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O discurso da bancada ruralista não ajuda a melhorar a imagem da agricultura – Luiz Gustavo Nussio

O campus da Escola Superior de Agricul­tura “Luiz de Queiroz”, a Esalq/USP, em Piracicaba (SP), a mais famosa facul­da­de de engenharia agronômica do País e a quinta melhor do mundo em ciências agrárias, segundo o ranking da rede de mídia americana US News, tem um xerife atento a tudo o que ocorre ao seu redor.

Trata-se de Luiz Gus­tavo Nussio, engenheiro agrônomo há 30 anos, que está no cargo desde 2015. Nussio coman­da o mai­or campus da Universidade de São Paulo. São 3,8 mil hectares, 48% de toda a área da USP, onde estão 12 departamentos, 130 laboratórios, dois mil alunos e 246 professores, dos quais 157 doutores.

Ele é um crítico da universidade fechada sobre si mesma, gerando pouco impacto social. “Estamos atravessando um momento preocu­pan­te”, afirma o reitor. “Precisamos mudar a grade curricular das universidades inclusive na Esalq”, diz.

Nussio também critica a ban­ca­da ruralista e a falta de um projeto amplo para vender uma imagem positiva do agronegocio ao público urbano. “É fato que o setor tem sido defen­dido por ela, mas é um grupo que se apresenta bem conservador”, diz ele.

Neste mês, em que a Esalq/USP completa 116 anos, a DINHEIRO RURAL conversa com o reitor, que quer levar a agricultura a espaços inusitados, como a avenida Paulista, em São Paulo, símbolo máximo da vida cosmopolita das grandes cidades brasileiras.

DINHEIRO RURAL – A imagem do agronegócio continua muito ruim perante o público urbano?
LUIZ GUSTAVO NUSSIO – Quando se fala em agronegócio, a primeira expressão que vem à cabeça do cidadão urbano é agrotóxico. A segunda é risco ambiental e a terceira é trabalho escravo infantil.

RURAL – Como reverter essa imagem negativa?
NUSSIO – É preciso uma ação mais efetiva no que se refere ao desenvolvimento de políticas para o agronegócio. A agropecuária do País precisa ser repaginada e o Brasil tem poucas lideranças para isso. Esses líderes, que são necessários, poderiam ser políticos ou acadêmicos. Nos últimos tempos, por exemplo, creio que o ministro da Agricultura Blairo Maggi tem sido uma referência de liderança. Mas ele compõe uma massa crítica de poucos.

RURAL – A bancada ruralista no Congresso Nacional não tem esse papel de liderar?
NUSSIO – É fato que o setor tem sido defendido por ela, mas é um grupo que se apresenta bem conservador. O discurso da bancada ruralista não ajuda a melhorar a imagem da agricultura. Quando ela se reúne para defender o setor, por exemplo, o foco principal é a busca por angariar vantagens. É isso que passa para a sociedade. E não é o que queremos. A defesa da agropecuária deve ser pelas suas virtudes.

RURAL – Quais seriam?
NUSSIO – Por exemplo, lembrar sempre ao País que neste ano só haverá crescimento da economia por causa da agropecuária. Se não for pelo setor, o resultado do PIB brasileiro certamente indicará estagnação econômica. Esse tipo de informação não re­­cebe o seu devido destaque. Temos de mostrar que o campo está garantindo o emprego e a renda de milhares de pessoas. Mas o que o empresário rural enfrenta é o contrário. Ele é visto como o vilão da história.

RURAL – Qual tem sido a contribuição da Esalq?
NUSSIO – Estamos traçando um projeto voltado para o público urbano. Queremos fazer com que um indivíduo, ao ir numa feira, por exemplo, perceba que lá houve a participação da Esalq. Que ele enxergue que, se não existíssemos, não haveria batata o ano inteiro.

RURAL – Como isso será feito?
NUSSIO – O projeto é montar em uma região central de São Paulo, uma vitrine permanente onde possamos contar a história da nossa agricultura. Uma espécie de horta vertical. Ela poderia ser montada, por exemplo, na avenida Paulista. Mas não pensamos em um lugar de compras, como existe no Japão. O lugar é para o cidadão urbano ouvir uma história sobre a agricultura e como ela é essencial para a sua vida.

RURAL – Seria a primeira grande investida?
NUSSIO – Não. Já estamos executando um projeto ousado, comparado ao trabalho da Universidade Stanford, na Califórnia, nos Estados Unidos, com a criação do Vale do Silício. Essa região possui uma economia consolidada que é maior que a economia do Brasil. Stanford cumpre bem suas funções lá e a Esalq quer chegar a esse mesmo patamar, incentivando a inovação tecnológica e atraindo ainda mais empresas para o nosso redor. Por isso, há dois anos criamos o Vale do Piracicaba.

RURAL – Como ele começou?
NUSSIO – Primeiro, criamos um conjunto de disciplinas para que o aluno compreendesse que o seu maior patrimônio é o conhecimento. A EsalqTec Incubadora Tecnológica já existe desde 1994. Nesse espaço o conhecimento é transformado em negócio. Mas, com a criação da marca Vale do Piracicaba, muitas empresas se mudaram para o local. Para se ter uma ideia, em 12 de meses saímos de 30 empresas incubadas para quase 100 empresas. Para essas empresas nos tornamos uma âncora de suporte do conhecimento.

RURAL – Que tipo de empresa há na incubadora?
NUSSIO – Temos muitas ideias sendo produzidas e que serão apresentadas em outubro deste ano no evento Esalq Show, uma feira de inovação. É algo inédito no País no segmento agropecuário. Teremos projetos como o uso de soluções biológicas para o controle de pragas e novidades sobre o sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. Além disso, programamos um encontro com as cinco maiores universidades agrárias do mundo. A Esalq, mais representantes das universidades americanas da Califórnia e de Cornell, a holandesa Wageningen e a Universidade Agrícola da China.

RURAL – Há uma agenda em pauta para esse encontro?
NUSSIO – Vamos discutir a criação de uma aliança acadêmica em agricultura. A proposta é unificar a agenda das cinco universidades. Isso significa que os alunos de todas elas passarão a receber parte de sua instrução de modo coletivo. Já propusemos a disciplina que aborda uma visão global de agropecuária no mundo e que será oferecida nessas universidades. Com isso, o plano é fortalecer o intercâmbio de alunos.

RURAL – Qual o ganho na formação desses profissionais?
NUSSIO – O grande ga­­nho é uma visão integrada de mundo e um ponto de vista mais refinado e amplo sobre a agropecuária. Isso significa mais pessoas preparadas que serão colocadas no mercado de trabalho.

RURAL – O Brasil tem formado mão de obra qualificada para trabalhar nas fazendas?
NUSSIO – Hoje, estamos atravessando um momento preocupante do ensino no País e isso faz parte de um estudo que a Esalq está finalizando. Hoje, quando se discute o desenvolvimento da agro­­pecuária brasileira, os aspectos observados são apenas os físicos. Quer dizer, no mundo somos pleiteados como um promissor produtor global de alimentos porque temos água, solo, temperatura e condições de sustentabilidade do meio ambiente. A projeção da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) diz que até 2050 o Brasil precisa aumentar em 40% a sua produção de alimentos para que o mundo seja abastecido. Mas essa projeção da FAO é punitiva ao Brasil. Na equação pautada somente em recursos naturais falta um componente muito importante que precisa ser respondida: o País tem mão de obra qualificada para cumprir essa missão?

RURAL – O que diz o estudo?
NUSSIO – Computamos dados de produção das principais commodities agrícolas nos últimos 30 anos. A política agrícola, nesse período, promoveu uma curva fantástica de produção. Não há o que se contestar sobre isso. Mas quando colocamos, por exemplo, o número de agrônomos contra essa curva de tempo, há um fato curioso. Em três décadas, a produtividade no campo, por agrônomo, ficou praticamente estática. Isso quer dizer que os ganhos proporcionados por indivíduo formado na universidade não são tão grandes. Isso é muito ruim.

RURAL – Qual a saída?
NUSSIO – Acho que precisamos olhar para a grade curricular das faculdades e universidades e promover reformas, inclusive na Esalq. Temos de olhar para uma carga horária menor dentro das salas de aula, permitindo maior tempo de interação do aluno com a sociedade, em atividades de campo, lidando na prática com o que ele vai ver no mercado de trabalho.

RURAL – É muito difícil dar esse passo?
NUSSIO – Sim, até porque há uma estrutura que define a grade curricular dos cursos de agrárias, na qual estão o Ministério da Educação e seus Conselhos. Mas também há resistência das universidades para fazer isso, inclusive na Esalq. Porém, é algo que precisa ser feito. O profissional deve sair da universidade como um gerador de riqueza. E ele deve continar assim, mesmo passados 30 anos de sua colação de grau. Essa mudança já ocorre nas universidades lá fora.

RURAL – Como a Esalq poderia sair da quinta colocação e chegar à primeira no ranking mundial das universidades?
NUSSIO – Precisaríamos de investimentos maciços para a geração de um ambiente educacional de caráter internacional. Isso significa criar um ambiente cosmopolita, tendo a língua inglesa como a principal em todas as disciplinas da Esalq. Mas isso esbarra na reestruturação do ensino no País, ainda precário nesse sentido.

Fonte: Dinheiro Rural.

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