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Não somos contra a suspensão da vacinação da febre aftosa

Confira entrevista que o médico veterinário Emílio Carlos Salani, vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), concedeu à Dinheiro Rural:

DINHEIRO RURAL – Quanto o Brasil pode perder por causa do embargo dos Estados Unidos à carne bovina brasileira?
EMÍLIO CARLOS SALANI – Em termos financeiros, o mercado é pequeno. Mas a perda de imagem é grande. Mas ela é muito intangível porque a gente não consegue mensurá-la.

RURAL – O retrocesso de uma negociação de abertura de mercado, de quase duas décadas, pode ser colocado na conta de quem?
SALANI – Não acredito que haja um culpado, tudo isso agora é aprendizado. A primeira lição é: para trabalhar com esse cliente, tenho que estar preparado. Se eu fazia 2%, agora vou fazer 6%. Se eu analisava a carne de modo visual, agora vou olhar com ultrassom. Vou retirar a vacina ou vou reduzir a dose do medicamento? É preciso investir a quatro mãos.

RURAL – O que a indústria pode fazer para modernizar a vacina, além da diminuição da dosagem de cinco mililitros para dois como ficou definido no mês passado?
SALANI – A indústria poderia encapsular ou desenvolver vacinas em organismos geneticamente modificados. Só que o setor trabalha com a visão de que essa enfermidade vai desaparecer. Comparada com a de outras enfermidades, a vacina da aftosa não tem tantas evoluções desde que foi criada, na década de 1980. Mas houve melhorias. Ela era aquosa e aplicada a cada quatro meses. Com a oleosa, o tempo passou para seis meses.

Há oito anos, quando o Brasil atingiu a condição de livre com vacinação para a maior parte de seu território, o País começou a abrir as portas para a sua carne bovina. Isso porque hoje, pela composição viral da vacina, ao recolher o sangue de um bovino e constatar a presença de anticorpos do vírus da aftosa, é possível diferenciar se eles são de um animal que foi vacinado ou de um animal que foi infectado. Essa análise é decisiva para exportar carne a alguns países, porque é preciso provar que não há circulação viral.

RURAL – Se a aftosa está fadada ao desaparecimento, por que o Sindan tem se posicionado contra a suspensão da vacinação do gado?
SALANI – Não somos ou seremos contra a suspensão da vacinação da febre aftosa. Mesmo porque a vacina representa cerca de R$ 400 milhões em receita anual, do total de R$ 5 bilhões que a indústria fatura. Mas, apesar do nosso mau hábito de devedor de vacina, trabalhamos fortemente junto às autoridades do Ministério da Agricultura para que a vacinação não seja suspensa, baseada no atual calendário oficial.

A reintrodução da doença pode criar um impacto muito pior do que continuar vacinando. É preciso desmistificar a ideia de que ganhar mercado depende do status de livre com vacinação ou livre sem ela. O Uruguai, por exemplo, que é área livre com vacinação usando cerca de 80% de vacina brasileira para imunizar o seu rebanho, não tem restrição de exportar carne para nenhum lugar do mundo. No Brasil, a aftosa tem um viés político muito forte, é uma bandeira.

RURAL – Mas a vacina também funciona como uma bandeira para as empresas farmacêuticas?
SALANI – Sim, porque é importante ter um produto compulsório, de prateleira. Quando um produtor vai adquirir a vacina, junto ele pode comprar outros produtos. Hoje, oito empresas fabricam a vacina, em um processo agressivo para um produto farmacêutico. Para produzir um lote de vacina, o equivalente a 15 mil litros, estão envolvidos US$ 3 milhões entre o dia zero e o dia 45, quando ele está pronto.

RURAL – Então, quais bases fundamentam a posição do Sindan?
SALANI – Nós analisamos 114 questões para suspender a vacinação. São tarefas que precisam ser executadas, como a formação de um banco de antígenos, proteção de fronteiras, estruturação das barreiras sanitárias, alinhamento de equipes de veterinários e zootecnistas. Se o início da suspensão da vacinação ficar para 2019, estamos juntos. Porque a pergunta é: caso haja algum problema, teremos doses suficientes da vacina em estoque? Precisamos investir US$ 500 milhões no embarque dessa tecnologia e hoje temos somente cerca de 100 milhões de doses em estoque.

RURAL – Do ponto de vista financeiro, se a aftosa representa tão pouco, o que tem sustentado a indústria brasileira de produtos veterinários?
SALANI – A possibilidade de expansão do mercado. É fato que o Brasil vai continuar sendo um grande produtor de proteína vermelha e branca para o mundo. Embora no ano passado, o mercado tenha retraído 1% em seu faturamento, já temos sinais de retorno de crescimento em até 7% ao ano, que é a média histórica do setor. Um programa sanitário completo é inferior a 3% do custo total de uma criação. Então, por que negligenciar nesse cuidado? Hoje, não há a possibilidade de abater um boi, um frango ou um suíno sem lançar mão de produtos veterinários.

RURAL – Por isso, o consumidor brasileiro tem a impressão de que consome carne com hormônios e antibióticos?
SALANI – Essa imagem é complicada. No Brasil é proibido o uso de anabolizantes hormonais para crescimento. Nós não usamos nenhum produto para aumentar o ganho de peso de um animal. O que usamos são os antibióticos permitidos para melhorar o desempenho do animal.

RURAL – O Brasil não está na contramão da história? Nos Estados Unidos, onde os dois produtos são liberados, os laticínios estão pagando prêmios aos produtores de leite que não utilizam mais a somatotropina (bST, na sigla em inglês).
SALANI – Não vejo problema no uso desse hormônio natural, produzido pelo próprio organismo do animal. As duas maiores empresas que comercializam bST, hoje, são as americanas Elanco e Merck. É quase inimaginável pensar que essas companhias teriam algum produto inseguro em sua linha. A função da bST é ajudar o animal a produzir mais leite, no nosso caso, aumentar a oferta de proteína animal para que todos possam ter acesso a ela.

RURAL – Qual o foco atual da indústria veterinária?
SALANI – A prevenção, justamente para que resulte em menos uso de antibióticos, maior produtividade e bem-estar animal. A indústria está virando o leque, baseado em dois pilares: prevenir e produzir com segurança. Para um País que tem bilhões de aves e milhões de suínos e bovinos, não dá para ficar fazendo nada curativo.

RURAL – A indústria veterinária tem passado por um processo de fusões e de aquisições. Esse movimento continua?
SALANI – Nos últimos três anos, importantes fusões e aquisições foram consolidadas. Mas a fase de euforia passou, inclusive de negócios envolvendo grandes grupos estrangeiros no mercado internacional. Acredito que deve ocorrer daqui para a frente apenas negócios pontuais.

RURAL – Quais os países que tem realizado pesquisas de ponta em sanidade animal?
SALANI – Isso é bastante difuso. Alguns países têm um regulatório forte em fármacos, outros, em biológicos. Os Estados Unidos, por exemplo, são fortes em fármacos. Já os países europeus, puxam mais a parte biológica.

RURAL – O Brasil não está nesse jogo?
SALANI – Com os tamanhos dos nossos rebanhos, tivemos que puxar essa carroça. Um dado importante foi a descentralização da pesquisa. Nos últimos cinco anos, o parque industrial brasileiro evoluiu bastante. Elevamos o patamar, criando linhas de produtos diferenciados e expandindo nossa capacidade de produzir. As empresas nacionais investiram pesadamente, enquanto as multinacionais se realinharam com aquisições.

RURAL – Há exemplos de pesquisas nas quais o Brasil se destaca?
SALANI – A vacina contra leishmaniose é um caso. Ela foi desenvolvida no Brasil. Outros exemplos são as vacinas de de circovirose, para suínos, e as gumboro e marek, para aves, feitas também nos Estados Unidos. O setor também trabalha com os marcadores moleculares para avaliar o desempenho bovino, ou seja, se um bezerro vai gerar carne com marmoreio, por exemplo.

RURAL – Quanto as empresas estão investindo?
SALANI – Uma empresa saudável aplica até 5% de sua receita em pesquisa e desenvolvimento. Os desafios são o tempo e o ritmo dos investimentos. São necessários até dez anos para se descobrir uma nova molécula, além de milhões de dólares para o seu desenvolvimento e licenciamento. Uma solução seria mais parcerias entre os centros de excelência em pesquisa e o setor privado.

Fonte: Dinheiro Rural.

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