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Livro que defende o consumo de gordura saturada acaba de ser lançado no Brasil. Confira entrevista exclusiva com a autora.

Foi lançado no Brasil, pela editora Martins Fontes, o livro Gordura Sem Medo, tradução do famoso livro The Big Fat Surprise, da autora americana, Nina Teicholz.

O livro foi lançado em 2014 e gerou bastante polêmica ao contestar 50 anos de crenças nutricionais adotadas pelas principais instituições de saúde do mundo todo que afirmam que a gordura saturada, principalmente encontrada em produtos de origem animal, como carnes vermelhas e derivados do leite, é responsável por aumentar o risco de doenças cardiovasculares, além de outros tipos de doenças, como câncer, diabetes, etc.

Teicholz alega em seu livro que, apesar das profundas mudanças registradas na dieta dos americanos, com uma redução no consumo de gorduras saturadas e aumento no consumo de vegetais, não houve redução nas taxas de doenças cardiovasculares, nem de câncer, nem tampouco da obesidade; ao contrário, houve um aumento nos índices de tudo isso. Parte da explicação para esse fenômeno é o fato de que a remoção da gordura acaba levando ao aumento do consumo de carboidratos no lugar.

A boa saúde e o alto consumo de gordura animal devem excluir-se mutuamente, pois o consenso atual diz que essas gorduras, sobretudo as de carne vermelha, causam doenças coronarianas e, talvez, câncer. Essas crenças estão tão entranhadas que nos parecem evidentes por si mesmas. De acordo com conselhos que ouvimos há décadas, em vez de produtos de origem animal deveríamos comer vegetais – a dieta mais saudável seria quase vegetariana”, diz o livro.

Teicholz contesta no livro praticamente todos os estudos que serviram de base para as principais recomendações dietéticas feitas pelas organizações mais importantes do setor de saúde dos Estados Unidos, que influenciam também em grande medida as recomendações no restante do mundo.

Sua maior crítica é voltada ao grande responsável por disseminar a ideia de que as gorduras saturadas são as grandes vilãs da dieta e responsáveis diretas pelos aumentos de casos de doenças cardiovasculares entre os homens americanos na época, o pesquisador Ancel Keys.

Muitos dos principais estudos, como o Estudo dos 7 Países, de Keys, possuem sérias falhas no delineamento experimental, tamanho e seleção da amostra, bem como na análise dos dados, mas continuam sendo citados em grande medida como base para as recomendações dietéticas até hoje.

Teicholz pesquisou durante quase 10 anos para escrever esse livro, que possui uma revisão bastante rica sobre as pesquisas feitas na área de nutrição e saúde envolvendo a questão de gorduras saturadas.

O livro, que chegou para sacudir crenças antigas e para talvez direcionar novas pesquisas científicas sobre gorduras saturadas e seu papel em uma dieta saudável, agora está disponível totalmente em português e tem uma linguagem simples e acessível para todos os públicos.

O BeefPoint fez uma entrevista exclusiva com Nina Teicholz, que você pode conferir abaixo:

Nina Teicholz

BeefPoint: Ao ler o livro, fica claro que a hipótese de que a gordura saturada é a causa de doenças cardiovasculares foi o resultado de uma “tempestade perfeita”: medo crescente dos homens americanos devido ao aumento das taxas de doenças cardiovasculares e um cientista incisivo, vaidoso e até um pouco agressivo como Ancel Keys.

Você pode comentar isso brevemente?

Nina Teicholz: Exatamente isso.

Keys propôs uma hipótese em um momento em que a nação estava em pânico sobre a onda crescente de doenças cardíacas.

Havia uma necessidade desesperada de uma resposta, sem solução à vista, e Keys preencheu esse vazio com força.

Ele era um crente feroz de suas próprias ideias, e  tinha uma personalidade dominadora e agressiva que lhe permitiu inserir sua ideia na American Heart Association.

A partir daí, a hipótese foi “codificada” como política e assumiu uma vida própria.

Apesar de uma grande quantidade de evidências contrárias, a hipótese de Keys não poderia – e ainda não foi – removida.

BeefPoint: O medo e o desconforto em lidar com as incertezas inerentes à ciência e às questões relacionadas à saúde e à biologia em geral parecem ter influenciado nessa busca desesperada por uma causa nutricional de doenças cardiovasculares.

Como lidar com isso e quais são as consequências disso para a saúde das pessoas?

Nina Teicholz: Sim, acredito que há um desejo de uma solução simples e mágica para problemas de saúde complexos, porque as pessoas vivem vidas ocupadas e é mais fácil tomar uma pílula ou fazer uma única mudança na dieta ao invés de alterar um estilo de vida inteiro.

Além disso, como não há informações científicas rigorosas sobre nutrição, esta nebulosidade nos dados permite que todos os tipos de médicos charlatões promovam suas dietas de moda.

É muito difícil para uma pessoa média encontrar o caminho através desse emaranhado de desinformação.

Pior ainda, há muitas evidências para mostrar que nossas diretrizes dietéticas “oficiais” não se baseiam em evidências rigorosas, então não podemos nem mesmo confiar nos especialistas!

Estamos passando por um momento um pouco louco na nutrição, onde o “consenso” oficial não reflete a ciência real, e qualquer leitor sensato perguntaria: “bem, por que acreditar nessa jornalista?”

O que posso dizer é que cheguei a esse assunto sem qualquer preconceito, passei quase uma década estudando e não recebi nenhum suporte da indústria de nenhum tipo.

O que encontrei modifica a sabedoria popular em sua cabeça. Mas um crescente número de cientistas da nutrição concordam comigo.

O ex-presidente da Federação Mundial do Coração disse em uma reunião recentemente em Davos: “Nina Teicholz sacudiu o mundo da nutrição, mas estava certa”.

Ponto adicional: os grupos de defesa também precisam de “vilões” para suas várias cruzadas, para manter as pessoas mobilizadas, pagando taxas de adesão, etc. (pelo menos isso acontece nos EUA – eu não sei no Brasil), então isso significa que ter um “alimento ruim” é algo que os grupos de defesa podem defender em campanhas.

BeefPoint: O psiquiatra brasileiro Flávio Gikovate dizia que é muito difícil modificar crenças enraizadas que geram comportamentos que são transmitidos de geração para geração.

Ele disse que as pessoas tendem a se apegar às suas crenças, mesmo que os fatos não as confirmem – o que ele considerou um erro, uma vez que os fatos devem prevalecer.

A redução do consumo de gorduras saturadas não levou a uma melhoria na saúde das pessoas – pelo contrário.

É realmente possível transformar as crenças das pessoas tão profundamente enraizadas sobre a gordura, de forma que seu comportamento reflita isso?

Nina Teicholz: Este psiquiatra era sábio.

É difícil para as pessoas mudarem as crenças prolongadas, mas a realidade é que não temos essas crenças há tanto tempo.

Apenas duas gerações atrás, as pessoas acreditavam que a carne era saudável, e muitos de nós ainda lembram de refeições familiares com carne, queijo, etc. que eram consumidas com prazer e não, culpa.

Portanto, essas crenças não estão tão profundamente enraizadas.

Não precisamos voltar tão longe na nossa história para lembrar quando as pessoas pensavam de forma diferente.

Os cientistas da nutrição arruinaram nossas tradições alimentares – e o que eles nos trouxeram? Obesidade e diabetes.

Então, temos todos os motivos para questionar a sabedoria desses “especialistas” e também, desafiar nossas próprias crenças que foram adotadas apenas recentemente.

BeefPoint: Como podemos explicar às pessoas de forma simples e eficaz que a gordura que comemos é diferente da nossa gordura corporal, de forma que não podemos dizer que a gordura que comemos nos torna gordos (mesmo que isso pareça lógico e óbvio)?

Nina Teicholz: A gordura que você come não é a gordura que você ganha.

O que se converte em ácidos graxos na corrente sanguínea são carboidratos.

Isto foi cientificamente demonstrado várias vezes.

BeefPoint: Ficou claro no livro que a capacidade de persuasão de Keys e seus apoiadores foi essencial para obter financiamento para sua pesquisa.

A falta de financiamento pode impedir a possibilidade de realizar pesquisas.

Estava pensando sobre a importância do comportamento “político”, também na área da ciência.

Você acha que é necessário, além de uma boa hipótese e pesquisadores inteligentes e competentes, a capacidade de “vender o peixe”?

Nina Teicholz: A ciência deveria operar de acordo com princípios superiores do que o comércio: na ciência, as melhores ideias deveriam subir ao topo, sem obstáculos com a política e a com a “embalagem”.

No entanto, o que encontrei é que, na ciência da nutrição, as ideias mais inteligentes e os dados mais rigorosos foram ignorados enquanto as ideias menos rigorosas prevaleceram.

Por quê?

Porque essas ideias “populares” tinham apoio político, embalagens atraentes e foram compradas pela mídia.

É devastador saber que a política de nutrição tem sido mais dominada pela política do que pela ciência.

BeefPoint: Sobre a questão de ter poucos dados de pesquisa com mulheres e crianças, como você vê isso?

Esses grupos precisam ser priorizados em estudos futuros?

As mulheres frequentemente seguem as dietas mais estritamente, enquanto as crianças têm muito gosto pelo açúcar.

E muitos alimentos voltados para crianças vendidos como “saudáveis” possuem pouca gordura, mas são ricos em açúcar, como sucos de frutas, iogurtes desnatados.

Nina Teicholz: É uma tragédia que muitas crianças estejam seguindo uma dieta que foi prescrita (erroneamente, como se viu) para homens de meia idade.

As crianças têm suas próprias necessidades exclusivas, porque estão crescendo.

As crianças precisam consumir uma dieta mais rica em gordura, incluindo alimentos de origem animal, para um crescimento ótimo.

Elas não devem comer alimentos com baixo teor de gordura e devem evitar açúcar e grãos em excesso.

Costumava ser assim, quando as crianças estavam com problemas no crescimento, os pais as alimentavam com leite integral com gordura extra, e isso era tudo o que era necessário para restaurar sua boa saúde.

Para as mulheres, as pesquisas mostraram que dietas com baixo teor de gordura aumentam o risco de doenças cardiovasculares.

Sim, precisamos de mais pesquisas sobre esses grupos, mas, entretanto, os dados que temos indicam que mulheres e crianças não devem seguir dietas com pouca gordura.

BeefPoint: No capítulo sobre a Dieta Mediterrânea, você fala sobre a importância de preservar a cultura dos países no consumo de alimentos.

Aqui no Brasil, há uma abundância de frutas e vegetais, que têm um baixo custo e uma cultura muito tradicional de consumo de arroz, feijão, carne e salada.

Você acha que seria ideal manter esta dieta tradicional, reduzindo o consumo de alimentos processados e alimentos com açúcar adicionado?

Manter a dieta tradicional ajuda na adesão à dieta?

Nina Teicholz: Eu acho que seria ideal para os brasileiros consumir sua dieta tradicional e ficar longe dos alimentos processados, acredito que os cientistas de nutrição com dados fracos não devem roubar das pessoas sua herança alimentar.

O alimento faz parte da cultura.

Os brasileiros, como outros povos, devem comer seus alimentos tradicionais sem culpa – e, idealmente, com um pouco do prazer que as pessoas costumavam sentir com mais frequência ao comer!

BeefPoint: Na prática, quais ações você espera que as pessoas – e o governo – tomem após suas descobertas?

Nina Teicholz: O ponto chave do meu livro é: não evitem gordura.

A gordura não torna você gordo e não causa nenhuma doença.

Uma dieta com maior teor de gordura, incluindo gorduras saturadas e com menos carboidratos, foi demonstrada em muitos ensaios clínicos como sendo mais saudável – em termos de ajudar as pessoas a perder peso, controlar o açúcar no sangue (o que é crucial para o diabetes) e melhorar a maioria dos fatores de risco para doenças cardiovasculares.

Carnes, lácteos e ovos foram injustamente condenados com base em ciência fraca sobre gorduras saturadas e colesterol.

Esses alimentos contêm nutrientes necessários e não devem ser evitados.

BeefPoint: Qual o impacto que você espera que seu livro, agora em português, tenha em um país como o Brasil, que é um grande produtor e consumidor de carne bovina, além de ser famoso por seus tradicionais churrascos?

Nina Teicholz: Minha esperança é que as pessoas entendam que a carne não é ruim para a saúde.

A carne vermelha foi condenada nos últimos 50 anos com base em seu teor de gordura saturada, mas a ideia de que essas gorduras causam doenças cardíacas é uma hipótese que nunca pode ser comprovada.

A evidência mais recente apresentada contra a carne vermelha – que ela causa câncer ou diabetes – é extremamente fraca e preliminar – e foi conduzida por cientistas vegetarianos ativistas.

Assim, atualmente não há evidências rigorosas para mostrar que a carne vermelha é ruim para a saúde.

Na verdade, a carne vermelha é uma excelente fonte de nutrientes necessários. Minha esperança é que os leitores deste livro possam comer carne sem culpa e até prazer – como fizeram seus antepassados.

BeefPoint: Em quais países e línguas seu livro foi publicado?

Quão importante é isso para a saúde das pessoas e para possíveis mudanças nas recomendações alimentares dos governos em todo o mundo?

Nina Teicholz: O livro foi publicado em espanhol (México- Penguin Random House), português (Brasil- WMF Martins Fontes), mandarim (China- Commercial Press), tcheco (Jota), estoniano (Estônia – Peramotsa Press), coreano (Coria – Window of Times), eslovaco (Eslováquia – Publixing), taiwanês (Taiwan – Ark Culture) e vietnamita (Vietnã – Thai Ha Books).

A versão em inglês do livro foi comercializada, além dos Estados Unidos, no Reino Unido, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia.

Praticamente todos os países seguiram o exemplo dos EUA (nós exportamos nossos diretrizes de alto teor de carboidratos e grãos para o mundo, e elas ainda são consideradas o “padrão-ouro”), então, se estamos errados – o que agora foi demonstrado em revisões em revistas – então as diretrizes do governo em todo o mundo estão erradas.

Podemos ver os resultados: uma epidemia global de diabetes e obesidade.

Dado o sofrimento e os custos dessas doenças, é claro que é importante mudar as diretrizes em todos os lugares para que elas possam restaurar novamente a boa saúde às pessoas em todo o mundo.

BeefPoint: Como é a sua dieta essencialmente?

Eu tenho uma dieta bastante baixa em carboidratos e com alto teor de gordura.

Eu como muitos queijos, carnes, peixe, ovos e vegetais. Cozinho com manteiga, banha e óleo de coco.

Evito os alimentos ricos em amido, como pão, grãos (arroz, etc.) e, definitivamente, evito os açúcares e doces (embora eu não seja perfeita!).

Eu também trato as frutas como um deleite, não como algo que como todos os dias.

Com esta dieta, estou 20 libras [cerca de 9 quilos] mais magra agora do que nos meus 20 anos, quando consumia uma dieta vegetariana com alto teor de carboidratos e todos os meus fatores de risco cardiovasculares estão melhores.

Também – misteriosamente – não tenho mais outras doenças que costumavam me atormentar como sinusites infecciosas.

Fonte: Entrevista exclusiva para o BeefPoint.

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1 Comment

  1. Ayrton Cogo disse:

    Miguel e Equipe Beefpoint, que sacada sensacional!
    Acabei de ler este livro que vem complementar o Livro Do Gary Taubes(Porque engordamos-2009), onde está didaticamente explicado tudo que há de ciência verdadeira em nutrição e o que interesse econômico e má ciência.
    Recomendo fortemente a leitura de ambos, embora esta entrevista já dê uma ideia bem precisa dos pilares básicos de uma dieta saudável e boa ciência.
    Parabéns e muito Obrigado pela publicação meu grande Mentor.
    Fraterno Abraço

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