver isso.

Se é para tirar a terra do produtor para entregá-la ao índio, é preciso que se pague ao produtor rural. Não só pelas benfeitorias, mas pela terra.

O produtor rural não ganhou esta terras. A legitimação da posse se deu mediante trabalho de sol a sol. Hoje não se pode, simplesmente, confiscar estas terras em nome de uma política indígena criada em cima da espoliação do produtor rural.

Como seriam avaliadas estas terras?

Os produtores querem nada mais, nada menos, do que o valor de mercado de suas terras. Querem o que é justo. Quem tem que avaliar é o Incra, a Junta de Avaliação do Governo do Estado, o Serviço de Patrimônio da União.

Se esta avaliação alcançar o valor de mercado, com fundamento, não há motivo para que os produtores não concordem com o valor. O que eles não vão aceitar é que a avaliação desvalorize suas terras devido ao conflito indígena. Não foram eles que deram causa a isso.

Há uma possibilidade deste acordo se concretizar?

O que o Governo Federal pretende é uma solução que indenize os produtores sem que ele ponha a mão no bolso. É possível? A proposta é repassar ao Estado do Mato Grosso do Sul títulos da dívida agrária. Em troca, o Estado repassaria ao Governo Federal terras para a reforma agrária. Com os títulos o Governo do Estado faria dinheiro para pagar aos produtores. Ou seja: quem paga a conta é o Governo do Estado. O governador André Puccinelli já disse que não vai pagar, e ele tem razão. A dívida não é do Estado.

Estamos falando em que valores?

Não há estimativa, pois há propriedades em diversas localidades, em diversos estágios.

E qual a extensão de terras em questão?

Não se resolve este problema com menos de 250 mil hectares. Só a região de Aquidauana, Anastácio, Dois Irmãos do Buriti, Sidrolândia e Miranda precisa de mais ou menos 100 mil hectares para os Terena. Fora os Guaranis. É muito dinheiro. O que o Governo Federal precisa é entender que não se pode adotar qualquer tipo de política sem respaldo financeiro.

Imaginando um cenário no qual o Governo Federal viabilize este acordo, haveria algum impacto econômico na perda produtiva destas terras?

Não sei como os índios vão aproveitar isso. É óbvio que se você tem 50 mil hectares que produzem, pagam impostos sobre aquela produção, geram emprego, e estes 50 mil hectares mudam de mãos, mas continuam produzindo, não há impacto algum. Se não continuar produzindo é evidente que vai haver impacto. Mas quem tem que cuidar deste assunto é o Governo do Estado.

O senhor traça um panorama preocupante. Há chances de novos conflitos a curto e médio prazo?

Sem dúvida que sim. O Governo Federal só veio para um acordo depois de ter perdido a demanda no TRF e depois de um índio ter morrido. O Governo Federal deixou a questão ao Deus dará e acabou ele próprio dando a lição pedagógica de que se não houver conflito e morte ele não comparece. Os índios, pressionados nas áreas confinadas, têm que tipo de lição? Se eu não invadir, esbulhar, criar casos de violência, o Governo Federal não olha para mim. Eu me preocupo.

O clima no campo é de confronto?

Os produtores rurais sempre buscaram o Judiciário que, todavia, embora em primeiro grau determine a reintegração de posse, no segundo grau não faz isso. Suspende os cumprimentos. Os produtores têm um limite de paciência. Eles não estão numa situação confortável. Muitos tiveram sua vida alterada intensamente da noite para o dia. Perderam receita, propriedades, meios de produção. A paciência é curta. O Governo Federal disse em junho que em 45 dias resolveria o impasse. Estamos na metade de setembro e nada. A paciência dos produtores rurais está se esgotando. Eles confiam na Justiça, mas querem uma Justiça que seja prática.

O conflito entre produtores rurais e indígenas cria mistificações. Há quem diga que os produtores rurais querem acabar com os índios, há quem diga que os índios são financiados por grupos internacionais. O que é mistificação e o que é fato nesta história?

De fato há muita mistificação. Os produtores rurais respeitam os direitos que os índios almejam ter. O que eles não querem é ter um prejuízo, serem hoje os índios de ontem. Não é agindo da mesma forma errada de séculos atrás que você vai solucionar este problema. Os índios, por sua vez, tem apoio de várias organizações. O que não se sabe é se estas organizações dão apenas apoio logístico ou se efetivamente tentam alterar o modo de pensar dos índios. Isso eu não sei dizer. Mas seria preocupante se assim fosse.

O Governo Federal vem aplicando uma estratégia de esvaziamento da Funai no que se refere a definição de terras indígenas. Foi uma medida acertada?

O Governo Federal acordou para a realidade de que a Funai não pode atuar sozinha, sem considerar outros direitos. Você não pode ir ao centro da aldeia e dizer que vai aumentá-la até onde os índios querem sem que isso tenha um custo que é arcado por toda a população brasileira. É preciso ouvir os índios, mas é preciso contemporizar suas pretensões à realidade do País.

Fonte: Revista Semana Online, resumida e adaptada pela Equipe BeefPoint.

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