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Melhoramento Genético com qual objetivo?

Importantes mudanças de "paradigma" ocorreram na bovinocultura de corte no Brasil. A atividade deixou de ser encarada como uma reserva de capital e passou a ser mais profissionalizada. Para garantir a sua sobrevivência, não basta mais focar apenas em aumento de produção. A expansão agrícola e questões políticas e ambientais pressionam no sentido de tornar a disponibilidade da terra como um fator limitante. Os índices por unidade de área são cada vez mais importantes e o melhoramento genético é uma ferramenta que pode ajudar a atender essas exigências. Uma das principais questões a ser definida em um programa de melhoramento genético é o objetivo do criador ou a direção na qual se quer conduzir o programa. No geral, objetivos mais apropriados são definidos quanto se tem uma visão sistêmica da atividade.

O primeiro módulo do Curso Online Melhoramento Genético em Bovinos de Corte, que terá início no dia 13 de maio, irá tratar da primeira e uma das principais questões a ser definida em um programa de melhoramento genético que é o objetivo do criador ou a direção na qual se quer conduzir o programa.

No geral, objetivos mais apropriados são definidos quanto se tem uma visão sistêmica da atividade.

Importantes mudanças de “paradigma” ocorreram na bovinocultura de corte no Brasil. A atividade deixou de ser encarada como uma reserva de capital e passou a ser mais profissionalizada.

Para garantir a sua sobrevivência, não basta mais focar apenas em aumento de produção. A expansão agrícola e questões políticas e ambientais pressionam no sentido de tornar a disponibilidade da terra como um fator limitante. Os índices por unidade de área são cada vez mais importantes.

Diante da constante redução das margens do pecuarista, causada pelo aumento dos custos de produção e pela redução do valor nominal da carne, o foco é cada vez maior sobre a lucratividade, que nem sempre está associada a uma maior produtividade.

Como relativamente novo paradigma está a questão da sustentabilidade. Neste contexto, não adianta produzir de forma lucrativa se não for ecologicamente correto e socialmente justo. Tudo indica que a pressão da comunidade vai ser cada vez maior neste sentido.

Uma questão interessante é de avaliar como o Brasil se enquadra neste novo enfoque de produção, ou seja, em avaliar quantos quilos de carne podemos produzir por hectare de maneira sustentável, com boa lucratividade.

O Brasil possui uma série de condições favoráveis que o caracteriza como um dos países com maior potencial para a produção de carne de forma sustentável. Para explorar este potencial, devemos utilizar os nossos recursos naturais de forma racional.

Apesar das condições favoráveis para uma produção competitiva e sustentável temos alguns grandes desafios para enfrentar.

Os índices médios atuais de produtividade indicam que há grande oportunidade de melhorar a nossa eficiência produtiva. A pecuária ocupa uma área de aproximadamente um quarto do território nacional (200 milhões ha) e apresenta um índice médio de produtividade de 3 @/ha/ano. Este índice evoluiu significativamente nos últimos anos, mas ainda é considerado baixo.

Como podemos observar no Gráfico 1, uma das consequências favoráveis imediatas do aumento da produtividade seria a redução da pressão sobre a terra. Pressupondo uma produção constante de 9 milhões to. eq. carc./ano, a cada aumento de 1% da produtividade, em relação ao índice atual, haveria uma liberação de 1 milhão de ha. Se dobrássemos a nossa produtividade, assumindo produção constante, haveria uma liberação de 100 milhões de ha, área esta maior do que toda a área ocupada pela agricultura.

Gráfico 1. Relação entre a área ocupada e a produtividade da pecuária, pressupondo uma produção constante de 9 milhões to. eq. carc./ano

Um ponto importante é que o aumento da produtividade pode ser obtido em muitos casos sem a necessidade de grandes investimentos.

Outra consequência do aumento da produtividade que tem sido muito discutida seria a redução da emissão de metano/kg de carne produzida, o que seria importante para mitigar a emissão de gases associados às mudanças climáticas.

Muitas empresas do setor de insumos estão usando este argumento a favor do aumento da produtividade mas, na verdade, uma série de outros fatores além da emissão de metano estão associados à sustentabilidade da pecuária.

Para melhorar a eficiência produtiva de forma sustentável, é necessária a adoção de sistemas que:
• garantam o bem estar animal e a qualidade do produto final;
• preservem a biodiversidade, o solo e os recursos hídricos;
• sejam menos dependentes do uso de recursos naturais não renováveis.

Estes conceitos alertam para o fato de que o progresso da pecuária não pode se basear apenas no aumento da produtividade por área. O uso racional dos recursos naturais deve ser levado em consideração. Sistemas de produção muito intensificados parecem não ser os melhores modelos para uma pecuária sustentável nas regiões tropicais.

Uma série de exemplos bem sucedidos no Brasil indica que é possível aumentar muito a produtividade com a “simples” adoção do manejo racional de pastagens. Além de possibilitar boa produtividade a custos relativamente baixos, garantindo boa lucratividade, a criação de bovinos em pastos bem manejados é um sistema favorável à conservação dos solos, dos recursos hídricos e da biodiversidade (FAO 2009).

Estudos indicam que o sequestro de carbono em áreas de pastagem bem manejadas pode ser bem maior do que a emissão de metano dos bovinos, resultando num balanço favorável.

Infelizmente, informações tendenciosas a respeito deste assunto têm sido divulgadas e nem sempre o carbono sequestrado no solo e no pasto é considerado. O pior, a emissão de dióxido de carbono pelas queimadas é somada às “emissões da pecuária”. Neste caso, está sendo transferida ao gado a culpa do governo e da sociedade em não conseguir definir leis que sejam aplicáveis e que garantam a exploração racional dos nossos biomas.

Um grande desafio e gargalo no Brasil quanto à criação de bovinos a pasto é a quantidade de área degradada e mal manejada.

Como o melhoramento genético pode contribuir?

Definido o sistema de produção que vai ser adotado “dentro da porteira”, o grande desafio dos programas de melhoramento em bovinos de corte é a definição de qual o melhor genótipo para a conversão mais eficiente do sistema, ou dos recursos disponíveis, em um produto de qualidade, lucrativo e produzido de forma sustentável.

É importante ter em mente que o sistema de produção determina o componente genético que pode ser utilizado, e que a recíproca desta frase também é verdadeira. Ou seja, assim como não compensa investir em genética sem um manejo adequado, não adianta investir em recursos (ex.: reforma/adubação/divisão de pastos) se não houver uma grande proporção de animais na propriedade com potencial genético para explorá-los de forma eficiente. Diante disso, cabe a questão: Como melhorar geneticamente o meu rebanho, de forma a buscar a otimização genótipo-sistema de produção?

As duas principais ferramentas do melhoramento são:
1) Seleção, que é a definição de quais animais serão usados na reprodução e com qual intensidade;
2) e a definição de como acasalar os touros e as vacas selecionados – denominada como acasalamento quando estes são da mesma composição genética, ou cruzamento quando são de raças distintas.

Neste curso de melhoramento, não teremos tempo para discutir sistemas de acasalamento dirigido e de cruzamentos, o enfoque será sobre seleção.

Um ponto crucial a ser considerado em programas de melhoramento genético é que o ambiente de seleção dos reprodutores deve ser similar ao ambiente de produção de seus descendentes. Animais geneticamente mais apropriados para sistemas distintos apresentam biotipos distintos.

Resultados de pesquisa e experiência de campo mostram que a seleção para o aumento excessivo da produção, sobretudo em ambientes “não restritivos”, acarreta em repostas correlacionadas indesajáveis, principalmente quanto à características reprodutivas e adaptativas. O problema se torna mais agravante quando animais selecionados em ambientes de abundância alimentar (ex.: confinamento) passam, eles próprios ou seus descendentes, a ter que produzir em ambientes desafiadores.

A importância do efeito da interação genótipo-ambiente, entretanto, parece ser frequentemente negligenciada na produção de bovinos de corte.

Infelizmente, ainda é comum o caso de rebanhos comerciais, de criação predominantemente a pasto, usarem sêmen (material genético) de animais “fabricados” em ambientes artificiais de abundância alimentar. Em casos extremos, o custo por mês com trato para fabricar um animal referenciado como “elite” se equivale ao custo alimentar de toda a vida de um animal criado e recriado a pasto e engordado em semi-confinamento, abatido com idade em torno de 24 meses.

Animais selecionados em sistema de abundância energética/alimentar apresentam alto metabolismo e elevada capacidade de consumo (não necessariamente de forma eficiente!), produzindo, no geral, progênie com acabamento tardio, pouco adaptada e de baixa eficiência de produção em ambientes desafiadores, como os sistemas predominantes de criação no Brasil.

Conforme discutido anteriormente, seleção é a definição de quais animais serão usados na reprodução e com qual intensidade. Portanto, podemos afirmar que todo produtor que trabalha com cria é um selecionador, pois é ele (ou seu subordinado) quem define quais vacas vão ficar na propriedade e quais vão ser os touros ou o sêmen a ser utilizado em cada uma delas. O problema é que nem sempre estas decisões são tomadas de forma técnica e objetiva, fazendo com que nem todo selecionador promova melhoramento genético do seu rebanho.

Para promover o melhoramento genético do rebanho, é preciso aplicar critérios de seleção que promovam progresso genético na direção desejada. Com uma importante restrição: os custos na obtenção das informações individuais dos animais (seja na forma de medidas fenotípica e/ou de marcadores moleculares, por exemplo), as quais permitirão avaliá-los geneticamente, devem (obviamente) ser menores do que o benefício gerado por obtê-las.

Existem medidas de alto custo e baixo benefício, assim como de baixo custo e alto benefício, em termos de permitirem progresso genético na direção desejada.

Não podemos, por exemplo, considerar emissão de metano e eficiência alimentar como critérios diretos de seleção pois, na prática, são medidas caras e de difícil mensuração. Exceção poderia ocorrer se marcadores moleculares para estas características fossem identificados pois, nesse caso, não haveria a necessidade de obter informação fenotípica de todos os animais. O assunto marcadores moleculares será discutido no módulo 4.

Este artigo foi retirado do material do Curso Online Melhoramento Genético em Bovinos de Corte, que será ministrado por Roberto Carvalheiro, e é uma breve amostra do que será discutido durante o curso que terá início no próximo dia 13 de maio. Clique aqui para ver a programação completa e inscrever.

0 Comments

  1. Ronaldo Mendonça dos Santos disse:

    Parabéns pelo artigo! Acredito que a introdução dos marcadores moleculares é uma das opções fortes para o ganho genético.

    Atenciosamente,
    Ronaldo.

  2. Ricardo Cauduro disse:

    Prezado Roberto Cavalheiro,

    Que pena que a ´Grande´ maioria dos pecuarista “Criadores”não sentem nem
    por um isntante para ler este material para pelo menos terem uma idéia do que vem a ser “melhoramento genético.
    Parabéns.
    Ricardo Cauduro

  3. Roberto Carvalheiro disse:

    Prezados Ronaldo e Ricardo,
    Muito obrigado pelas considerações!
    Abraço,
    Roberto

  4. Antonio João Lourenço disse:

    È um artigo com conteudo atual focado com comentário tecnico fundamentado para o desenvolvimento da percuaria de corte. O efeito da interação genotipo-ambiente é de grande importância a ser considerado para que animais “fabricados” em condições artificiais de superalimentação não sejam utilizados como reprodutores nas centrais de coleta de semen, e disponibilizem material de um produto elaborado distante da realidade brasileira com base as pastagens tropicais.
    Lourenço – Pesquisador cientifico aposentado

  5. Oscar Roberto Martínez López disse:

    Legal o artigo Roberto. Além de tudo, somente quero comentar, que levar em consideração que a aplicação errada o simplesmente desproporcionada de um programa de melhoramento, pode levar a uma degradação genética do rebanho, conduzindo-o a uma homogeneização genotípica do mesmo, acabando assim com a diversidade genética É sumamente importante manter a diversidade genética Daí, a importância da aplicação correta das ferramentas do melhoramento, que bem podem ser oferecidos no curso on line.

  6. Roberto Carvalheiro disse:

    Prezado Oscar,
    Muito obrigado pelo comentário!
    Acho difícil “acabarmos” com a variabilidade genética de um rebanho, uma vez que a segregação Mendeliana responde por metade da variabilidade genética original.
    De qualquer forma, temos que nos atentar para não restringir o tamanho efetivo do rebanho e ter problemas futuros com endogamia (infelizmente, não trataremos deste assunto neste primeiro curso).
    Lembrando que nem sempre a redução da variabilidade genética é negativa se trabalhamos com redução em torno de um desempenho ótimo.
    Atenciosamente,
    Roberto

  7. Humberto de Freitas Tavares disse:

    Roberto, complemento a discussão dando o seguinte palpite: O foco deve ser mudar o rebanho de corte, e não (ou não tanto) o rebanho produtor de genética. O importante é que os indivíduos do seedstock tenham avaliação genética e ausência de defeitos fenotípicos e taras.

    O boi de corte tem características bastante definidas, e precisa ser produzido a partir de uma imensa variedade de vacas, numa enorme diversidade de ambientes e sistemas produtivos. A arte da genética aplicada está em dividir estas vacas em algumas categorias e indicar, para cada uma delas, quais os melhores touros para obter a desejada homogeneidade na carcaça, tamanho e taxas de ganho de peso dos bois e novilhas de corte. A arte está em indicar como usar valor genético para produzir valor fenotípico.

    A pesquisa brasileira está nos devendo isso. Vemos muita ênfase na mudança por absorção (lenta, com os riscos apontados por Oscar Martinez), e pouca ênfase na mudança por complementaridade (imediata).

  8. Javier Ortiz Terceros disse:

    Felicidades por el excelente articulo. Se aplica perfectamente a nuestras condiciones en el subtropico boliviano-
    Javier

  9. Roberto Carvalheiro disse:

    Prezado Humberto,
    Muito obrigado pelas considerações!
    Concordo que temos um grande trabalho a ser focado na difusão de material genético superior nos rebanhos comerciais, mas também acho que há muito espaço para progredir nos rebanhos produtores de genética. Gosto muito da frase que diz que “melhoramento genético é um processo e não um estado”, e a principal lição que tiro dela é que sempre há espaço para progredir.
    Quanto à indicação dos melhores touros para cada vaca, no meu entender, os principais programas de melhoramento do país já trabalham com programas de acasalamento dirigido que permitem não apenas maximização do valor genético mas também maximização do valor fenotípico quanto ao objetivo desejado. As indicações são mais eficientes quanto mais informações as vacas tiverem, sobretudo se possuírem avaliação genética.
    Atenciosamente,
    Roberto

  10. Roberto Carvalheiro disse:

    Prezado Roberto Mesquita,

    Obrigado pelo interesse na matéria!

    O uso mais acentuado de tourinhos jovens (teste de progênie) nos principais programas de melhoramento de corte no Brasil já é uma realidade. Muitos criadores já estão convencidos da sua importância e dos benefícios.
    Conhecemos casos de fazendas que usam sêmen de teste de progênie em 70% das vacas inseminadas.

    Quanto à testá-los em rebanhos comerciais acho que, além do peso, não poderíamos abrir mão das avaliações visuais de CPM (conformação, precocidade e musculatura).

    Atenciosamente,

    Roberto

  11. Carlos Villaca disse:

    Caros senhores

    O uso de touros PO, melhoradores, seleção de vacas para monta e o uso de pastagens de boa qualidade são os quesitos básicos, porém um problema que tenho notado é que ao se realizar todos esses passos não se melhora o preço do boi pago pelo frigorífico.

    Conversando com outros produtores observei o grande número de brincos de rastreamento que são perdidos nos rebanhos, sejam em pastos limpos ou com vegetação . É um problema comum ?? Alguem ja buscou outras alternativas??

    A grande questão é que o sistema de rastreamento tem se mostrado falho (com brincos) e o preço final não acompanha os investimentos.

    Parabens pelo artigo, porém seria interessante ligar a ciência a $iên$ia para que os resultados sejam realmente sentidos pelos produtores.

    Atenciosamente

    Carlos

  12. Roberto Carvalheiro disse:

    Prezado Carlos Villaca,

    Programas de Melhoramento Genético não são implantados para aumentar o preço da arroba do boi (se bem que alguns programas tem conseguido bonificação por produzirem carcaça de qualidade).

    Programas de Melhoramento Genético são implantados para produzir de forma mais eficiente e rentável dado os recursos e ambiente disponíveis.

    São muitos os exemplos de fazendas que após implantarem um programa de melhoramento conseguiram: melhorar índices reprodutivos, reduzir idade ao abate, melhorar o retorno maternal das vacas, aumentar a taxa de desfrute, entre outros benefícios. E isso tem a ver com $iên$ia!

    Atenciosamente,

    Roberto

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